segunda-feira, 21 de maio de 2012

Chegado a Kiev


Apanhei o autocarro em Sevastopol, que me deixou em Simferopol. Aí apanhei o comboio passado uma horita. Esperavam-me dezassete horas naquele comboio que não se movimentava propriamente à velocidade da luz. Tal como o outro comboio que tinha apanhado, ia tudo cheio. Na minha carruagem dois rapazes e uma rapariga, que se amigou interessantemente de um deles, um miúdo dos seus dezanove anos, rastas e bem parecido. Curto ver as relações a nascerem e progredirem um bocadito. Até pode ser que nunca mais se vejam, mas reparei como se aproximaram um bocadito à medida que iam vendo o filme e como, antes de irem dormir, a miúda, na cama no andar de cima, brincava com as rastas dele enquanto ele se preparava. Cenas.

Li umas quarenta páginas d’O Som e a Fúria, aquele primeiro capítulo que é uma confusão completa, e depois de gastar a bateria do computador tentei dormir, sem grande efeito. Contudo, entre voltas e mais voltas lá apareceu o João Pestana e dormi quase até às dez. Acho que fui o último a acordar da carruagem, e isto porque o rasta-man me acordou.

Cheguei a Kiev e estava um bocado partido. Tinha de arranjar um sítio com net mas no McDonald’s à frente da estação a ligação não estava a funcionar. Juntamente com milhares de pessoas enfiei-me no metro. Acho que nunca tinha estado tão apertado numa estação. A confusão começaca ainda cá fora, se bem que no metro propriamente dito e na carruagem em particular, apesar de apertado, era algo mil vezes melhor do que em Kuala Lumpur, na Malásia, o pior metro onde já andei, falando em termos de espaço... e até de carteiristas.

No centro fui dando umas voltas e encontrei um restaurante de sushi (claro, é o que mais há na Ucrânia). Bebi um café para justificar o uso da net e mais tarde acabei por comer qualquer coisa. Decidi cometer a loucura de gastar quatro euros num prato. Altamente mas, como costuma acontecer com o sushi, não é das comidas que mais enche... Fiquei por lá umas horas... estava um bocado partido para me pôr logo a ver as vistas e tinha as duas mochilas. Assim, quando consegui comunicar com a Ksenia, a minha anfitriã, pus-me a caminho.

Saí no metro de casa dela e a miúda apareceu passado dez minutos. Começámos logo a conversar acerca da política local, manifestações e cenas do género mas depois, quando em casa, mergulhámos num silêncio mais ou menos acordado. Ela tinha dito que tinha de fazer umas cenas e então não quis estar a puxar paleio. Ela sentou-se no computador dela e eu sentei-me no meu.

Passaodo p’rai uma hora e tal a rapariga lá fez o que tinha a fazer e bazámos. É curioso porque como já disse, os meus anfitriões não costumam ir caminhar comigo. Contudo, tanto a Alina, na Crimeia, como a Ksenia, aqui em Kiev, levaram-me numa caminhada nocturna. A Alina é uma feminista ucraniana de perto de trinta anos que já fez voluntariado no Guatemala, já estudou na Suécia e já visitou mais de quarenta países. Ultimamente o seu trabalho está relacionado com a imprelementação de uma Kiev mais amigável para ciclistas. É uma das suas verdadeiras paixões, a bicileta, e até talvez mais do que isso, a luta por um lugar onde o pessoal possa viajar mais deste modo. Inicialmente pensei que a sua cena fosse simplesmente exigir vias para os ciclistas, mas é muito mais do que isto...

- Que queres dizer com justiça social? – perguntei. Ela tinha falado nisso e eu tinha feito uma nota mental para lhe perguntar.
- Hum... por exemplo... Em Kiev muitas vezes mal podes caminhar no passeio porque os carros estacionam aí. É um problema em Kiev... os passeios são autênticos parques de estacionamento. E as soluções que se encontram vão na linha de construir mais parques de estacionamente. Ora eu não tenho carro. Até podia ter, mas escolho não ter. E há muita gente que não pode ter um carro. Então porque é que em vez de se investir dinheiro em mais parques de estacionamento, algo que beneficia directamente o pessoal que se pode dar ao luxo de ter um carro, não se investe esse dinheiro em alternativas, como melhores transportes públicos? – iá, é um bom argumento. E nunca tinha pensado muito nisso.

Falámos também acerca da situação actual na Ucrânia, um país que, como já disse, nada em corrupção. Tiveram uma revolução em dois mil e seis, se não estou em erro, mas as coisas não mudaram para melhor. As suspeitas de desvios e lavagem de dinheiro são uma constante, o presidente não é transparenta e pelos vistos todos os ministro são pessoal que ele próprio escolheu pelas mais variadas razões.

- Mas não achas que se não leres as notícias vives um bocado à margem de tudo? – perguntava eu, baseado em algo que me tinha dito momentos antes.
- O problema é que eu não preciso de ver as notícias todos os dias para saber o que se passa... ainda noutro dia calhou de ler um artigo feito por um jornal independente com todos os dados, números e dinheiros e está lá tudo... está lá tudo o que eu já sabia... e eu não preciso de saber os números... só me deixam ainda mais deprimida...

 Contou-me também sobre a situação na Bielorússia, muito pior. E isto é que eu acho impressionante. Todos os dias vejos as notícias de quatro jornais portugueses, dois desportivos e dois gerais. E a primeira vez que leio algo que aluz à ditadura na Bielorússia foi há dias e algo tipo “Presidente bielorusso diz: é melhor ser ditador do que ser gay.”. Iá, é uma afirmação do outro mundo, é verdade, mas eu nem sabia que as cenas estavam tão más na Bielorússia. E isto foi porque o ministro dos negócios estrangeiros alemão, gay assumido, fez um comentátio qualquer em relação ao regime bielorusso e o gajo respondeu assim. Por outro lado, sempre que vou ler as notícias portuguesas é tipo “Angela Merkel deu um peido”, ou “O FMI é um fundo!” e merdas do género. Parecem manobras de diversão nem sei para quê. Isto é... se fosse ao contrário, um gajo podia pensar “iá, dão-nos notícias lá de fora para não sabermos o que se passa cá dentro”, mas assim, qual é o propósito? Será o de manipular as pessoas com o medo? Mostrar a toda a gente que esta merda está mesmo má e daí temos de agir assim ou assado? Não sei, pá...

Passado p’rai uma hora da nossa caminhada ela levou-me ao melhor sítio de fast-food ucraniana pelos vistos. Disse que não era da melhor mas que, para fast-food, era fixe. E foi porreirito. Bebi uma cerveja, comi uma cena de galinha e umas batatas fritas meio esquisitas e depois fomos caminhar mais um pedaço.

Nessa tarde, quando entrámos no apartamento ela falou de uma colega de casa com quem não se dava. Quando voltávamos eu perguntei-lhe os porquês e ela teve meia hora a contar-me aquela estória que resultou nelas não se falarem. É muito má onda viver com alguém com quem não falámos. Nem sequer estão na mesma divisão de possível. Tudo começou por causa de um flirt qualquer e pelos vistos a outra gaja bate mal dos cornos e agora estão naquela situação. de merda. Eu tive oportunidade de o perceber, mais ou menos...

Na segunda noite a Ksenia bazou e eu fiquei em casa. Mais tarde a maluca viu-me e perguntou onde estava a minha anfitriã. A mensagem era “ela deixou um estranho aqui em casa!”. Falámos um chisco, ela perguntou o que eu fazia, sorriu quando eu disse que era psicólogo e disse que também fazia não sei quê relacionado com isso e eu achei que com o meu sorrisinho e simpatia natural tinha feito com que fosse ok eu estar ali. Mas hoje à tarde cheguei a casa, toquei à campaínha, e quem me abriu foi ela – a Ksenia ainda não tinha chegado. Ela abre a porta e a primeira coisa que pergunta, agressivamente, é “onde está a Ksenia?”. Eu digo que ela devia estar a chegar a qualquer momento e a gaja pergunta outra vez quando é que eu bazo. Quando eu respondo ela olha para o lado e manda-me entrar com o braço. Vacas – há delas em todo o lado.

vinte e duas e nove, quinta, quinze de Março de dois mil e doze
algures entre Kiev e Lviv

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Sevastopol, Crimeia


Era o dia da mulher quando cheguei a Sevastopol. Aqui o pessoal dá mais importância a isso, ainda que seja um bocado fachada, como disse a Alina, a minha anfitriã.

- Cheguei ao escritório e tinha uma flor na minha mesa. Sem mais nada escrito, só uma flor. Não gosto deste dia porque é daqueles dias em que o pessoal decide “vamos ser simpáticos para as mulheres um dia por ano” e depois já está... – queixava-se. É como o dia dos namorados... convenções...

Quando cheguei, meti-me num forgão e saí passado meio hora na paragem que a Alina me tinha dito. Pedi o telefone a um rapaz, liguei-lhe e ela apareceu passado cinco minutos. Morava ali mesmo ao lado. Não falava perfeitamente inglês e às vezes não sabia o que significavam palavras simples como “complicado” (percebo agora a ironia desta frase) mas dava para conversar bem sem problemas. É uma rapariga magrinha de olhos verdes, que ao início parece um bocado estranha, mas que acaba por se revelar muito porreira e sorridente. Entrámos em casa e ela saiu outra vez para ir buscar um casal moscovita que também ia ficar em sua casa. Assim, passados dez minutos apareceu o Serge e a Masha. Ambos com rastas, era um casal bacano que estava a tentar escapar do frio da capital russa. O Serge tocava numa banda que me mostrou e que era muito fixe, e trabalhava numa empresa qualquer de entregas as domicílio, e a Masha tinha recentemente mudado de curso, estudando agora “estudos orientais”.

Sentámo-nos os quatro na cozinha enquanto a Alina preparava uma comida típica ucraniana. Uma sopa com várias cenas, porreirinha. Contrariamente a um dos estereótipos acerca dos russos e ucranianos, a Alina, tal como o meu anfitrião ucraniano anterior, não bebia nem saía à noite. Quando é o caso, às vezes receio que vá apanhar um bocado de seca, mas muito raramente assim acontece. Está certo que há várias maneiras de uma pessoa se divertir, e foi o que aconteceu – apesar de nessa noite ter bebido uns vinhos com os russos.

A grande parte dos meus anfitriões não me dá visitas guiadas, o que é na boa, não é algo com que conte. Já a Alina, não só o fez, como o fez à noite. Eu e os russos comprámos uns vinhos, metemo-nos num forgão e saímos uns minutos depois. Avançámos uma cerca e estávamos no meio de umas ruínas altamente mesmo à beira-mar. Foi uma cmainhada inesperada e talvez também por isso muito fixe. A lua estava cheia e dava-nos toda a luz que precisávamos. Passámos por uma igreja altamente (curto muito a arquitectura das igrejas ortodoxas), sentámo-nos um bocado a olhar para o mar, sempre a falar disto e daquilo. Curti especialmente a Masha, uma rapariga engraçada e porreira. O Serge é um bocado mais reservado, mas fiquei abismado quando me disse que não tinha e-mail e só usava a internet para procurar música. Altamente. Não que seja algo altamente por si só, mas por significar que este gajo só faz o que lhe apetece e não faz cenas porque são moda.

No dia seguinte os russos bazaram, iam mais para sul e voltariam alguns dias mais tarde. Almoçei qualquer coisa com a Alina e fomos para o centro. Encotrámo-nos com o Leoz, um amigo dela com quem fiquei e fui dar uma volta. Caminhei toda a tarde por Sevastopol. Fui lá parar só porque foi o único sítio onde encontrei, atempadamente, um anfitrião, mas curti bastante. É uma cidade pacata à beira-mar, com bastantes edifícios porreiras, e bastante acidentada, o que eu curto, porque permite boas paisagens.

Quando o sol foi dormir fui para um cafézito e encontrei-me depois com a Alina num restaurante onde fomos jantar umas cenas típicas ucranianas. A propósito, nunca vi tanto restaurante de sushi como na Ucrânia, não percebo. Nessa noite o que bebi foi um sumo bué de esquisito, que era feito basicamente pondo frutos a ferver e depois retirar o líquido. Não era mau de todo. A comida foi algo que soa como varniki e é tipo rissóis pequeninos, mas com uma massa e recheio diferente. Jantámos calmamente e ela foi-me contando algumas cenas acerda da Ucrânia.

Quando chegámos a casa estivémos à conversa a beber chá. Ela esteve a contar-me algumas cenas da sua VIDA e eu a ouvir. Estava com um sono valente mas até é fácil conversar com a rapariga, pelo que fui ficando acordado.

No dia seguinte fui a Yalta. Yalta era supostamente o sítio que eu mais queria ver na Crimeia, mas nem curti assim tanto. Como disse, acho que tive sorte em ter sido albergado em Sevastopol, porque foi a cidade que mais curti das três que vi na Crimeia. Apanhei um autocarro de hora e meia e quando cheguei pus-me a caminho. É uma cidade à beira-mar, agradável, com uma marginal de ponta a ponta onde está o pessoal do costume, a vender pipocas, gelados, com barracas para darmos tiros numas latas, a alugar patins em linha, entre outras cenas. Caminhei para oeste até não ter muito mais para andar e deparar-me com dezenas de prédios em construção, o que retira um bocado a beleza àquilo tudo. Não encontrei um palácio que supostamente é muito bonito e vale a pena visitar, mas não era isso que me ia fazer amar aquela vila que apreciei. Porque nunca é uma cenazita que muda a impressão de um sítio, mas várias cenazitas que acabam por definir o sítio em si.

Quando voltei, comprei o meu bilhete de comboio para Kiev no dia seguinte e fui ter a casa da Alina, onde estava o Leoz também, a fazer umas cenas quaisquer para sobremesa. Tinha passado por uma lojita onde comprei algumas cervejas e algo para comer. Passámos um serão porreiro, à conversa e a ver um filme. O Leoz é um gajo fixe também. Tem um sentido de humor apurado e isso é sempre algo que um gajo aprecia.

Adormecemos lá p’ras duas e muito e o Leoz acordou para ir fazer yoga numseionde com a Alina, que não dormiu.

No dia seguinte fui com a Alina para a estação de autocarro, onde apanharia o autocarro para Simferopol, e daí o comboio para Kiev. O Leoz apareceu para se despedir, e segui caminho.

quinze e treze, segunda, doze de Março de dois mil e doze
Kiev, Ucrânia

terça-feira, 8 de maio de 2012

Até à Crimeia


Chegámos de manhã cedo a Simferopol, a capital da Crimeia. A Crimeia é uma república, com o seu parlamento, hino e essas cenas todas que define uma república. Mas pertence à Ucrânia sem problemas ou atritos e tanto quanto eu sei não há movimentos separatistas.

Já que estava em Simferopol, pensei que podia dar uma volta por lá. Mas estava um bocado partido, e se perdesse o próximo comboio tinha de esperar p’rai cinco horas. Uma porção do grupo com quem tinha viajado ia também para Sevastopol. Mas não o Sergey e a Lena, os meus anfitriões de Odessa, pelo que nos despedimos aí.

Esse pessoal ficou um bocado admirado pelo meu mínimo interesse em dar umas voltas por Simferopol e recomendaram-me passar em vez disso por Backsisharay. ‘Tá-se bem, siga. Entrei no comboio com eles, mas eles seguiram para Sevastopol, e eu fiquei nesta vila. No comboio, as carruagens estavam carregadas de outros alpinistas e havia sempre alguém a vender alguma coisa. Fossem broches artesanais, mapas ou simplesmente pessoal a tocar guitarra e acordeão com um amplificador e muita esperança.

Saí em Backsisharay e andei meio perdido um bocado. Perguntei pelo centro e uns gajos mandaram-me “p’ráli” mas eu senti que estava no caminho errado, pelo que voltei para trás. Voltei a perguntar e mandaram-me no sentido oposto. Voltei a perguntar e uma cota caminhou comigo até à estação de autocarros, esperou comigo e depois foi à sua VIDA. Pensei que também fosse para lá e que me tivesse levado consigo até à estação, o que já era simpático, mas não, a cota tinha lá ido só para me levar e tinha falado com o condutor para me avisar quando chegasse ao destino.

Saí mesmo à frente do palácio do Khan, um palácio de estilo marcadamente muçulmano. Mas tinha ambas as minhas mochilas não me apetecia andar p’ra trás e p’rá frente com aquele peso todo. Encontrei um restaurante mesmo em frente e pedi à cota para lá deixar a mochila. Tentei ser o mais claro possível a explicar que não ia pagar por aquilo, mas mais tarde a mulher queria-se afinfar. Paciência.

A vila é porreira. É mesmo uma vila. Fui primeiro ao palácio. O parque cá fora é de livre acesso, mas depois para se entrar no palácio o bilhete eram cinco euros. Sorte a minha que não estava ninguém à entrada. Como havia lá um grupo numa excursão, ia andando com eles e ninguém percebeu que eu não pertencia ali. Isto até eu me fartar de estar a ouvir uma mulher falar em russo ou ucraniano e seguir sozinho. Uma cota perguntou-me “não sei quê, não sei quê excursão”. Eu respondi que sim e segui. Depois passei pela galeria de arte, pobrezinha. As restantes horas passei a passear pela vila de estradas rudimentares e casas antigas. É uma vila simpática e pelos vistos tinha outras cenas interessantes para ver mas eu não sabia muito bem como lá chegar, e quando encontrei um sítio com internet que me permitisse investigar, já estava perto da hora do meu comboio para Sevastopol.

Na estação de comboio tive o desprazer de ver os bêbedos locais. Não é como na Mongólia, o país onde vi mais bêbedos, mas também há muito burraxola aqui. Um deles, p’rai de cinquenta anos, estava a vomitar, limpou os beiços na manga da camisola e continuou a beber a sua cerveja. Outro deles veio pedir-me dinheiro e perguntou se eu era muçulmano.

Entrei no comboio e fui para Sevastopol.

treze e vinte e três, segunda, doze de Março de dois mil e doze
Kiev, Ucrânia

terça-feira, 1 de maio de 2012

Odessa


Curti muito Odessa.

Estava a dormir o meu soninho naquele sofá-cama quando a Lena me acordou. A noite de sono anterior tinha sido meio penosa, pelo que curtia dormir mais. Mas ‘tá-se bem, a miúda no fundo estava a ser fixe, porque queria ir mostrar-me as cenas.

Tomámos café e fomos dar uma volta. A Lena é uma rapariga girinha, de cabelo longo e amarelo e um tom de voz engraçado, tipo de velhinha. Acho que é por não estar à vontade com o inglês. Porém, se no dia anterior não tinha dito mais que três ou quatro palavras, nessa manhã conseguimos conversar um bocado. Ela lá se safava, e eu tenho já experiência em descortinar o que o pessoal quer dizer quando não consegue encontrar as palavras na língua da raínha.

Fomos até à praia, que é razoável. A água é cristalina e o areal (mais pedral) não é muito extenso, mas é porreiro. Fica sempre bem numa cidade, tipo em Barcelona. E pelo menos aqui no registo de memória que tenho, curti mais esta praia de que a da capital catalã.

A miúda teve de ir trabalhar e deixou-me entregue a mim mesmo, e eu fiz o que faço melhor – caminhar quase em zig-zag em direcção a cada edifício bacana que vejo. Como me deixou no centro histórico o meu trabalho estava fácil. Iá, é uma cidade muito fixe. E tenho sempre de pensar que é ainda melhor, porque Fevereiro não é exactamente aquele mês espectacular para visitar cenas. Naquela zona mais histórica é organizadinha, limpa e com edifícios bonitos e de aspecto antigo mas lavado. Caminhei todo o dia. Fiz uma pausazita para uma cola e ligar para a ordem dos psicólogos. Aceitaram a minha experiência profissional.

Não sei se vou procurar trabalho porque o quero ou se porque sinto pressões para o fazer. A minha actual condição é a seguinte: trabalho um fim-de-semana por mês em Birmingham, quarenta horas. E depois tenho o resto do mes para fazer o que quiser, seja viajar ou trabalhar. O dinheiro que recebo não me dá para poupar, mas acho que dá para evitar ir às poupanças. Não é uma cena que dê para um futuro mais prolongado, entendo isso, e é preferível algo em Portugal mais porreiro. Mas a ideia que não curto é simplesmente a do trabalho rotineiro. Quando penso em “vinte e quatro dias de férias por ano” até me passo. Estou mal habituado, por um lado, mas por outro lado, não é impossível um gajo arranjar um trabalho que nos permita ter a liberdade que hoje em dia tenho. Estou mais ou menos certo de uma coisa... que se calhar não me interessa partilhar aqui. De todo o modo, procurarei cenas, concorrerei, e continuarei, certamente, com a filosofia de levar um dia de cada vez.

Passei a tarde também a caminhar. Deixei aquela zona e fui seguindo até que fui parar ao mercado. Os mercados são sempre sítios interessantes para uma pessoa conhecer a cultura local. A maneira como as pessoas falam umas com as outras, como reagem, como vivem e sobrevivem. Passei pela estação de comboio e ao fim da tarde estacionei num café a escrever qualquer coisa e a procurar sofás para os dias seguintes.

A Lena tinha-me dito que o Sergey estaria em casa entre as sete e as oito. Eu apareci às sete e vinte, esperei uma hora e depois liguei-lhe da internet. Eles estavam ocupados com os preparos para uma espécie de retiro de alpinistas que iam ter e estavam a arranjar as cenas. Tinham p’rai mil quilos de comida. Depois de jantarmos, salada outra vez, fui ver o Benfica a um café. Achei fixe do gajo ter arranjado carne para mim, não que eu me importasse, e muito menos que tivesse pedido. A cena é que... parece que a concepção dele de comida é de, ou super saudável, ou má para o sistema como alicates. É que a par da salada ele meteu-me um pratinho à frente com umas tiras brancas. Era gordura de bacon. Só gordura mesmo. Comi um bocado a custo p’rai sete ou oito... não é que saibam mal, mas um gajo toda a VIDA ouve que aquilo é mau e enão sei quê, e depois tem um prato que consiste apenas daquilo... é dose. Sei hoje que, pelos vistos, é uma cena típica ucraniana...

Tirei o dia seguinte para me organizar um bocado. Ainda dei umas voltas, meio à procura de sítio com internet, meio a ver as vistas. Tenho uma panca jeitosa... mas que até faz sentido. Para mim o sítio ideal com internet é um café sem muita gente, preços acessíves e muitos lugares. Porque não curto estar horas e horas num café qualquer tendo só consumido uma vez, muito menos se o café está cheio e eu estou a ocupar um lugar... é um bocado panca, eu sei.

Nessa noite iria para a Crimeia. Tinha pensado em boleiar, mais uma vez, mas depois o Sergey disse-me que talvez tivesse um bilhete grátis para mim. Ora, porreiro. Mas como só no dia seguinte é que o saberia, eu tinha de ficar por Odessa durante o dia e depois saber se ia à borla ou não. Acabei por ter de pagar. Mas ‘tá-se bem. Boleiar com este frio não é muito conveniente, especialmente porque aqui não há um sistema de auto-estradas com estações de serviço como as nossas. Ficar no meio de uma vila qualquer, ou no meio de lado nenhum com graus negativos não é uma cena que dê muito jeito. Além disso o bilhete eram sete euros para uma viagem que durava a noite toda.

Fui ter a casa lá p’rás seis e tal, depois de arranjar onde ficar na Crimeia. A Alina aceitou albrgar-me em Sevastopol. Tinha enviado pedidos para quase todas as cidades desta região, e decidi então ir para esta cidade. Depois de jantarmos e de eles arranjarem as cenas fomos para a estação de comboio. Encontrámo-nos com os amigos alpinistas com quem eu fiquei, porque o meu bilhete era cok eles, e seguimos. Um dos amigos dele falava inglês, e um ou outro arranhava um bocadito e quando se sentiram mais confiantes tentaram, e fomos à conversa um par de horas, com eles a contarem-me cenas da Ucrânia e também outro gajo a perguntar-me sobre futebol e os ucranianos em Portugal.

Dormi mais ou menos. No dia seguinte estava na Crimeia.

vinte e uma e vinte, domingo, onze de Março de dois mil e doze
algures entre Sevastopol e Kiev, Ucrânia