quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Huei


No dia 27 de Julho apanhei o autocarro para Huei. A viagem fez-se bem, e passou-se algo que me deixou a pensar...

Mal entrámos, tinha ouvido um inglês a contar certo episódio. Achei que não tinha percebido muito bem, mas não fiz caso. Ele não estava a falar comigo. Quis o destino que, umas horas depois quando parámos para fazer a pausa, eu e o gajo tenhamos encetado uma conversa. A dada altura o gajo diz que tinha uma mota que comprara por duzentos dolares, e que fizera uns arranjos e uma pintura por mais não sei quanto. Tinha-a deixado em Hoi An.

- Por quanto a vendeste? – perguntei.
- Pá a cena é que é o primeiro veículo de que já fui dono, por isso não a consegui vender... levei-a até ao fundo da vila, à beira-rio, andei mais um pedaço até uma zona onde ninguém vai, arranquei o motor de arranque [destruiu-o, não sei se isso se faz por arrancar ou cortar uma cena qualquer] e cortei os fios e deixei-a lá – respondeu. Assim, sem mais nem menos.
Ter estado na Finlândia foi uma experiência que me tornou um gajo mais aberto do que era na altura. Vim com a filosofia do “é a cena dele” que, basicamente, tem a ver com não julgar os outros, porque em primeiro lugar muitas vezes julgamos comportamentos ou atitudes que no fundo não fazem mal a ninguém, e em segundo lugar, nem sempre sabemos exactamente o que é que se passa verdadeiramente e as razões para determinada acção. Acho um bom princípio, mas acho que já o usei em demasia, por vezes. E este é um caso desses. Porque se calhar há uns anos dizia “é a cena dele”, mas hoje percebo que às vezes, há cenas que são mesmo estúpidas. E isto é estúpido porque este gajo podia dar a mota a um vietnamita qualquer que tivesse achado simpático, ou até a um com quem nunca tivesse falado de todo. Este vietnamita ou a usava como um veículo que melhoraria a sua qualidade de VIDA substancialmente ou, mais provável, vendia-a e fazia, assim de repente, mais dinheiro do que faz em três meses. E é por isso que estas merdas, por mais românticas que possam parecer, são estúpidas. Ok, o gajo tinha p’rai 22 anos. Isso pode ajudar a perceber o comportamento, mas não o desculpa.
E isto vai cair directamente naquela casa onde tenho vindo a morar nos últimos pares de anos. É a casa da reflexão acerca das posses. Nessa moradia quedo-me muito a pensar no valor que damos a objectos. Este gajo é o rei, porque ele foi capaz de dar um valor ridículo nem sequer ao objecto, mas à ideia do mesmo, sendo que ele já não o tem.

Depois entrámos outra vez no autocarro e seguimos para Huei.

Tinha o contacto da Kirsten, que me albergaria em Huei. A Kirsten é uma rapariga (de 38 anos) que a Rebecka (que me albergou em Saigão) conheceu numa formação qualquer da empresa onde trabalhava. Ela tinha-me dito que tinha uma amiga fixe em Huei que me poderia albergar. Mas depois essa amiga afinal estava na Alemanha. Mas ok, havia ainda a Kirsten, que estava disponível.
               
Quando cheguei fiz um bocado de tempo na internet num café enquanto esperava por ela, que estava numa cena qualquer. Quando me voltou a ligar, pus-me a caminho e fui ter com ela. “Queres alugar uma bicicleta”, tinha-me perguntado, ao telefone. Disse que sim, porque achei que era mais conveniente para ela do que para mim (para não ter de caminhar ao meu lado) mas fiquei um bocado naquela porque estou escaldado, ainda que levemente apenas, de acordar em comprar cenas sem saber o preço. Mas foi uma boa decisão. É a melhor maneira de ver a cidade, e ficou-me por um euro por dois dias. Além disto, ela vivia a uns vinte minutos (de bicicleta) do centro.
               
Trocámos aquelas palavras iniciais, fomos buscar a bicicleta, e fui-a seguindo até casa. Curti a viagenzinha. Huei não é muito grande, mas é uma cidade em todos os sentidos. Ainda assim, apenas a alguns quilómetros do centro, parecia que estava numa vila bastante isolada. Quando chegámos passamos duas horitas na sala à conversa.
               
Uma cena que estranhei logo no início foi quando a Kirsten sugeriu comprarmos um par de cervejas, e disse, assim como nota de rodapé, que tinha de ter cuidado onde as comprava porque afinal de contas ia trabalhar ali dois anos e não sei quê, e os vietnamitas cochicham. Achei aquilo um bocado paranóico. E isso depois enquandrou-se um bocado mais no quadro global quando voltou a dizer cenas tipo “estamos a ser observados sempre” ou que eles tinham insistido que ela tivesse uma empregada, para que esta pudesse reportar para os seus chefes (ou fosse quem fosse) o que se passava e não passava. A cena é que ela não me pareceu uma pessoa paranóica, e por isso mesmo estas cenazinhas pareceram um bocado assim fora de carácter. O que até pode querer dizer que é verdade...     

A Kirsten até falava e tudo mais, mas confesso que a achei um bocado aborrecida. Não sei bem porquê, mas não demos o clique. Pareceu ser uma daquelas pessoas que leva o seu tempo a deixar o resto do pessoal entrar no seu círculo. Isto é estranho e difícil de explicar, mas às vezes uma pessoa pode ser o mais simpática possível, e até falar bastante, e ainda assim nós sentimos que estamos do lado de fora.
               
Chegou ao Vietname só há dois meses e trabalha como conselheira numa ONG alemã que trabalha para desenvolver os cuidados com crianças com deficiências.Um emprego daqueles que efectivamente torna o mundo um lugar melhor. Antes disto passou dois anos no Peru a fazer voluntariado e dois anos no Tajiquistão num trabalho “à séria”. Quando chegámos a sua casa, primeiro disse “uau”, e depois perguntei-lhe com quantas pessoas vivia. “Sou só eu”, respondeu, não necessariamente para o meu espanto. O espanto apareceu foi quando, no dia seguinte, me disse que pagava 400 dolares (280€) por aquela casa de três quartos, jardim e dois andares. E acho que está aí um bom exemplo do que referi no parágrafo anterior. Geralmente pergunto ao pessoal quanto paga de renda, porque acho interessante ver as diferenças de país para país. Com a Kirsten não tive o à-vontade para o fazer, foi ela que acabou por o dizer. Disse-me isto, no dia seguinte, quando falava de uma conversa que tinha tido com a sua empregada. Esta tinha-lhe perguntado quanto era a renda, e quando a Kirsten respondeu, a empregada perguntou se [esses 400$] eram para meio ano, ou para um ano... Pode ser que, como a Kirsten também referiu, a empregada dela nunca tenha arrendado uma casa e isso não seja comum com os vietnamitas, e daí não faz ideia dos preços do mercado. Mas também pode ser que esse preço que para nós europeus já é ridículo, seja ainda mais ridículo quando é um vietnamita a pagar.
               
Falou-me do Tajisquistão e mostrou-me fotografias esplendorosas que me deixaram com vontade de visitar o país. E isso foi uma opção na minha mente durante algumas horas, não realmente como uma opção tomada de bom grado, mas como uma possibilidade. É que não posso tirar o visto russo fora de Portugal, a menos que seja um visto de trânsito. Então neste momento estou indeciso entre enviar o meu passaporte pela DHL para Portugal, com a devida ficha preenchida, pedir a alguém para ir tratar da cena e mo enviar de volta, ou pedir um visto de trânsito em Xangai. A primeira opção é melhor, porque posso depois ir nas calmas, mais ou menos, e boleiar na Rússia. Só que o passaporte tem de fazer duas viagens entre a China e Portugal, e pode perder-se pelo caminho... e isso matava ali logo a minha viagem. A segunda opção é mais segura, mas para ter o visto de trânsito tenho de apresentar os bilhetes todos que me vão levar de onde quer que eu entre no país (Mongólia) até onde quer que saia (Ucrânia). Estou ainda em deliberação.
               
A dada altura ocorreu-me que, se eu a achava uma pessoa um bocado aborrecida, ela também me podia achar. Foi estranho pensar nisto. Isto porque me considero um gajo porreiro e interessante, e nem me passa pela cabeça que alguém me ache aborrecido. Estou a ser sincero, não curto falsas-modéstias. Mas a verdade é que, da mesma maneira como eu não senti um clique, ela também, concerteza, também não o sentiu. Este pensamento que se aventurou a ganhar forma na minha mente trouxe um bocado mais de humildade ao resto do ser.

No dia seguinte acordei, peguei na bicicleta, e fui à cidadela. Fui ligeirinho, nas calmas a apreciar a brisa e as vistas. Fui primeiro tomar um café enquanto navegava na internet uma horita. Depois atravesei a ponte, entrei nas muralhas da cidade velha e dei a volta toda. Curti muito. Demorei quase uma hora sempre a andar, ainda que devagar. Apesar de ser dentro das muralhas, era uma autêntica vila, não era tipo daqueles sítios só com casas luxuosas e cafés a dois euros. Por isso mesmo fui passando pelos locais, pelas suas casas, pelos putos, e pelos velhos. Curti.
               
Posto isto entrei na cidade proibida. Tem cerca de 200 anos, e era onde moravam os imperadores. Está em reconstrução, pois teve muito que foi destruido recentemente. Mas tem palácios e jardins muito fixes. Só não curti tanto porque estava com um ouvido tapado. Parece estúpido, mas faz sentido. Como eu não estava bem, não posso dizer que tenha rejubilado com o sítio. Era como se tivesse o ouvido entupido. Não foi fixe, mas passou passado p’rai duas horas. Além disso estava um calor de todo o tamanho e eu estava um bocado cansado. Engraçado como situações externas, como uma dor física ou o clima (como aconteceu em comigo em Paris, da primeira vez que visitei) podem afectar a imagem que temos de determinado sítio.

Andei por aí um bom pedaço, e depois continuei com a bicicleta meio à sorte pela cidade do mesmo lado do rio. Curto a cena vietnamita de ocuparem os passeios com malta a beber chá ou cotas a jogar damas, o que até nem é exclusivo no sudeste asiático. Depois estive um bocado na net e voltei para casa, não sem antes jantar num barraco de rua.
               
Estava um bocado naquela, porque não me apetecia estar a fazer conversa com a Kirsten, e acho que até me demorei mais um pedaço na cidade por isso mesmo. Mas acabou por ser um serão porreiro. Quando cheguei ela não estava. Liguei-lhe, ela disse para ir ter com ela a um restaurante ali ao lado. Quando cheguei encontrei-a com a Lyn a comer numa barraquinho. Cabra à vietnamita – demais! Além disso outra cena que curti bué foi queijo de tofu! Já tinha ouvido falar de leite de soja, mas nunca tinha ouvido falar de queijo de tofu. Cheirava mal que tolhe mas isso, já se sabe, só quer dizer que o queijo é muita bom.
               
A Lyn é uma rapariga muito simpática que trabalha num hotel de 5 estrelas na cidade, e é professora de vietnamita da Kirsten. E são amigas também.
               
Daí fomos tomar café e ficámos lá um horita.
               
Quando voltámos a casa, sem sequer fazer por isso estive três quartos de hora à conversa com a Kirsten na cozinha e a minha opinião de si acabou por mudar. Continuo a achar que, eventualmente, tenhamos maneiras de ser e modos de estar diferentes, mas isso não quer dizer que ela não é uma gaja porreira. E, do mesmo modo, isso não é algo pejurativo, pois cada um é cada qual, ao passo que dizer que ela é aborrecida, é, bem, pejurativo. E foi uma anfitrião porreira, claro, tenho de dizer.

No dia seguinte quando desci ela estava no alpendre a ter lições de vietnamita com o seu outro professor, enquanto comiam fruta e bebiam chá. Ele perguntou se não me queria sentar, e bebi um chá com eles e comi daquela fruta maravilhosa cujo nome não recordo. Depois disto, peguei na bicicleta e fui dar uma volta. Na zona onde a Kirsten vive é onde estão os mausoléus dos imperadores, e foi a isto que me dediquei por um par de horas. E claro, como no dia anterior, a etapa final do ciclismo foi andar meio perdido entre os vietnamitas. Adorei passar por estradas de terra, pontes de onde se via a malta a trabalhar nos barcos, caminhos onde as senhoras, com os seus chapéus cónicas, se entregavam à actividade.

Depois voltei, despedimo-nos, e lancei-me. Autocarro para Hanoi.

20h45-4ª-3-8-11
                                           algures entre Hanoi e Vientiane

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Hoi An


Ia tentando dormir, mas sem grande sucesso. Mas ok, lá consegui pregar olho até que, às três da manhã, o gajo me chama. “Fixe, estou em Hoi An”, pensei. Mas não. Saí do autocarro, tirei a mochila, e o veículo bazou, ficando eu ali especado à frente de uma placa a dizer “Hoi An 10km”. Fixe, muito fixe. Três da manhã.
                            
Um gajo de imediato ofereceu-se para me levar lá por dois euros. Isto parece ridículo para quem não conhece este blog ou esta viagem, mas disse que não – preferia caminhar, com as minhas mochilas, os dez quilómetros. Já tinha pago mais do que queria pela viagem, ia ficar por aí. Assim, enchi-me de coragem e, debaixo da lua quase cheia, passando na estradinha entre os campos de arroz e a ocasional vila, pus-me a caminho.
               
De vez em quando aparecia alguém que se oferecia para me levar, por um preço ainda maior do que o primeiro gajo, apesar de eu já ter caminhado alguns quilómetros. A caminhada foi interessante, pois fui vendo a VIDA a despertar naquelas vilas. Pessoal que acorda às quatro da manhã para ir para a serralharia, para ir para o campo ou para montar o estaminé de comida.
               
Caminhei p’rai hora e meia ou duas horas, p’rai 6km, tendo parado para descansar e analisar a minha VIDA, rindo-me com a peculiariedade da situação, até que uma senhora, numa scooter, me perguntou se eu queria boleia para Hoi An. Disse que não tinha dinheiro e preparei-me para seguir caminho quando ela disse que não o queria. ‘Bora!

A senhora deixou-me em Hoi An já o sol tinha raiado. “Ao menos se agora fizer check-in num hotel, durmo esta manhã e a noite de amanhã e é como se fosse duas noites pelo preço de uma”, pensei, recordando a estratégia, que de estratégico nada tem, de Bangkok. Fui ter a um hotel onde, dizia no guia, uma noite ficava por 7 dolares. Mas o meu guia é de 2007. Quando cheguei tinha uma tabela na parede onde dizia que era 10 dolares por quarto. Mas a senhora pediu-me 19, alegando que estavam “numa época diferente”. Fiquei um pedaço no lobby na internet até que um méne de scooter me disse que tinha um sítio por 8 dolares. Nestas cenas eles costumam estar certos. Isto é, pode-se ir à confiança porque, na minha experiência, se eles dizem isso não só não é um hostel podre mas um hostel normal, como também é ao preço que indicam. Contudo, fui com ele e o hostel estava fechado. Ainda perguntámos lá a uns vizinhos mas nada. Mas o gajo não me estava a enganar, percebi.
               
Depois fomos a outro onde pediam 12 dolares, mas acabou por baixar para 10. Ok, fica-se! Paguei um dolar ao méne da mota e sentei-me no lobby meia horita à espera que o quarto ficasse disponível.
               
Dormi umas cinco horas, tomei banho e entreguei-me à cidade, ou vila, que se tornaria das minhas localidades preferidas no mundo. Fui comer qualquer coisa, depois caminhei umas cinco horas, lentamente, com a ocasional pausa. É uma vila onde as casas têm duas cores: amarelo ou amarelado. Tem muitos turistas mas não sinto que a vila se tenha mudado assim tanto para os acomodar. Claro que tem sinais em inglês e um sem número de lojas de recordações, mas ao mesmo tempo sente-se que manteve a sua beleza e autenticidade.
               
Estava plenamente feliz com tudo aquilo, sem saber que ainda mais feliz ficaria, Isto porque depois de fazer a caminhadinha que o guia sugeria, continuei a caminhar, atravessei uma pontezinha e fui andando ao longo do rio, em círculo, até chegar ao ponto de partida. Pelo caminho passei por ruinhas com galinhas cá fora a lanchar, casas com putos a brincar e sempre a gritar “hello” de cada vez que me viam, pescadores, putos a brincar no rio. Tudo cem por cento vietnamita, tudo puro, belo, e feliz.
               
De vez em quando sentava-me à beira-rio para absorver aquilo tudo.
               
Quando me aproximava do ponto de partida, mas do outro lado do pequeno rio, sentei-me mais uma vez num cais improvisado, a apreciar aquele tom de por do sol. Não é preciso ser bom fotógrafo para tirar fotos geniais num sítio daquelas, numa vila daquelas.

Eis que me levanto, e uma suave melancolia se apodera de mim. Atravessei a ponte, parei no meio para tirar uma foto a mim próprio, daquelas típicas onde se vê uma parte do braço. Escolhi depois um restaurante com net e cerveja a 0,15€ onde me sentei, jantei, bebi dois copos e fui embora. Queria andar mais pelas ruas, mas não tinha bem onde ir, porque, verdade seja dita, estava sozinho. Senti-me melancólico por não ter ninguém com quem partilhar tamanha grandeza. E ao mesmo tempo não queria meter conversa com alguém de propósito só para o fazer. Assim, voltei para o meu quarto de hotel com duas camas para uma pessoa, e escrevi um bocado sobre esses belos sentimentos que nadavam no meu ser.

No dia seguinte acordei, dei uma voltinha e fui almoçar à beira-rio enquanto fazia horas para apanhar o autocarro para Huei, cujo bilhete tinha comprado no dia anterior.

Assim, à uma da tarde lá fui.

21h40-6ª-29-7-11
algures entre Huei e Hanoi

sábado, 13 de agosto de 2011

Da Lat


No meu autocarro para Da Lat, que eu tivesse percebido, só iam mais dois estranjeiros. Mas o resto podia ser de outro país asiático. Mas ainda assim, pá, onde é que andam os vietnamitas mais pobres? Perguntei nas agências de viagens onde eram os autocarros locais, mas disseram que é isto. E eu ainda não estou convencido. É que os autocarros são sempre muito bons, ar-condicionado e essas pandeleirices todas das quais não preciso mas de que acabo por usufruir, e que acabo por pagar. Mas ok, se calhar é isto.
               
A viagem passou-se bem, paisagens deslumbrantes, e quando chegámos, já de noite, perguntei aos estranjeiros se não queriam partilhar um táxi. Disseram que sim, e lá fomos. Eram belgas, o Klaas e o Kon. Eu tinha apontado um hotel que tinha tirado do guia, e pedi ao taxista para nos levar para lá.
               
Eis que aconteceu algo inédito na minha viagem.
               
Como toda a minha viagem foi na época baixa, nunca tive problema em encontrar lugar num hotel. Mas agora é Julho, e apesar de ser época baixa para a estranjeirada, é época alta para os vietnamitas. Por isso mesmo, quando cheguei a esse hotel, estava cheio. Foi o primeiro hotel que encontrei que estava cheio em toda a viagem. O pior é que estava esse e os dez seguintes onde perguntámos.
               
Sabia que, de uma maneira ou de outra, ia encontrar um sítio. E assim foi. Encontrámos um quarto por dez dólares, e ficámos lá os três. Tinha só duas, mas eu pus o olho num colchão que vi na escadaria, e acabei por trazê-lo para o quarto e dormi nele. Instalámo-nos e fomos comer qualquer coisa.
               
O Klaas está quase a fazer 25 anos e acabou agora os seus estudos. É um rapaz porreiro, com um problema qualquer no estômago que faz com que tenha de comer extremamente lentamente, e que faz com que o Kon coma metade da sua comida em cada refeição, sendo que o pobre Klaas não consegue acabar. Também benificei, em termos alimentares, desta sua condição, um par de vezes. É um rapaz mais calado, mas porreiro, boa onda. O Kon é o extrovertido daquela aliança belga. Alto, fortezinho, não muito, cabelo louro comprido, fala numa mistura de sotaque americano e belga, fala bastante, gosta da sua festa, e é professor de liceu, de Física e História. Um par muito fixe com quem passei essa noite e o dia e noite subsequentes.
               
Depois de jantar encontrámos um barzito chamado “The Hangout” e sentámo-nos a beber uams cervejas a com aquelas conversas iniciais de quem se está a conhecer. A dada altura apareceu um casal inglês e sentou-se lá num canto. O rapaz tinha daqueles cortes de cabelo apandeleirados, via-se que tinha tendência a engordar mas que, para compensar isso ia ao ginásio. Tinha uma t-shirt meio metro-sexual. A rapariga tinha um aspecto tipicamente inglês.
               
Até era um casal simpático. A dada altura o rapaz juntou-se a nós a jogar bilhar e ficámos nessa onda socialzinha uma horita, até que a rapariga, na única tacada que deu, marcou, à sorte, uma bola com uma tabela. Surpresos, todos soltámos um pequeno grito de congratulação, e isto fez com que, não mais que cinco minutos depois, aparecesse uma cota vietnamita a tripar verdadeiramente com o dono do bar. Foi uma situação um bocado cómica, tenho de dizer, porque a maneira como a senhora protestava dava a entender uma situação mais grave, como se o dono do bar lhe devesse a renda há seis meses, ela tivesse vindo receber após ele prometer que pagava, e ele ter dito que afinal gastou o dinheiro em apitos.
               
A miuda inglesa tinha um sotaque terrível. Quer dizer, o seu sotaque era inglês, como ela era. Mas, já tinha reparado, e acontece especialmente nas raparigas, há destas que têm um sotaque soa extremamente a gaja burra. Com gajos acontece também mas não é tanto na maneira como falam, mas mais pelo que dizem, ao passo que com as miudas elas têm a perder nos dois campos. A miuda até é porreira e tudo mais, mas aquela maneira de falar... não consigo pensar num exemplo português.
               
Foi ela que me disse que a Amy Winehouse tinha morrido, o que não tinha acontecido muitas horas antes, acho. Fiquei um bocado chocado, apesar de ter chegado a dizer, com as palavras todas e mais que uma vez, que infelizmente achava que a Amy não ia aguentar muito tempo. E claro que não disse nada de original, sendo que estava à vista de quem pensasse um bocado. Juntou-se ao grupo dos 27.
               
Dei por mim a questionar-me, já não sei porquê, se era preferível que morresse de overdose um gajo qualquer tipo um pasteleiro de Ribeira de Frades ou uma pessoa famosa. Sem saber mais nada de ambas as pessoas além disto, primeiro pensei que seria preferível o pasteleiro, pois perdendo a pessoa famosa íamos estar a perder alguém com talento e influência na VIDA de outras pessoas. Mas depois pensei que a maior parte das pessoas famosas não tem talento nenhum e seria então preferível morrer um famoso em vez do pasteleiro pois, pelo menos alertava para onde exageros podem levar. Mas depois lembrei-me que a Amy era efectivamente muito talentosa. Isto parece assim um bocado descabido, mas a razão pela qual dei por mim a pensar nisto foi porque sempre me meteu confusão a maneira como ficamos mais afectados se morrer o Angélico, um rapaz que a maioria de nós não conhece de lado nenhum e que não era exactamente alguém que tivesse tido um contributo inigualável para a humanidade,  do que se um autocarro na Índia se despistar e resultar na morte de trinta pessoas. Vale a pena dizer que, infelizmente, enquadro-me nisto que critico. E claro que sei enunciar uma, duas ou três razões pelas quais isso acontece, mas continua a ser estúpido.

No dia seguinte alugámos uma scooter cada um. Enchemos o depósito e partimos à descoberta, munidos de um mapa. Foi um dia muito porreiro, apesar de termos demorado três vezes mais tempo a descobrir as localizações do que era necessário. Foi um dia repleto daqueles momentos em que o tempo para, tu olhas à volta e pensas: “fónix, está a chover torrencialmente; estou com o kispo, algo que nunca pensei ter de usar no Vietname, e ainda assim estou a tremer de frio; dói-me os olhos de conduzir com a chuva a bater; mas estou a adorar cada segundo!”. Iá, foi isso. Demo-nos ao luxo de nos perdermos propositadamente um par de vezes, descambando no meio do mato numa casita e num campo com uma senhora a gesticular fortemente para nos pormos a andar.
               
Primeiro vimos a Casa Maluca (The Crazy House), uma atracção razoavelzinha. Basicamente uma arquitecta que bate muito mal fez uma casa impressionante e a malta pode ir visitar. Dá uma olhada, Nuno, é em Da Lat. Não percebi se aquilo era suposto ser um hotel ou o que era. Mas dei por mim a imaginar que uma criança teria uma infância em cheio a crescer numa casa daquelas. Depois, enquanto procurávamos uma cascata, fomos dar a uma onde até era preciso pagar (mas passámos de fininho) e era uma bela porcaria. Um esgoto bonito. Depois demos com um monte de templos perto de um lago muito fixe e parámos aí uma horita.
               
Entretanto parámos um par de vezes para nos abrigarmos um bocado, até que desistíamos e lançavamo-nos no dilúvio outra vez. Algumas horas mais tarde tive o melhor duche de toda a viagem, porque estava cheio de frio e entrei na água quente. A razão pela qual estava tanto frio tem que ver com a altitude do sítio. Quanto à chuva, não é raro seja onde for.
               
Eventualmente demos com a cascata. Era gira e tudo, mas nada de especial também. Mas a verdadeira cena foi chegar até lá, por isso não há crise. Voltámos à cidade e procurámos o jardim, que também demorámos quase uma hora a encontrar. Demos mais umas voltas. É um sítio porreiro, mas nada como o sonho que descobriria no dia seguinte.
               
Nessa mesma tarde eles tinham comprado um bilhete de autocarro para Nha Trang. Eu não queria ir porque tinha lido que era muito giro e tal, resorts e praia e não sei quê, e não me apetecia muito. Também não sabia se iria à boleia ou não, por isso não comprei nada. É que os preços até Hoi An, onde tinha em mente ir, eram 10 euros...

Voltámos a casa, tomámos banho, descansámos um bocadinho a ver tv, e fomos jantar. Pegámos na scooter, passámos por alguns sítios mas a média da comida era 1,5€ então seguimos. Eventualmente parámos “num daqueles” e jantámos lá, pelo preço que costumo pagar – 0,70€. Eles comentaram, com um sorriso, que por andarem comigo andavam a gastar mais dinheiro. Mais tarde nessa noite, a festa foi rija, e voltaram a comentar, com um sorriso maior, que o dinheir poupado tinha ido para cerveja.
               
Depois de jantar voltámos ao The Hangout. Eles jogaram bilhar enquanto eu via umas cenas na net, depois jogámos um jogo de scrabble e depois eu e o Kon começámos a jogar daqueles joguinhos do bufo. Estávamos a jogar a pirâmide quando dois ingleses e uma inglesa entraram no bar, a quem eu perguntei de imediato se não se queriam juntar a nós. Assim lá ficámos duas ou três horas numa festa porreira. O meu espanto foi que os ingleses tinham 18 e 19 anos! A miuda acertou na minha idade e disse, quando eu manifestei espanto, “porque pareces tão velho!”.

No dia seguinte, sem saber bem para onde ia, e como ia, decidi infiltrar-me no minubus que veio buscar os belgas ao nosso hotel. Sabia que à partida ia até à estação de autocarro, e aí podia ver o que fazer. Não queria boleiar porque o tempo estava de chuva, e tinha na pele a memória da molha do dia anterior. Agora a mesma cena com uma mochila às costas com p’rai quinze quilos de roupa e outra mochila à frente com as tecnologias (máquina fotográfica, computador e carregadores) afigurava-se como muito difícil.
               
Assim, dei parte fraca (e sensata) e comprei um bilhete de dez euros para Hoi An. Bem, aquele autocarro é o mais luxuoso onde já estive – tirando este, onde estou agora mesmo, que é igual mas com quarto-de-banho. A viagem foi o explendor do costume, no que diz respeito às imagens com que eu era brindado pela janela.
               
14h de viagem até Hoi An.

21h19-6ª-29-7-11
algures entre Huei e Hanoi