quinta-feira, 7 de junho de 2012

Kiev

Acordei terça-feira disposto a curtir o meu primeiro dia em Kiev. Cafézinho tomado, saí com a Ksenia de manhã, porque ela só tinha uma chave e a porta tinha de ser trancada. Custou, porque dormi no chão e estava um bocado partido da noite anterior no comboio, mas foi melhor assim.

Saí do metro na praça principal, fui ao McDonald’s ver o meu mail e fui ver a cidade. Na noite anterior tinha imprimido as páginas do lonely planet referentes a Kiev. Há pessoal que curte mostrar a sua “alternatividade” dizendo que não curte nada guias turísticos e essas merdas e não sei quê. Iá, é certo que um gajo pode nunca usar o guia e passar muito bem numa cidade. Mas também é verdade que seguindo as instruções dos guias há muito mais probabilidade de acertar no que ver do que caminhar aleatoriamente pelas cidades, como muitas vezes faço. É uma cidade altamente, na verdade, e no Verão será mil vezes melhor. É muito acidentada, o que nos permite vistas porreiras. Os edifícios são bacanos com esporádicas mansões altamente, sejam elas cor-de-rosa, castanhas ou verdes. Tem igrejas a dar como um pau, e muito fixes também. Costumo dizer que, para mim, o melhor da religião são os edifícios, que normalmente são bonitos. E curto ainda mais as igrejas ortodoxas.

Mas o que curti mais foi o mosteiro de São Miguel. Acho que é das igrejas mais fixes que já vi, a sério. O que é curioso, porque duzentos metros à frente tem outro mosteiro, da Santa Sofia e este é património mundial e é preciso pagar para entrar, contrariamente àquele que mais me seduziu, de paredes azuis e abóbadas douradas.

Nessa noite ia sair com a Ksenia, íamos ver um concerto qualquer. Estava também em contacto com outra rapariga que acabei por encontrar. A Hanna era para me albergar em vez da Ksenia. Mas deixou de me responder aos mails por isso tive de encontrar uma alternativa. Disse-me mais tarde que a sua mãe tinha adoecido e ela tinha viajado para o interior para olhar por ela.

Nessa noite perdi-me um bocado, mas lá dei com o sítio. Foi uma noite porreira, mas eu previ o que ia acontecer. É que estava a curtir, e estava naquele ponto em que uma pessoa está fixe e fala com toda a gente, quando a Ksenia quis ir embora. E não sei porquê tive ideia que ia ser assim mesmo antes de sair de casa. Mas ‘tá-se bem, um gajo adapta-se. Mas foi fixe ter conhecido a Hanna, que no dia seguinte me faria, sem querer, grande surpresa...

A Hanna é uma miúda de vinte e seis anos, jornalista mais ou menos conhecida na Ucrânia, quanto mais não seja por ter apanhado o filho do presidente bêbedo na rua e ter posto no youtube, tornando-se num vídeo famoso, com dois milhões de visitas. É uma rapariga porreira, com um sorriso simpático e muito descontraída. Pois a Hanna no dia seguinte disse que ia a uma festa porreira, e que tinha dois convites, a perguntar se eu não queria ir. Ora a Ksenia tinha falado num concerto qualquer (desta feita a sério, não um concerto de dj como tinha sido na noite anterior) e eu tinha dito que ia. Não estava mortinho por ir, mas iá, como tinha dito que ia, era um bocado foleiro dizer que afinal de contas tinha mudado de ideias. É que, sinceramente, achei que me fosse divertir mais com a Hanna, que tinha um estilo mais semelhante ao meu.

Pois nessa tarde fui ver Lavra, um mosteiro bastante grande, conhecido pelas suas grutas. Foi fixe, mas um bocado estranho. Aquilo é conhecido mais pelas grutas com os caixões de umas largas dezenas de monges – e é essa a cena meio estranha. A única luminosidade advém de umas velitas espalhadas nada eficazmente, e do pessoal que passa, quase toda a gente com a sua própria vela. As passagens são estreitas e quase não dá para passarem duas pessoas ao mesmo tempo. O pessoal passeia-se a benzer-se mil vezes e a beijar cada um destes caixões onde, debaixo de um um manto está o corpo mumificado de um monge. É interessante, vale a pena visitar.

Quando bazei caminhei p’rai duas horas ao longo do rio e depois fui para casa. Quando cheguei a Ksenia disse que afinal não lhe apetecia ir ao tal concerto. Eu estava todo partido, mesmo, tinha caminhado horas a fio, mas só fiquei em casa dez minutos. Tinha uma mensagem da Hanna a dizer que era uma festa Gogol Bordello e que se eu quisesse ir podíamo-nos encontrar daí a meia hora. Liguei-lhe, disse “‘Tá tudo” e fui. Os Gogol Bordello são uma banda baseada nos Estados Unidos mas que tem membros de diferentes países. Eugene Hutz, o vocalista e figura principal, é ucraniano, tendo emigrado com os país quando tinha entre dezasseis e dezanove anos. Em Novembro de dois mil e dez era para ir ver os gajos com o João, em Portugal, já tínhamos os bilhetes e tudo. Mas os gajos cancelaram e entretanto eu bazei para a minha viagem pelo que, nada feito... Quando a Hanna me disse que era uma festa Gogol Bordello imaginei que fosse um DJ a passar música deles e se calhar outros motivos ou cenas assim. Assim, chegámos, e estava um DJ a passar música. Havia muita canalhada dos seus dezoito anos mas estava um ambiente fixe. Era uma festa qualquer patrocinada pela Nokia...
- Então e que DJ vem a seguir? – perguntei à Hanna.
- Não é DJ nenhum, são os Gogol Bordello! – respondeu, para meu espanto. E foi altamente. Ver Gogol Bordello na Ucrânia tem uma certa especialidade. Não sou muito conhecedor das músicas deles, o meu conhecimento vem do carro do João e está para sempre associado a voltar do Porto às dez da manhã depois de uma qualquer noite muito própria. Ainda assim curti bués e valeu muito mais a pena, sem dúvida, ver Gogol Bordello sem pagar, do que pagar para ir ver outra cena qualquer.

No final voltámos para casa. A Ksenia ficou tão surpreendida quanto eu quando lhe disse que tinham, efectivamente, sido os Gogol Bordello a actuar.

No dia seguinte fui ao museu de Chernobyl. Não gostei muito. Tenho de confessar que estava à espera de ver um porco com oito pernas que tinha lido que tinham conservado para ilustrar as mutações, mas não vi nada. Mas ainda assim, o pior foi que estava tudo em russo. Mas iá, valeu a pena, sempre dá uma outra ideia, mais real, obviamente, sobre o que aconteceu, a magnitude e o número de pessoas que afectou. Depois disto pensei em dar mais uma volta mas não me apeteceu. Enfiei-me num cadé qualquer a fazer qualquer cena, depois fui buscar a minha mochila e fui para a estação de comboio.

Uma cena a que achei um piadão – fora da estação de comboio há um McDonald’s. Nada de novo. A cena é que este McDonald’s partilha uma parede com o Mc’Foxy, que é igualzinho ao McDonald’s, só muda o logotipo. É a maior lata da imitação que já vi. Mas na Ucrânia vale tudo, pelo que parece...

catorze e onze, segunda, vinte e sete de Março de dois mil e doze
Vale de Cambra, Portugal

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