terça-feira, 1 de maio de 2012

Odessa


Curti muito Odessa.

Estava a dormir o meu soninho naquele sofá-cama quando a Lena me acordou. A noite de sono anterior tinha sido meio penosa, pelo que curtia dormir mais. Mas ‘tá-se bem, a miúda no fundo estava a ser fixe, porque queria ir mostrar-me as cenas.

Tomámos café e fomos dar uma volta. A Lena é uma rapariga girinha, de cabelo longo e amarelo e um tom de voz engraçado, tipo de velhinha. Acho que é por não estar à vontade com o inglês. Porém, se no dia anterior não tinha dito mais que três ou quatro palavras, nessa manhã conseguimos conversar um bocado. Ela lá se safava, e eu tenho já experiência em descortinar o que o pessoal quer dizer quando não consegue encontrar as palavras na língua da raínha.

Fomos até à praia, que é razoável. A água é cristalina e o areal (mais pedral) não é muito extenso, mas é porreiro. Fica sempre bem numa cidade, tipo em Barcelona. E pelo menos aqui no registo de memória que tenho, curti mais esta praia de que a da capital catalã.

A miúda teve de ir trabalhar e deixou-me entregue a mim mesmo, e eu fiz o que faço melhor – caminhar quase em zig-zag em direcção a cada edifício bacana que vejo. Como me deixou no centro histórico o meu trabalho estava fácil. Iá, é uma cidade muito fixe. E tenho sempre de pensar que é ainda melhor, porque Fevereiro não é exactamente aquele mês espectacular para visitar cenas. Naquela zona mais histórica é organizadinha, limpa e com edifícios bonitos e de aspecto antigo mas lavado. Caminhei todo o dia. Fiz uma pausazita para uma cola e ligar para a ordem dos psicólogos. Aceitaram a minha experiência profissional.

Não sei se vou procurar trabalho porque o quero ou se porque sinto pressões para o fazer. A minha actual condição é a seguinte: trabalho um fim-de-semana por mês em Birmingham, quarenta horas. E depois tenho o resto do mes para fazer o que quiser, seja viajar ou trabalhar. O dinheiro que recebo não me dá para poupar, mas acho que dá para evitar ir às poupanças. Não é uma cena que dê para um futuro mais prolongado, entendo isso, e é preferível algo em Portugal mais porreiro. Mas a ideia que não curto é simplesmente a do trabalho rotineiro. Quando penso em “vinte e quatro dias de férias por ano” até me passo. Estou mal habituado, por um lado, mas por outro lado, não é impossível um gajo arranjar um trabalho que nos permita ter a liberdade que hoje em dia tenho. Estou mais ou menos certo de uma coisa... que se calhar não me interessa partilhar aqui. De todo o modo, procurarei cenas, concorrerei, e continuarei, certamente, com a filosofia de levar um dia de cada vez.

Passei a tarde também a caminhar. Deixei aquela zona e fui seguindo até que fui parar ao mercado. Os mercados são sempre sítios interessantes para uma pessoa conhecer a cultura local. A maneira como as pessoas falam umas com as outras, como reagem, como vivem e sobrevivem. Passei pela estação de comboio e ao fim da tarde estacionei num café a escrever qualquer coisa e a procurar sofás para os dias seguintes.

A Lena tinha-me dito que o Sergey estaria em casa entre as sete e as oito. Eu apareci às sete e vinte, esperei uma hora e depois liguei-lhe da internet. Eles estavam ocupados com os preparos para uma espécie de retiro de alpinistas que iam ter e estavam a arranjar as cenas. Tinham p’rai mil quilos de comida. Depois de jantarmos, salada outra vez, fui ver o Benfica a um café. Achei fixe do gajo ter arranjado carne para mim, não que eu me importasse, e muito menos que tivesse pedido. A cena é que... parece que a concepção dele de comida é de, ou super saudável, ou má para o sistema como alicates. É que a par da salada ele meteu-me um pratinho à frente com umas tiras brancas. Era gordura de bacon. Só gordura mesmo. Comi um bocado a custo p’rai sete ou oito... não é que saibam mal, mas um gajo toda a VIDA ouve que aquilo é mau e enão sei quê, e depois tem um prato que consiste apenas daquilo... é dose. Sei hoje que, pelos vistos, é uma cena típica ucraniana...

Tirei o dia seguinte para me organizar um bocado. Ainda dei umas voltas, meio à procura de sítio com internet, meio a ver as vistas. Tenho uma panca jeitosa... mas que até faz sentido. Para mim o sítio ideal com internet é um café sem muita gente, preços acessíves e muitos lugares. Porque não curto estar horas e horas num café qualquer tendo só consumido uma vez, muito menos se o café está cheio e eu estou a ocupar um lugar... é um bocado panca, eu sei.

Nessa noite iria para a Crimeia. Tinha pensado em boleiar, mais uma vez, mas depois o Sergey disse-me que talvez tivesse um bilhete grátis para mim. Ora, porreiro. Mas como só no dia seguinte é que o saberia, eu tinha de ficar por Odessa durante o dia e depois saber se ia à borla ou não. Acabei por ter de pagar. Mas ‘tá-se bem. Boleiar com este frio não é muito conveniente, especialmente porque aqui não há um sistema de auto-estradas com estações de serviço como as nossas. Ficar no meio de uma vila qualquer, ou no meio de lado nenhum com graus negativos não é uma cena que dê muito jeito. Além disso o bilhete eram sete euros para uma viagem que durava a noite toda.

Fui ter a casa lá p’rás seis e tal, depois de arranjar onde ficar na Crimeia. A Alina aceitou albrgar-me em Sevastopol. Tinha enviado pedidos para quase todas as cidades desta região, e decidi então ir para esta cidade. Depois de jantarmos e de eles arranjarem as cenas fomos para a estação de comboio. Encontrámo-nos com os amigos alpinistas com quem eu fiquei, porque o meu bilhete era cok eles, e seguimos. Um dos amigos dele falava inglês, e um ou outro arranhava um bocadito e quando se sentiram mais confiantes tentaram, e fomos à conversa um par de horas, com eles a contarem-me cenas da Ucrânia e também outro gajo a perguntar-me sobre futebol e os ucranianos em Portugal.

Dormi mais ou menos. No dia seguinte estava na Crimeia.

vinte e uma e vinte, domingo, onze de Março de dois mil e doze
algures entre Sevastopol e Kiev, Ucrânia

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