sábado, 29 de outubro de 2011

Riga


Não sei porquê não me apetece escrever. E não me tem apetecido nos últimos dias. Estou de momento algures perto de Liege, na Bélgica. Deixei Berlim com o objectivo de chegar ao Luxemburgo, mas com a ideia mais realista de ficar em Dortmund. Mas a cena é que acordei às dez e tal, e quando cheguei à estrada eram duas da tarde. Ora a minha ideia de Dortmund era caso se estivesse a fazer tarde assentar aí. Mas a cena é que se fez tão tarde, que achei melhor boleiar pela noite dentro. Mas agora é meia-noite, há poucos carros, e poucos vão para sul. Nenhum. E desta vez acredito mesmo, não acho que seja couro.

Hoje pensava que algumas pessoas, ao perceberem que as vou abordar, olham para mim como se eu estivesse a vender sida. Está bem que sou um gajo e tenho uma pera de meio palmo e um bigode que atrapalha os lábios, mas também tenho um sorriso, que ofereço sempre. Mas não chega. E assim percebo como é curioso o facto da boleia me mostrar, tanto quão fixes as pessoas podem ser, como quão cagativas. Às vezes apanham-me e sinto aquela bondade a fazer-me uma massagem. Outras vezes reagem de uma forma que, fora eu mais sensível, sentiria um pontapé nos tomates. Enfim.

Cheguei a Riga dia três de Outubro de manhã. A Graciete chegaria duas ou três horas depois. Fui à net na estação de autocarros, reservei um hostel ali perto que parecia porreiro, e mandei-lhe mensagem com as instruções.

O Frank’s Friendly Fun Hostel, onde ficámos, é um hostel muito fixe. Está no top dez. Juntamente com a Mama Naxi em Lijiang, na China, o Blue Budha na Ericeira, aquele em Veliko Tornovo na Bulgária (o melhor de sempre) e outros. Tomei banho e, qual donzela à espera do seu príncipe, aguardei impacientemente com viagens frequentes à janela que dava para o rio e consequentemente para a paragem de autocarros. Até que a vi chegar. Desci as escadas em velocidade recorde e abraçámo-nos. Tinham passado quatro meses desde que nos encontráramos na Índia, e na última semana pensara muito em como varia a forma como tenho saudade. Não só dela como de tudo. E acho que não devo estar sozinho, ou assim o espero. É que a minha saudade não é uma saudade muito lógica, que aumenta gradualmente com o tempo. É uma saudade indecisa e maníaca, que tanto surfa qualquer onda como relaxa na areia a beber um mojito. Outra cena é que não tenho tanto saudades das pessoas em si. Mas daquilo que fazíamos juntos. Seja ir à bola com o meu pai, tomar café no Sombrinha com a minha mãe, entre outras pessoas e actividades. Se calhar é a isso que chamam saudades das pessoas, mas talvez seja algo um pouco diferente. Como mais saudades de estar com em vez de saudades de.

Nesse primeiro dia não fizemos practicamente nada que tenha a ver com Riga. Passámos a tarde no quarto até às seis e tal, levantámo-nos, ela tomou banho, e fomos comprar qualquer coisa para comer. Voltámos ao hostel num ápice e tomámos conta da cozinha, que recebeu os aromas do queijo, chouriça e presunto tuga que a minha mãe tinha mandado. Abrimos uma ou duas garrafas de vinho e ficámos ali a por a conversa em dia, até que o novo repouso era imperial.

No dia seguinte juntámo-nos a uma tour grátis (com gorgeta encorajada) acerca dos tempos soviéticos em Riga. Aquela tour seria perfeita para alguém muito mais novo que nós, ou muito mais velho. A miuda era fofinha e tinha daquelas piadas sem piada nenhuma mas que são ditas de uma forma que nos deixa uma vontade incrível de ir lá apertar a bochechita. Condescendente, eu?

- Sabem que aqui temos uma máquina do tempo, – dizia, no início da tour – mas para isso temos de... saltar todos ao mesmo tempo, e aterrar em mil novecentos e troca o passo – e o pessoal lá saltava para lhe fazer a vontade. Cínico, eu?

Mas foi fixe. Andámos pela cidade também, mas foi uma cena mais orientada para a ocupação soviética. Visitámos um ou dois museus grátis, e no final demos alguns euros de gorgeta, enquanto bebíamos um shot horrível que era oferta dum bar.

Depois da tour fomos a casa arranjarmo-nos para irmos jantar. Era o nosso aniversário e o Moreira tinha oferecido o jantar. Demorámos p’rai uma hora a encontrar um restaurante que se apropriasse. É que primeiro tínhamos na ideia um restaurante medieval que nos tinham sugerido. Mas parecia exageradamente caro, por isso seguimos caminho, até que finalmente encontrámos um italiano muito porreiro. Que nem por isso foi barato, igualmente.

Saímos do restaurante um bocado lançados, e esse lanço levou-nos para o Folk Bar. Havia um encontro de couchsurfers lá, organizado pelo Jorgen, um amigo norueguês que tinha conhecido em Edinburgo no ano anterior. Foi muito fixe, e a Graciete estava naquele estado de graça em que o seu inglês triplica – ou pelo menos diminui três vezes a sua inibição em falar uma língua que não domina. E à conta disso passámos bué de tempo a falar com este e com aquele. Foi fixe ter encontrado o Jorgen, um gajo muito inteligente e porreiro que está em Riga há seis anos, trabalhando como tradutor.
Daí fomos para outro bar qualquer, e desse para ainda outro. Foi uma boa noite, muita risada e bons momentos. Curti.

Acordámos no dia seguinte mesmo a tempo de fazer o check-out. Tínhamos combinado com a Sabine encontrarmo-nos às seis da tarde desse mesmo dia naquela estátua. Assim, deixámos as cenas no hostel e fomos dar uma volta pela cidade. E que surpresa foi! Tanto essa tarde como as anteriores, mas essa tarde foi aquela em que fizemos mais “turismo” à séria. A surpresa não foi tanto a cidade ser fixe, mas o facto de eu lá ter estado sete anos antes, e não me lembrar de absolutamente nada! Tinha lá estado com um grupo enorme (p’rai vinte e tal) pessoas – os meus amigos de erasmus na Finlândia, e o meu irmão. Devemos ter curtido em demasia e aproveitado só uma parte de Riga. Uma das poucas memórias que tenho é estarmos num bar muito retro (mas sem ser de uma maneira fixe), onde letãos cantavam um karaoke horrível. Gozámos com eles apenas um pouco cedo demais. Porque quando volto a olhar passado uma hora é o meu irmão que lá está a cantar uma cena tipo Shakira ou algo pior. E depois éramos todos no palco. Cenas.

O centro de Riga está dividido entre a parte velha, com as ruas em calçada e uma epidemia de igrejas, e a parte mais nova, que apesar de o ser, é-o de uma forma muito airosa e arranjadinha. Passeámos por aí umas horas, até que voltámos para ir buscar as cenas ao hostel, para irmos ter com a Sabine.

A Sabine é uma letã de vinte e cinco anos (acho) que albergara o Hugo e o Bruno p’rai uma semana antes. “Claro que podes ficar, eu nunca digo que não a pessoas portuguesas!”, respondeu, quando lhe perguntei se lá poderíamos dormir. Por acaso é uma cena de que a malta até se pode orgulhar, se se quiser orgulhar com os feitos dos outros. Há alguma coisa que os tugas estão a fazer bem – é que muita gente nesta viagem gosta de nós. Seja pessoal que conheceu na estrada, ou pessoal que conheceram quando visitando as terras do Viriato.

Trabalha de momento a p;or publicidade em sites ou uma cena assim qualquer, e está acabar o mestrado em algo que já não me recordo. E não está muito feliz com a sua VIDA.

- Sabes... – disse-me, na manhã seguinte – ontem não conseguia dormir a pensar nas tuas perguntas... é que eu disse que sim, que era feliz, quando me perguntáste... mas foi mais uma reacção do que algo pensado. Porque na verdade não estou feliz de momento... tenho de trabalhar em algo que não gosto, mas não me posso despedir porque tenho de pagar as contas... e isso não ajuda. Além do mais preferia viver no campo, como te disse – e é aqui que eu entro em conflito. Porque eu defendo com força que se um gajo não está feliz com uma situação, tem de a mudar e já está! Mas às vezes já condicionantes que nos lixam. E tenho de aceitar que às vezes, às vezes, uma pessoa tem de aguentar um bocado até chegar onde quer. Mas esta fase de não se estar bem tem de ser uma fase. Apenas uma fase. Tem de ser algo temporário e temos de saber mais ou menos quando vai acabar, e o que vamos fazer para nos encontrarmos connosco próprios. Acho que o pior é que às vezes esta merda suga um gajo e depois é difícil sair. Ou assim me parece, caso contrário toda a gente seria feliz.

No início a conversa estava um bocado perra. Sentámo-nos na sala a beber um chá e eu sentia que tinha de mandar as perguntas de chacha. Mas felizmente foi só no início. Saímos passado um bocado, ela queria-nos mostrar uma vista porreira da cidade, e a cena começou a fluir, e tivemos oportunidade de conhecer uma pessoa dócil e descomplicada. Tinha estado em erasmus em Portugal e apaixonou-se por um rapaz que conheceu porque lhe deu uma boleia do centro do Porto para o hotel onde estavam. Incríveis estas cenas. Adoro esta aleatoridade da VIDA. Se outra pessoa qualquer a tivesse apanhado, ela não tinha acabado por ir visitar o Porto cinco vezes em cinco meses. Mas agora o rapaz vai trabalhar para o Brasil...

Cozinhámos, jantámos enquanto conversávamos acerca da sua família, e depois vimos o Trainspotting antes de irmos dormir.

No dia seguinte seguimos para Vilnius, onde nos esperaria a Zoe, a nossa anfitriã australiana.

uma e um da manhã, dezoito de outubro de dois mil e onze
algures entre Berlim e o Luxemburgo






1 comentário:

  1. deixei-lhe uma data de filmes para ela ver :) coisas que para nós são do tipo.. A sério ainda não viste? e ela nem sequer tinha ouvido falar. Trainspotting um deles..

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