terça-feira, 2 de agosto de 2011

Siem Reap


Passei mais umas três noites em Bangkok e não se passou grande coisa. Só saí daquele bairro uma vez. Logo no primeiro dia, apesar de ter enviado algumas mensagens à Sofia via facebook, encontrámo-nos casualmente no mesmo restaurante de sempre (onde, nos restantes dias, jantámos e almoçámos quase sempre).
               
No dia seguinte apetecia-me cortiré. Tínhamos combinado beber uns copos e eu soube de uma festa em casa de um couchsurfer e pensei em ir. Mas mais tarde a Sofia já não estava muito p’raí virada e acabei por ir sozinho. Estavam lá p’rai quinze ou vinte pessoas e foi porreiro, mas acho que se não estivesse lá um casal britânico com quem me dei muito bem, não seria tão fixe. Se bem que um gajo arranja sempre maneira de se relacionar com a malta... O Johann, que sinceramente não sei muito bem de onde vem (tem aspecto indiano) vive lá sozinho, numa casa de três andares num bairro de luxo. Acabei por passar lá a noite e no dia seguinte apanhei um táxi de volta à zona onde mergulharia mais uns dias.
               
Dia 12 de Julho íamos ter a nossa “festa” de despedida. Jantámos, a Sofia comprou uma cerveja, eu comprei uma Hong Thong e sentámo-nos lá num canto à conversa. A noite foi fixe, e passou-se não sei muito bem como, porque quando dei por ela o sol raiava. A dada altura, estávamos lá à beira de um grupo de modelos que curtiam mostrar a sua juventude traduzida em abdominais e traços delineados (nada contra) e um gajo vira-se p’ra mim, do nada, e diz: “Pá quem me dera ser como tu!”. Aquilo caiu-me como uma bomba. Isto porque, primeiro, veio assim do nada, e segundo, o gajo até parecia alguém confiante e tudo mais. Tive de perguntar porquê. Estava com alguma dificuldade em ouvi-lo e afastámo-nos um bocadinho e estivemos a falar cerca de uma hora.
               
O gajo era um professor de inglês que se sentia um tanto ao quanto perdido na VIDA. O que notei logo de imediato foi em como ele se definia um pouco através dos seus alunos. Qualquer coisa que visse à baila, ele dava um exemplo, ou de um aluno seu, ou de algo que tinha feito com os alunos. Algures na conversa eu desafiei-o a passar o resto das férias sem dizer a palavra “aluno”. Podia dizer “pupilo”, ou fosse o que fosse, mas não podia dizer a palavra “aluno”. Isto porque acho que, caso ele leve a cena a sério, como disse que levaria, pode aperceber-se do quanto fala deles. Ou seja, não é propriamente para melhorar o seu vocabulário e descobrir sinónimos da palavra, ahah, mas para perceber o quão frequente aquele conceito aparece no seu discurso. Tinha também rompido com a sua namorada, e aquilo afectara-o bastante.
               
- Aliás – dizia-me – eu vim p’ráqui um bocado naquela de me encontrar, para ter tempo para pensar nas cenas – apesar de ser um bocado cliché, não importa, no esquema real das coisas, porque apesar de tudo o gajo era alguém que se sentia à deriva e que estava a tentar fazer algo acerca disso, ainda que esse algo adviesse talvez de estórias ouvidas e romances afim – fugir para me encontrar. Eu acho muito importante, e já aqui o disse várias vezes, que a nossa felicidade e auto-conceito seja independente das circunstâncias que nos rodeiam. O que acontece por vezes é que depositámos tudo de nós nas pessoas às nossas voltas e nas coisas que possuímos. E quando as perdemos sentimo-nos perdidos, e é um cabo dos trabalhos. Falámos um bocado acerca disso e senti-me contente, porque o gajo sentiu-se inspirado. Claro que há aqui um egoísmo meu, sentir-me bem por ter tido o poder de o ajudar a sentir-se melhor, mas não me interessa.
               
- Pá esta foi das conversas mais inspiradoras que tive! – disse-me, no final – E acredita que não me ficou indiferente e me ajudaste bastante – Perfeito! Despedimo-nos, trocámos contactos, e cada um seguiu o seu rumo.

No dia seguinte ia bazar para o Camboja, mas os efeitos da noite anterior não o permitiram. Deixei-me então ficar no relax, com a intenção de ir no dia seguinte. Eu e a Sofia já nos tínhamos despedido e tudo, naquela amena e calorosa bebedeira, mas pronto, os ditos não ficam não-ditos porque há um dia de atraso.
               
Dia 13 de Julho, acordei com a Sofia a despedir-se, e acordei com ela outra vez, duas horas mais tarde, toda desafogada, à procura do seu passaporte. Apareceu e desapareceu em dez segundos. Jackpot para o taxista que a trouxe. Eu estava na dúvida se boleiaria ou não, mas decidi tentar a minha sorte. Acordei, fui trocar dinheiro, paguei o hotel, e pus-me a caminho do metro. Tinha visto no google maps uma estação que me parecia já fora da cidade. Não era. Nada mesmo. Por isso estava um bocado sem saber o que fazer. Ainda assim. lá fui caminhando em direcção a onde eu pensava que a estrada era.
               
Contudo, lá debaixo de uma ponte por onde passei, tinha algo que me parecia ser uma estação de mini-autocarros. Perguntei como é que era, e passado vinte minutos estava num mini-autocarro a caminho da fronteira.
               
Quando cheguei, apareceram logo os abutres. Tinha visto que se tirava o visto na fronteira, pagando 25$. Mas aparece logo um méne que me dá um papel e me leva para a sua agência de viagens a dizer que não, que na fronteira (que era a cem metros) o que eles fazem é dar o carimbo, o visto tem  de ser ali. Felizmente resisti e bazei. Encotrei um casal de franceses e falámos em partilhar um táxi até Siem Reap (terra do Angkor Wat) que um rapaz se aprontou em oferecer, por 40$. Entrámos lá no edifício onde se tirava o passaporte e dizia, no cimo da cabine onde estava um dos guardas, que era 20$. O preço que eu tinha lido devia ser para americanos, não sei... Ainda assim, como era esperado, o polícia tentou pedir mais três euros para uma taxa qualquer de se tirar na hora. O gajo nem sequer tinha um papel imprimido com aquele couro – tinha um post-it! Eu sorri educadamente, disse que só tinha 0,5€ (isto tudo em dinheiro tailandês) e acabei por não dar nada.
               
Os franceses não estavam a fim de ir com o rapaz que nos interpelara acerca do táxi, e que esperava lá fora. Mas eu senti-me um bocado mal em saber que ele estava à espera e simplesmente bazar. Por isso fui dizer-lhe que, afinal de contas, já não íamos com ele. Isto acabou por ser fixe, porque ele manteve-se connosco, e através da boa negociação do Fabian, o francês, acabámos por ir no seu táxi, por 25$, todos.

Os gajos ao início pareceram um bocado arrogantes, especialmente a rapariga, mas acabaram por até serem porreiros, apesar de se manter um nico daquela arrogânciazinha. Tínhamos falado em partilharmos uma tuk-tuk no dia seguinte para irmos a Angkor Wat, mas quando chegámos a Siem Reap e eu perguntei se eles sempre queriam o gajo sai-se com uma “Bem, por mim... quer dizer... é que nós queremos ir lá p’rás cinco da manhã...”. Eu disse que isso não era crise p’ra mim, e quando a rapariga também se pôs com couros de “ah e tal mas depois onde é que nos encontrámos e não sei quê” eu disse ok tá tudo. Claro que podia dizer algo tipo “pá isto não é assim tão grande, se for para ir às X horas eu venho cá ter”, mas percebi que eles não estavam muito p’raí virados.
               
Senti-me um bocado rejeitado, o que é estúpido. Bem, é um sentimento, não pode ter nada de estúpido, mas o que é, é que o digo com aquela vergonhita de puto. Mas isto acabou por ser fixe, porque permitiu-me conhecer o Martin, com quem ando agora.
               
Pedi ao táxista para me deixar num hotel barato.
- Tipo 5 ou 6 dolares? – perguntou?
- Não, mais tipo 3 ou 4... – respondi.
- Pois eu desses não conheço, mas vamos ver... – e fomos andando e ele deixou-me à porta do Backpacer’s Hostel, para eu ir ver. O gajo disse-me que um quarto eram 7 dolares, mas quando insisti no mais barato que tinham, ele disse que no dormitório eram 2 dolares! Perfeito! Um hostel porreiro, com internet, por 1,5€ num dormitório mas com cama de casal! Despedi-me do táxista, que era um gajo fixe, jantei no hotel ao lado, e estabeleci-me no Backpacker’s Hostel.

Passado um pedaço apareceu o Martin. Perguntei-lhe se ele ia a Angkor Wat no dia seguinte, disse que sim, e perguntei se não queria partilhar uma tuk-tuk. Ele disse que era na boa, e que tinha também combinado com duas senhoras das Filipinas que conhecera no Vietname. Ficámos p’rai duas horas à conversa, sendo que as nossas camas eram uma depois da outra.

O Martin é um checo de 28 anos,  é professor de educação física e inglês. Ou pelo menos essa é a sua formação, ainda que não o exerca. Fez erasmus em Inglaterra, passou um ano no Canadá a trabalhar numa estância de ski como massagista, numa loja e noutra altura do ano num McDonalds. Já fez inúmeras roadtrips pelos Estados Unidos (incluindo uma até ao Belize), a viver no carro, e só não visitou dois estados! Agora vai passar um ano na Nova Zelândia, a fazer seja o que for. Teve de ir ao casamento do irmão, na República Checa, e então aproveitou para dar uns saltinhos entre o Laos, Vietnam, Malásia e Singapura. É um gajo muito porreiro. A nível de aspecto, é tipicamente checo, alto, louro mas de cabelo rapado, olhos claros. É um gajo calmo e observador, que também não curte exactamente aquela atitude tipicamente turista. Reparei, e ele disse-o, que curtiu muito o meu projecto, e eu agradeci, meio sem saber o que dizer. É estranho quando elogiam a minha viagem, sinto-me meio envergonhado.         
               
Ficámos logo amigos, e no dia seguinte, de manhã, fomos ter com as Filipinas.
               
A Janet, mais nova e mais faladora, e a Joy, sua irmã são duas irmãs muito baixinhas das Filipinas, duas senhoras encantadoras e vivaças que gerem uma escola no seu país. Têm também uma característica que achei muito engraçada e peculiar... Há pessoas assim, mas nelas era algo muito vincado. Daquele tipo de pessoas que está sempre a tentar acabar as frases dos outros, talvez num esforço inconsciente de agradar, sendo que “adivinhou os pensamentos”. Às vezes parecia que tudo tinha de ter um comentário, como se houvesse um canal directo entre os pensamentos e a voz. Interessante.
               
Arranjámos lá uma tuk-tuk por 12 dolares e seguimos para Angkor Wat. E o que foi Angkor Wat para mim? Talvez a cena mais espantosa que já vi!

Primeiro ficámos no Angkor Wat propriamente dito, íamos ver a cena, e depois o méne da tuk-tuk levava-nos a outra área, ainda dentro do mesmo complexo. Pagámos os 20$, andámos por lá p’rai duas horas. Monumentos e templos milenares, ladeados por extensos relvados e palmeiras, excelente. Mas eu flipei mesmo foi com a área seguinte. Aí era mais tipo uma cidade, pejada de templos, cada um mais impressionante que o outro. Começou a chuviscar, havia uma brisa no ar, estávamos em low-season – só factores que tornavam aquela experiência singular. Tentava imaginar as pessoas a construir aquilo há tanto tempo, a viver ali, a rezar ali. Mas aquilo era tão mágico que não conseguia deixar de, eu próprio, inventar estórias e cenários do que aquilo me inspirava. Caminhava aleatoriamente no mato e aparecia um templo sem intenções de disfarçar a sua idade, carregado de musgo e carisma.

O último templo que vimos foi uma apresentação do que o Homem e a Natureza conseguem alcaçar juntos, ainda que por acaso. Um templo espetacular, com árvores a crescer dos seus telhados. Isto fazia com que as suas raízes caíssem ao redor dos mesmos, abraçando-os mas sem os destruir. Incrivel mesmo. Imaginem uma árvore de vinte metros, com raízes mais extensas ainda, como cobras curiosas, a entrar e sair de janelas, a contornar pilares. Incrível!
               
Hoje em dia viajar não é muito complicado, difícil ou caro. Por isso acho quase um pecado morrer sem ver aquilo.

Nessa noite, depois de tomarmos banho e relaxarmos um bocado, fomos todos jantar. Foi agradável, comi muita bem, incluindo, pela primeira vez, rãs! Despedimo-nos, elas bazaram, e eu e o Martin fomos beber duas cervejas ali ao lado.

14h49-s-16-7-11
algures entre Phnom Penn e Sihanoukville

Sem comentários:

Enviar um comentário