sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Varsóvia


Acordei ceducho no dia onze de Outubro, com ideias de ir até Varsóvia. Toda a gente me dizia que era terrível e não sei quê, mas eu gostava de ver com os meus próprios olhos. Além disso, estava a quatrocentos quilómetros de distância de Kaunas, sendo assim uma distância saudável para uma paragenzinha.
               
Despedi-me do Couto e da Viljia, e meti-me no autocarro que o hitchwiki aconselhava. Pouco mais de meia hora e saí, com a ajuda de um rapaz que me disse onde era o sítio para onde me dirigia. Estava um bocadito de frio, estava com uma barba granducha e sem gel. E daí sem grande confiança para boleiar. É que já sei que a malta é esquisita. E ver um barbudo de cabelo a dançar ao Vento é algo que às vezes assusta os mais incautos condutores. Mas aquilo era a Lituânia pá! E como era a Lituânia, não esperei mais do que dez minutos até entrar no meu primeiro carro. Um rapaz dos seus trinta anos, que já tinha ido à República Checa à boleia apanhou-me.
               
- De vez em quando vejo pessoal e gosto de os levar. Vou deixar-te ali numa estrada perto da fronteira onde costumo deixar os outros – disse. Isto não estava no plano do google maps que tinha visto, mas lá acedi. Se por um lado penso “o gajo deve saber, ele afinal de contas é daqui”, por outro lado já me tinha lixado bastantes vezes saindo da rota que tinha planeado com o auxílio do Sr. Google. Mas correu bem. O gajo deixou-me, passaram dois carros e fui logo com o terceiro. Este deixou-me mesmo na fronteira, uns poucos quilómetros antes. Fui à estação de serviço gastar o dinheiro que me sobrava, e ia espetar o dedo para a estrada, quando resolvi ir perguntar àquele camionista se ia para a Polónia. Ia, e segui com ele algumas horas.
               
Este camionista deixou-me a uns cento e tal quilómetros de Varsóvia. Estava tudo a correr tão, mas tão tranquilamente, demais! Parece daquelas frases que antecipa um “até que se lixou tudo” - mas não. Saí do camião, estava a chover. Lancei o dedo ao destino, passa um carro com um casal à frente, aponto para mim e para o próprio carro, e a mulher diz para eu entrar. E fui directo até Varsóvia! Os gajos iam a ouvir heavy-metal e a fumar como se na hora seguinte fosse introduzido um imposto sobre o fumo. Parámos por um minuto, a gaja aos gritos com ele, o méne sai, entra numa lojita, e reaparece com uma cerveja, que lhe dá. Chicote à la Polac.

Onde me deixaram tinha de apanhar um autocarro até ao centro. Mas não tinha dinheiro polaco, por isso fui andando. Caminhei um bom pedaço, uma horita. Para dizer a verdade, acho que nunca tinha chegado tão cedo a um destino quando à boleia. Tinha tempo suficiente para matar. Quando cheguei ao centro, fui trocar dinheiro ao centro comercial, e fui à net ver as direcções para casa da Zofia. Tranquilo, meti-me na única linha de metro de toda a Polónia, e depois em vez de apanhar o autocarro que aconselhava, fui a pé até à morada que me tinha dado. Pedi a dois chavalos para me deixarem fazer uma chamada, e esperei pela minha anfitriã.

A Zofia é uma polaca de vinte e quatro anos que trabalha para pagar a renda em publicidade online, mas que está a acabar um mestrado em neuropsicologia. Não come carne, mas não é por princípio, é só porque não gosta. E faz testes em animais.
               
- Faço testes em gatos... e eles não duram muito tempo depois disto... mas não me sinto mal. Não como carne há mais de dez anos, acho que posso fazer o que faço – dizia-me. Bem, isto é uma maneira de ver as coisas assim um bocado à luz da lógica da batata. E não sei bem o que pensar acerca disto. É que o trabalho da Zofia está relacionado com a cura de doenças neurológicas em humanos... e não digo que defenda o teste em animais (principalmente porque não tenho muita informação acerca do que faz e da real necessidade dos testes em animais) mas reconheço que é completamente diferente de fazer testes nos bichos com maquilhagens para ver se dá alergia e outras cenas assim que pelos vistos são vitais ao desenvolvimento humano.
               
É uma rapariga bonita, altíssima e muito porreira, que fala muito e com sotaque italiano – tal como alguns dos seus amigos, pareceu-me, não sei se é uma cena de Varsóvia ou se o meu cérebro estava com uma parte desconectada. Tem um sonho, e vai segui-lo. Em dois mil e doze entregar-se-á à América do Sul, e podem seguir a sua viagem escrevendo Sophie's Backpack na pesquisa do facebook.
               
Depois de comermos qualquer coisa, fomos dar uma volta. Levou-me àqueles sítios que não vêm no guia. Demos uma caminhada à beira rio e fomos parar à praia fluvial de Varsóvia, com uma vista interessante para a cidade. Acima de tudo gostei de andar por lá no paleio com a miuda. Para o serão ela tinha planeado irmos a um festival de cinema, mas não havia bilhetes. Não me importei nada, assim fiquei na minha, em casa, e ela lá foi.

No dia seguinte andei por Varsóvia. Munido do meu leitor de música, entreguei-me a uma cidade que me surpreenderia. É que, como disse, o pessoal dizia-me que não prestava e não sei quê, mas o que é certo é que curti, e até curti bem. Se calhar mais ainda porque as expectativas estavam em baixo, não sei. Primeiro fui até ao parque, que curti muito. Andei por lá um par de horas, entre as árvores, esquilos e pavões que alegravam o sítio. Um palácio no meio de um lago com várias pontes por onde podíamos caminhar foi a piece de resistance.
               
Quando saí do parque fui nas calmas até ao museu da guerra. Mas como as calmas foram muitas, cheguei numa altura em que fecharia daí a pouco, pelo que decidi seguir caminho. Fui em direcção à parte velha. Pelo caminho alguns edifícios porreiros, e a parte de velha achei encantadora, apesar de pequena. Bem, às tantas não é uma cidade como Cracóvia, mas vale a pena, decididamente.
               
Fui para casa antes de anoitecer. Comemos qualquer coisa e fomos ter a casa da amiga da Zofia. Estavam a festejar o facto de ter defendido a tese no dia anterior. Fomos sair de seguida e foi uma noite muito porreira, que durou até às cinco da manhã. Mal sabia eu que era a primeira de uma série de noites que mais parecia a queima das fitas, ou o festejo de final de viagem... Achei interessante a relação entre a Zofia e a amiga que festejava o final dos seus estudos. Tive pena que não fossem lésbicas, porque aquela relação era de almas gémeas. Curiosamente, mais tarde a Zofia disse que até elas tinham pena de gostar só de homens. Estavam sempre aos beijos e abraços, mas de uma forma muito mais calorosa do que o normal. Os homens que se “desexcitem” que também não era nessa onda.
               
Acordei meio torto no dia a seguir para ir para Poznan. Queria ir para Berlim, mas ainda era longe, por isso decidi fazer uma pit-stop nesta cidade. A Zofia tinha dito que era muito lindo. Mas só conheci a noite de Poznan.

quinze e cinquenta e sete, terça, quinze de novembro de dois mil e doze
Vale de Cambra, Portugal





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