sábado, 30 de junho de 2012

A Segunda Noite em Lviv

Ia encontrar-me novamente com a Natalia naquele meu segundo dia em Lviv. A custo consegui organizar-me e fui espalhar com o ar da rua a minha ressaca. Fomos lá cima ao castelo. Não é nada de especial, mas qualquer rua e lugar em Lviv é especial, por isso acabou por o ser. E, acima de tudo, dá uma paisagem porreira para a cidade. Depois disto andámos pela cidade sem grande propósito. Fomos ver a Opera, que é altamente.

À noite ia haver m encontro de couchsurfers num bar ali perto. Assim, comi qualquer cena e fui ter com o pessoal. Encontrei-me com a Eleonora, que tinha feito erasmus em Faro e se desenrascava com o português, a Krisitina, uma miúda que se tinha casado com um americano, país onde vivia, e que estava de férias na Ucrânia, e duas outras miúdas que não abriram a boca todo o tempo que lá estava. Não só era sábado como era a festa do St. Patrick, por isso a malta estava animada. Ficámos lá duas horas e tal e depois o pessoal decidiu bazar. Mas que raio era aquilo, que o pessoal bazava à meia noite?

Eu não estava a fim de dar a noite por terminada naquele momento e liguei a um americano que tinha ficado de aparecer. O gajo vivia ali perto e tinha feito uma festa em sua casa. Pois fui lá ter, claro. Curti muito. Estive quase toda a noite na cozinha, sentado na beira da janela. O pessoal vinha e ia, e íamos falando disto e daquilo. Pormenor altamente – a banheira era na cozinha! Estive lá até às seis e tal, e na manhã seguinte em vez de fazer o check-out ao meio-dia como era suposto saí quase às duas. Foi na boa.

Esse dia foi tranquilo, não fiz muito. Fui ter com a Halya e a irmã, que me iam albergar, e fomos almoçar. A Halya, de trinta anos, vive com a irmã num apartamento porreiro no centro de Lviv que comprou há dez anos por, imagine-se, cinco mil euros! Hoje em dia vale dez vezes mais. É uma miúda gira que já foi casada e cujo sonho passa, também, pela escrita. Encontrámos aí um ponto comum e muitas das nossas conversas andaram à volta desse assunto. Achei interessante a realidade dos escritores jovens na Ucrânia. A Halya vai escrevendo poemas. Traduziu-me um na hora e pareceu-me bom, mas assim é difícil de saber. É mais ou menos conhecida no meio e conhece a maior parte dos autores. O que achei interessante é que, ao que parece, os escritores jovens na Ucrânia são tipo celebridades. Se em Portugal quando vemos um escritor na televisão é porque ele é um comentador político ou algo do género, na Ucrânia o pessoal tem bandas de música, são apresentadores para a MTV, posam em revistas como a Playboy, entrou outras actividades tudo menos recatadas. Pelo que a Halya me disse não é difícil singrar como escritor naquele país de quarenta e cinco milhões de pessoas.

Quando voltámos a casa, depois do almoço, ela fechou-se no quarto a acabar umas cenas e eu vi um filme. Depois no serão conversámos mais um pedaço. Tal como muitas das outras raparigas que conheci na Ucrânia e na Moldávia, a Halya não é contra o aborto, mas nunca o faria. Acho interessante o sentido de maternidade que me parece mais apurado por estes lados. Atenção que não estou a ligar a renúncia ao aborto ao sentido de maternidade. Mas reparei que chega ali a uma certa idade, talvez passando os vinte e quatro ou vinte e cinco anos e já se deseja bastante um bebé. As razões são certamente culturais pois, da mesma forma, há uma pressão da família para que se casem, e se alguém, especialmente uma mulher, está solteiro aos trinta e tal anos, não é bom sinal.

Falámos acerca das mudanças na VIDA da Halya, que era conhecida pela sua vontade de sair à noite e curtir esse lado da VIDA, mas que ultimamente está mais recatada. Falámos disso e de uma paixão que tinha tido com uma celebridade qualquer e curti a rapariga. Acima de tudo pareceu-me muito honesta, daquelas pessoas que não tem nada a esconder.

Na manhã seguinte parti para Cracóvia, a cidade final desta viagem.

catorze e dois, terça, vinte e nove de Março de dois mil e doze
Portalegre, Portugal

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Chegado a Lviv


Em Lviv tinha uma pessoa que me podia albergar. Parecia ser um gajo muito porreiro, mas disse que estava meio doente e não sei quê... Ora eu não tenho problemas nenhuns com a doença própriamente dita, porque nunca fico doente, mas estava a apetecer-me cortiré. Apesar de ter tido anfitriões altamente na Ucrânia, eram todos um bocado calmos neste aspecto. E então apetecia-me um bocado a liberdade de ficar num hostel e de fazer exactamente o que me apetecesse, pelo que disse ao méne obrigado mas que não o queria importunar se ele estava adoentado.

Assim, cheguei a Lviv de manhã, cheio de sono, e pus-me a caminho de um hostel que tinha visto e que parecia bacana. Tive logo um bom feeling com aquela cidade. Fui dar ao hostel e aquilo era mais caro do que eu tinha visto na net. A miúda disse que havia preços diferentes para a internet. Já me tinha acontecido a mesma cena, na Bulgária, e eu agi da mesma forma... um bocado cara de pau, mas pedi-lhe então para usar a internet e marquei lá, pagando cinco euros e meio em vez de nove. Dormir de manhã e à tarde encontrei-me com a Natalia. Eu tinha postado no grupo de Lviv no couchsurfing a dizer que ia estar na cidade e a perguntar se alguém se queria encontrar para me mostrar a cidade. A Natalia mandou mensagem e assim encontrámo-nos.

A Natalia é uma miúda dos seus trinta anos, que já viveu em Inglaterra. É porreira, parece um chisco nervosa, mas passa despercebido. E Lviv é um estrondo. Gostei muito. Eu sou um desastre no que diz respeito a orientação. Contudo, em Lviv parecia que me era intrínseco. Não sei se é por ter várias igrejas e torres altas que me permitiam uma orientação diferente, não sei do que é... o que é certo é que é uma cidade onde me senti em casa instantaneamente. É bué de limpa, cheia de igrejas fixes, ruelas com cafés altamente e originais, praças e bares espectaculares. Curti muito o ambiente e voltarei, sem dúvida.

Lá p’rás sete e muito fomos para o hostel, onde me ia encontrar com o Myroslav, para irmos beber uns copos. O gajo apareceu e fomos ali a um bar com a Natalia, que bazou passado umas duas horas. O Myroslav é um gajo todo despachado, bacano com quem dá para bater uns dedos de conversa agradável ao redor de copos de cerveja. Curti o primeiro bar onde me levou, cheio de peças de caça nas paredes a decorar, e curti ainda mais o segundo, uma série de galerias subterrâneas onde comemos uma sopa de cogumelo e bebemos dois litros de cerveja, que ele fez o obséquio de pagar quando eu fui ao quarto-de-banho.

A noite estava fixe mas o gajo ia bazar à meia-noite, que não é altura de bazar em lado nenhum. Queria ir deixar-me ao hostel mas eu disse que não era preciso, que me amanhava. Assim, fui indo e perguntando a pessoal que encontrava na rua o que estava a acontecer em Lviv. Alguns disseram-me que àquela hora só discotecas e tinha de ir de táxi e pagar para entrar. Isso na minha língua é “vai para casa”. Assim fui indo e encontrei, por coincidência, o mesmo gajo a quem tinha já perguntado o que se passava na noite. O gajo disse que eu até podia ir com ele, mas que tinha de ser uma pessoa interessante e tal... eu disse que sim, que achava que conseguia ser minimamente interessante sem muito esforço... ele estava na dúvida e perguntou-me a minha profissão. Quando lhe disse que era psicólogo obtive luz verde de imediato. O pessoal assume que por ter esta profissão somos cultos e interessantes... o que pode ser um erro. Assim fui lá com o gajo. Sentei-me à mesa com os amigos dele, pedi uma cerveja. O pessoal desatou a oferecer-me shots de vodka. A próxima coisa que me lembro é acordar na manhã seguinte, no meu hostel, com a miúda que lá trabalhava a chorar no quarto-de-banho.

- Que se passa, estás bem? – perguntei, eu próprio a equacionar o quão bem eu estava e como sentia os efeitos dos exageros dessa noite.
- Sim, estou bem... é que estive a ler um livro...
- Deve ter sido um bom livro...

treze e trinta, terça, vinte e nove de Março de dois mil e doze
Portalegre, Portugal

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Kiev

Acordei terça-feira disposto a curtir o meu primeiro dia em Kiev. Cafézinho tomado, saí com a Ksenia de manhã, porque ela só tinha uma chave e a porta tinha de ser trancada. Custou, porque dormi no chão e estava um bocado partido da noite anterior no comboio, mas foi melhor assim.

Saí do metro na praça principal, fui ao McDonald’s ver o meu mail e fui ver a cidade. Na noite anterior tinha imprimido as páginas do lonely planet referentes a Kiev. Há pessoal que curte mostrar a sua “alternatividade” dizendo que não curte nada guias turísticos e essas merdas e não sei quê. Iá, é certo que um gajo pode nunca usar o guia e passar muito bem numa cidade. Mas também é verdade que seguindo as instruções dos guias há muito mais probabilidade de acertar no que ver do que caminhar aleatoriamente pelas cidades, como muitas vezes faço. É uma cidade altamente, na verdade, e no Verão será mil vezes melhor. É muito acidentada, o que nos permite vistas porreiras. Os edifícios são bacanos com esporádicas mansões altamente, sejam elas cor-de-rosa, castanhas ou verdes. Tem igrejas a dar como um pau, e muito fixes também. Costumo dizer que, para mim, o melhor da religião são os edifícios, que normalmente são bonitos. E curto ainda mais as igrejas ortodoxas.

Mas o que curti mais foi o mosteiro de São Miguel. Acho que é das igrejas mais fixes que já vi, a sério. O que é curioso, porque duzentos metros à frente tem outro mosteiro, da Santa Sofia e este é património mundial e é preciso pagar para entrar, contrariamente àquele que mais me seduziu, de paredes azuis e abóbadas douradas.

Nessa noite ia sair com a Ksenia, íamos ver um concerto qualquer. Estava também em contacto com outra rapariga que acabei por encontrar. A Hanna era para me albergar em vez da Ksenia. Mas deixou de me responder aos mails por isso tive de encontrar uma alternativa. Disse-me mais tarde que a sua mãe tinha adoecido e ela tinha viajado para o interior para olhar por ela.

Nessa noite perdi-me um bocado, mas lá dei com o sítio. Foi uma noite porreira, mas eu previ o que ia acontecer. É que estava a curtir, e estava naquele ponto em que uma pessoa está fixe e fala com toda a gente, quando a Ksenia quis ir embora. E não sei porquê tive ideia que ia ser assim mesmo antes de sair de casa. Mas ‘tá-se bem, um gajo adapta-se. Mas foi fixe ter conhecido a Hanna, que no dia seguinte me faria, sem querer, grande surpresa...

A Hanna é uma miúda de vinte e seis anos, jornalista mais ou menos conhecida na Ucrânia, quanto mais não seja por ter apanhado o filho do presidente bêbedo na rua e ter posto no youtube, tornando-se num vídeo famoso, com dois milhões de visitas. É uma rapariga porreira, com um sorriso simpático e muito descontraída. Pois a Hanna no dia seguinte disse que ia a uma festa porreira, e que tinha dois convites, a perguntar se eu não queria ir. Ora a Ksenia tinha falado num concerto qualquer (desta feita a sério, não um concerto de dj como tinha sido na noite anterior) e eu tinha dito que ia. Não estava mortinho por ir, mas iá, como tinha dito que ia, era um bocado foleiro dizer que afinal de contas tinha mudado de ideias. É que, sinceramente, achei que me fosse divertir mais com a Hanna, que tinha um estilo mais semelhante ao meu.

Pois nessa tarde fui ver Lavra, um mosteiro bastante grande, conhecido pelas suas grutas. Foi fixe, mas um bocado estranho. Aquilo é conhecido mais pelas grutas com os caixões de umas largas dezenas de monges – e é essa a cena meio estranha. A única luminosidade advém de umas velitas espalhadas nada eficazmente, e do pessoal que passa, quase toda a gente com a sua própria vela. As passagens são estreitas e quase não dá para passarem duas pessoas ao mesmo tempo. O pessoal passeia-se a benzer-se mil vezes e a beijar cada um destes caixões onde, debaixo de um um manto está o corpo mumificado de um monge. É interessante, vale a pena visitar.

Quando bazei caminhei p’rai duas horas ao longo do rio e depois fui para casa. Quando cheguei a Ksenia disse que afinal não lhe apetecia ir ao tal concerto. Eu estava todo partido, mesmo, tinha caminhado horas a fio, mas só fiquei em casa dez minutos. Tinha uma mensagem da Hanna a dizer que era uma festa Gogol Bordello e que se eu quisesse ir podíamo-nos encontrar daí a meia hora. Liguei-lhe, disse “‘Tá tudo” e fui. Os Gogol Bordello são uma banda baseada nos Estados Unidos mas que tem membros de diferentes países. Eugene Hutz, o vocalista e figura principal, é ucraniano, tendo emigrado com os país quando tinha entre dezasseis e dezanove anos. Em Novembro de dois mil e dez era para ir ver os gajos com o João, em Portugal, já tínhamos os bilhetes e tudo. Mas os gajos cancelaram e entretanto eu bazei para a minha viagem pelo que, nada feito... Quando a Hanna me disse que era uma festa Gogol Bordello imaginei que fosse um DJ a passar música deles e se calhar outros motivos ou cenas assim. Assim, chegámos, e estava um DJ a passar música. Havia muita canalhada dos seus dezoito anos mas estava um ambiente fixe. Era uma festa qualquer patrocinada pela Nokia...
- Então e que DJ vem a seguir? – perguntei à Hanna.
- Não é DJ nenhum, são os Gogol Bordello! – respondeu, para meu espanto. E foi altamente. Ver Gogol Bordello na Ucrânia tem uma certa especialidade. Não sou muito conhecedor das músicas deles, o meu conhecimento vem do carro do João e está para sempre associado a voltar do Porto às dez da manhã depois de uma qualquer noite muito própria. Ainda assim curti bués e valeu muito mais a pena, sem dúvida, ver Gogol Bordello sem pagar, do que pagar para ir ver outra cena qualquer.

No final voltámos para casa. A Ksenia ficou tão surpreendida quanto eu quando lhe disse que tinham, efectivamente, sido os Gogol Bordello a actuar.

No dia seguinte fui ao museu de Chernobyl. Não gostei muito. Tenho de confessar que estava à espera de ver um porco com oito pernas que tinha lido que tinham conservado para ilustrar as mutações, mas não vi nada. Mas ainda assim, o pior foi que estava tudo em russo. Mas iá, valeu a pena, sempre dá uma outra ideia, mais real, obviamente, sobre o que aconteceu, a magnitude e o número de pessoas que afectou. Depois disto pensei em dar mais uma volta mas não me apeteceu. Enfiei-me num cadé qualquer a fazer qualquer cena, depois fui buscar a minha mochila e fui para a estação de comboio.

Uma cena a que achei um piadão – fora da estação de comboio há um McDonald’s. Nada de novo. A cena é que este McDonald’s partilha uma parede com o Mc’Foxy, que é igualzinho ao McDonald’s, só muda o logotipo. É a maior lata da imitação que já vi. Mas na Ucrânia vale tudo, pelo que parece...

catorze e onze, segunda, vinte e sete de Março de dois mil e doze
Vale de Cambra, Portugal