terça-feira, 29 de novembro de 2011

Luxemburgo


Acordei dia dezoito, não estava muito longe do Luxemburgo. Mas apesar de não estar muito longe não sabia muito bem como lá ir ter. Dei uma vista de olhos no mapa e lá me orientei, mais ou menos. Ainda estremunhado com o sono, fui para a saída da estação de serviço, onde um senhor muito simpático me apanhou e me deixou um bocadinho mais à frente de onde realmente ia. Comecei a ver placas a dizer “Luxemburgo”, o que era bom sinal. Saí da carrinha do senhor, e entrei no carro do Pierre, um jovem de fato que se esforçava para ser simpático mas que era muito nervoso. Às tantas sai para o carro, sai lá fora, olha para o para-choques e começa a praguejar em francês, como se se tivesse apercebido que a sua namorada era na verdade sua irmã. O rapaz estava verdadeiramente agastado. Lá me deixou mesmo fora de Liége numa estrada que parecia em boa posição para ir dar ao meu destino. Mas ainda tive de esperar um bocado. A chuva ia dizendo os seus “olás” de quando em vez, e o frio começava a fazer-me querer entrar num carro o mais cedo possível. Esperei p’rai hora e meia e estava feito. Esse carro deixou-me já a apenas cinco quilómetros da capital com o mesmo nome do país. Depois foi interpelar uma senhora num semáforo, que me deixou mesmo no centro.
               
Tinha custado, mas estava ali, na cidade do Luxemburgo. Tinha comunicado com o David, um amigo do Carriço que conhecera numa noite típica valecambrense, e ele ia albergar-me em Nittel, uma cidade alemã a vinte quilómetros dali. Encontrei um restaurante turco de kebabs com internet que roubava ao vizinho, e tentei comunicar com o David. Já lhe tinha mandado algumas mensagens nos dias anteriores, mas ele ainda não me tinha respondido. Eis que descubro, poucos minutos depois, que estava em Portugal! Ficar num hostel estava fora de questão. Vinte euros... Mas ia custar-me outra noite numa estação de serviço, sem dúvida alguma.
               
Então, últmo recurso, mandar mails em barda a couchsurfers do Luxemburgo e esperar uma resposta positiva. Que apareceu! O Martin, um esloveno, disse que me podia albergar nesa noite. E entretanto o David já me tinha dito que voltaria no dia seguinte. Perfeito. Pus-me a caminho para casa do Martin, passando pelos cafés e vozes portuguesas, e cheguei ao destino. Tinha percebido que era gay pelo seu perfil. Estava casado com o Tom, um tailandês. Tinham-se conhecido na Tailândia, de início era para ser só uma queca, mas curtiram-se, foram com a cena, e quando o Maritn deu por ela estava a ir à Tailândia três vezes por ano. O amor falou mais alto e ele trouxe-o para a Europa, casaram-se na Alemanha e o Tom conseguiu, sem grandes problemas, permissão de residência. Passei uma noite descontraída com estes dois rapazes, em amena conversa à volta de uma garrafita de vinho. O Martin é mais velho, tem trinta e poucos, e trabalha nas finanças do governo luxemburguês. O Tom fica por casa e está a trabalhar no seu francês e alemão. O Martin é um gajo atento e interessante, o Tom, também um rapaz agradável, com olhos atentos desejosos de aprender cada coisa que não saiba.

No dia seguinte andei pela cidade. Fiquei agradavelmente surpreendido. Muito bonita mesmo. Tem uma arquitectura clássica, ruas organizadinhas, e um vale imenso no meio que joga na perfeição o equilíbrio entre o que é urbano e o que é natural. Uma cidade acidentada onde se pode passear quase um dia inteiro, não muito mais do que isso, com um sorriso nos lábios e um bom sentimento de ter uma ou outra vista a coroar os nossos olhos.
               
Encontrei o David ao fim da tarde. Veio buscar-me à pressa. “P’ra tu veres, ‘tou aqui há sete meses... sete multas!”, dizia, enquanto nos apressávamos em direcção ao carro. O David é de Santo André, no Alentejo. Conheci-o pouco antes de partir, e curti-o de imediato. É um gajo com uma luz especial, que tem a sua maneira de ver as cenas, uma inteligência que embeleza as coisas que faz e lhes atribui um toque especial. Sonha ser astronauta e, pelo que percebi, já esteve mais longe, ainda que continue a ser bastante difícil alcançar tal objectivo. Trabalha no aeroporto, fazendo rotas de voo, e apesar de estar bem, pareceu-me que lhe falta algo. A cena é que vive numa vila alemã onde não se passa absolutamente nada, e isso às vezes deixa ali um impacto difícil de ignorar.
               
Passámos no supermercado para comprar cenas para o jantar, comemos nas calmas, e fomos sair a Trier, a cidade alemã mais velha. Noite porreira, muita chavalada mas pessoal bacano. Conhecemos um montão de gente, e voltámos para casa já não sei a que horas.
               
No dia seguinte o David ia levar-me a um cemitério americano que tinha ali perto de sua casa. “O Luxemburgo foi o primeiro país que o Hitler invadiu”, disse-me. Se calhar o Hitler começou com um pequenino para experimentar, tipo as equipas portuguesas a começar a época a jogar com equipas da segunda divisão suíça... para dar alento às tropas e tal. Contudo, o cemitério americano estava fechado, tal como no dia anterior. Mas vimos umas placas e, para espanto do David, havia também um cemitério alemão, que fomos visitar.
               
O David tinha de ir trabalhar e estava um trânsito do caraças, e deixou-me a uns cinco quilómetros de casa, fui a pé nas calmas, e cheguei lá num par de horas depois de, naturalmente, andar para trás e para a frente porque não me lembrava onde era exactamente.

No dia seguinte segui para o sul da Alemanha. Seria mais uma noite numa estação de serviço...

quinta, catorze e cinquenta e sete, dezassete de novembro de dois mil e onze
Vale de Cambra, Portugal





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