domingo, 11 de setembro de 2011

Vang Vieng

Estava a pensar boleiar até Vang Vieng, e pedi ao Noy para me levar a um sítio porreiro, não muito longe da cidade mas fora da mesma, onde pudesse ter mais sorte em arranjar um carrinho para me levar. O Noy disse que preferia pagar-me o bilhete do que ir levar-me a fora da cidade. Tinha-o dito no dia anterior, mas eu agradeci, e disse que não era preciso. Todavia, neste dia, saímos de casa, ele deixou-me à porta de uma agência de viagens e disse para eu esperar ali, e que o bilehte estava pago. Bem, agradeci, disse até breve, sendo que tinha de voltar para ir buscar o meu passaporte com o visto chinês, e lá fiquei.
              
Entretanto apareceu a tuk-tuk já com alguma malta, levou-nos à estação e lá apanhámos o autocarro. Foi escurecendo, e já era noite quando cheguei a Vang Vieng. Pelo que tinha ouvido dizer, Vang Vieng era onde o pessoal ia cortiré, por isso esperava assim uma cena tio Phuket, cheia de barulho e turistas. Não é algo que me agrade de todo, mas queria experimentar o tubing, e por isso fui. Para minha agradável surpresa, vi que o sítio era bué chill out. Quando chegámos estava a chover, por isso esperei, nas calmas, que amainasse. Quando asism aconteceu, fui caminhando à procura de um sítio barato. Vang Vieng sao três ou quatro ruas cheias de restaurantes e bares ou com música chill-out, ou com shows de Friends, Family Guy ou Simpsons, e quase todos com aquelas mesas baixinhas e colch:oes onde o pessoal se recosta no ócio. Curti a onda.
              
Tinha visto no Lonely Planet que a pensao Maylyn era fixe e barata. Fui procurando, foi escurecendo, cheguei à ponte, tive de pagar para entrar. Ia tirando o computador de vez em quando para ver o mapa, e lá dei com a cena, já o dia se tinha despedido. Parecia fixe, mas era um  bocado isolada (a única do outro lado da ponte, que me parecesse(( e acima de tudo, carota. Voltei para trás, deixei a minha roupa a lavar (quatro quilos((, e finalmente encontrei a AK Guest House, onde pagava cerca de três euros. Não está mal. No dia seguinte encontrei outra onde pagava cerca de dois e pensei em mudar-me, mas acabou por não acontecer. Não me quis dar ao trabalho.
              
Relaxei um bocado no quarto, peguei no computador e fui comer qualquer coisa. Estive aí umas duas horitas e depois voltei para o quarto para encontrar um postal da Lena a dizer: ““Benvindo ao Laos. Estamos no hostel Champa Laos, na mesma rua. Dos teus amigos Lena e Ilias”“, curti a cena.

No dia seguinte acordei sem saber bem o que fazer. Fui primeiro ao hostel da Lena ver se a encontrava, mas não estava lá. Acabei por ir fazer caving, uma cena que curti tanto que até escrevi um texto sobre isso. Segue:

“Hoje acordei, meu quarto de hotel semi-podre em Vang Vieng, no Laos, e não sabia bem o que ia fazer. É o que acontece muitas vezes. Tanto podia ir fazer tubing, como dar uma volta por aí, como esperar que o Hugo chegasse e ver o que queria fazer...
              
Assim, almoçei nas calmas, aluguei uma bicicleta e fui dar uma volta. Queria ir ver onde era o hostel onde a Elena estava para ver se a encontrava. Fui lá mas ela não estava. Tubing? Na, fica p’ramanhã...
              
Ora tinha alugado a bicileta naquele gajo, e não no outro, porque este oferecia um mapa. Fixe. Peguei no mapa feito à mão, uma daquelas folhas fotocopiadas dezoito centenas de vezes, e vi onde queria ir. Ok, atravesso a ponte, sigo, sigo... iá, deve ser isso.
              
Debaixo dos chuviscos, comecei a pedalar. Num instante cheguei à ponte, onde tive de, mais uma vez e estupidamente a meu ver, pagar quarenta cêntimos para atravessar, passei. A caminho o mapa decidiu que já bastava de estar ao serviço de outros, e tentou o suicídio. Apanhei-o antes que o rio o fizesse, e segui caminho. Num instante já não sabia bem onde estava. Eu não sou muito bom a orientar-me (chego de Portugal ao Nepal por terra, de Singapura ao norte do Laos também por terra sem problemas, mas saio de casa, dou duas voltas ao quarteirão e já não sei bem onde estou) e o mapa também não era dos melhores. E até avisava – “not to scale”. Mas ok, continuo a pedalar entre os campos de arroz e duas chavalitas saltam para o meio da estrada a apontar para a gruta. Fixe, é p’ráli.
              
Saio da bicicleta, preparo-me para me por a caminho e digo, com gentileza, às chavalinhas que não ia precisar de guia. Quem, eu? ‘Tás é maluca! Por acaso nem foi mau de todo. O caminho, por outro lado, não foi dos melhores. Mas é daquelas cenas. Tão “nada a ver com nada” que um gajo adora. Demorei p’rai quarenta minutos p’ra fazer um quilómetro, isto porque tinha de me equilibrar como um trapezista para não deslizar na lama entre os campos de arroz e não cair num destes. Num rasgo de esperteza, deixei as havaianas na bicla, e assim sempre era mais fácil. Porque andar de chinelos num sítio onde te enterras em lama até ao joelho é má ideia.
              
Eventualmente lá consegui sair dos campos de arroz. Tive de passar por uns bambus que estavam ali para ajudar a malta, saltar uma cerca e vi um barraco onde estava um maço de tabaco e um sinal a dizer para pagarmos 10000kip, um euro. Mas o gajo não estava lá! Porreiro. Se calhar tinha ido mijar por isso, pé ante pé, passei pelo barraco e segui sempre em frente. Apenas para voltar vinte minutos depois, pois não encontrava gruta nenhuma. O gajo viu-me, veio pedir-me para pagar, e assim o fiz. Depois caminhou e disse para o seguir. Ele caminhava naqueles seixos como se fosse algodão e aqui o europeuzinho sofria um bocado para o acompanhar.
              
Chegámos à gruta. Estava à espera de uma cena aberta, enorme, mas a entrada era do tamanho de meia pessoa. Cinco inglesas estavam a sair.
              
- Que tal?
- Não sei, não chegámos a descer – respondeu uma.
- É assustador, e eu já me estava a sentir zonza – disse outra.
- Eu ainda fui um bocado, com o guia, mas depois, quando ele ‘tava a descer mais p’ra baixo um escadote partiu e voltámos para trás, ele não queria ir mais – disse a terceira.
              
Eu não sabia bem o que pensar daquilo. Por um lado isto só me atraía mais, mas por outro já estava a ficar um bocado cagado. Mas ok, siga. O gajo apareceu, deu-me uma lanterna daquelas que se põe na cabeça mas que levei na mão, e entrámos. Ok, sim, estava a ver porque é que diziam que era assustador. Imaginem sinuosos corredores onde um gajo às vezes tem de passar de lado, pequenas poças de água lamaçenta que nos chega à bacia, subidas por uns escadotes completamente podres... era pior que isso. Tanto que passados os primeiro cinco minutos o gajo disse “vamos voltar para trás”. Estive quase, mas tinha de continuar. Ele nem insistiu, bazou logo e lá fiquei, sozinho, na escuridão. Ele tinha bazado antes de descer o tal escadote cujo degrau se tinha partido. Eu segui com cuidado, aguentando-me nas paredes com os cotovelos, tentando não me armar em campeão. Isto porque o solo era mais escorregadio do que os melhores dias da Cicciolina. O próprio gajo escorregou um par de vezes. Agora imaginem escorregar gruta abaixo e estatelar-se todo num sítio de onde será quase impossível retirar-te assim sem mais nem quê.
              
Quando tentava descer o famoso escadote, foi a minha vez de partir um degrau. Um instante apenas. PAU! Não sei como aguentei-me no seguinte e não deixei cair a lanterna. Só pensava “se esta lanterna cai ou fica sem pilhas o próximo filme do Danny Boyle vai ser sobre mim”. Não é bem o mesmo, mas se a lanterna ficava sem pilhas acho que só no dia seguinte é que aparecia alguém, e nos entretantos eu ficava lá encharcado, enregelado, no breu mais breu que o mundo conhece. Mas estou agora a escrever isto, por isso não aconteceu nada, já se sabe.
              
Segui caminho. Queria voltar para trás, e às vezes desejava que depois da próxima curva acabasse. Mas o curioso, é que não o queria verdadeiramente. Uma pequena parte de mim sim, mas a outra parte de mim, ainda que a parte inteira estivesse toda cagada de medo, queria seguir, e aventurar-me o máximo possível. O meu coração batia fortemente e sentia uma adrenalina como não sentia há anos, e naquele momento senti-me plenamente vivo. Naquele momento eu era os meus sentidos. Era um animal, um inteligente animal que cometia a estupidez de ir a um sítio só porque sim. Comparava com a Europa o que me rodeava. A geografia daquela gruta, os escadotes todos podres e a rebentar e aquele solo escorregadio faria com que nunca se sonhasse em fazer aquela cena sem um guia, ou sem butõezinhos ao longo da gruta onde um gajo pudesse carregar quando em apuros. Concerteza haverá cenas destas, mas off-circuit, imagino. Se houver alguns “cavers” por aí, que me corrigam.
              
Apareceu, entretanto, o que seria a etapa final. Já tinha passado, curvado, por zonas onde a água me chegava à cinta. Mas agora era todo um caminho. Volto para trás ou não? Respirei fundo, com dificuldade, e segui. Nadei um pedaço com cuidado para não deixar cair a lanterna e consegui, era esse o fim. Voltei para trás, tentei dominar-me e continuar a ter cuidado apesar de já ter acabado. Saí cá para fora. Passado meia hora ainda estava a tremer.

Foi, sem dúvida, uma das cenas mais fixes que fiz nesta viagem.”

Quando saí da gruta, descansei um pedaço e voltei à bicla. Fui pedalando sem destino pelas terras cheias de lama. Sempre em frente pelas estradas lamaçentas. Virei à esquerda, deixei-me ir. Passei pelas velhas que vinham do campo, às vezes tinha de parar e encostar-me o máximo possível à berma para as vacas, assustadas, passarem. Estava a adorar aquilo. Estava no campo laociano, e isso era demais. Nao havia ali nada senao lama, vacas, erva, campos e laocianos. Fui seguindo e de vez em quando aparecia uma plaquinha a dizer onde a próxima gruta era. Mas apesar de ter adorado estar na gruta anterior, não sei se me queria meter de imediato noutra. Foi muito fixe, e quero voltar a fazê-lo varias vezes para o resto da minha VIDA, mas naquele momento não me apetecia assim duas se seguida. Mas ok, se aparecesse, se calhar fazia-se.
              
A dada altura tive um orgasmo cénico. Abeiro-me de uma cerca, passo e quando levanto a cabeça vejo dois campos separados por uma estrada de terra. Uma montanha lá ao fundo, vacas a pastar no campo à direita, e outras mais rebeldes no meio a fazer o mesmo. Era tudo tao belo, adorei. Foi daqueles momentos em que um gajo para e só quer congelar aquele momento, apreciar aquela felicidade extrema que se sente.
              
Continuei, entrei no campo, apareceu um senhor. Tinha de pagar cerca de um euro para entrar. Estava a começar a chover e eu tinha a máquina fotográfica comigo. Além disso tinha de devolver a bicicleta brevemente. Estava bem, tinha passado uma grande tarde, e chegava-me naquele momento. Assim, voltei para trás, a custo, pois devia ter deixado a bicicleta logo no início do corte. Ao invés trouxe-a até meio e agora tinha de a empurrar pela subida lamaçenta. Que se lixe.
              
Eu próprio estava todo sujo, cheio de lama. Quando cheguei à vila, andei a passear sem rumo meia hora. Ainda tinha esse tempo de sobra. Chovia um bocado mas já tinha deixado a máquina no quarto. Estava encharcado, mas a fruir de cada segundo. Estava bem pá.
              
Deixei a bicicleta, tomei banho, e fui jantar no restaurante do hostel. Eis que passa a Lena com um rapaz, o tal Ilias. Foi bué de estranho. Passa, olha para mim, eu sorrio, ela sorri, mas vira-se para a pessoa que ia com ela, segreda algo, e continua. Depois param num canto e eu consigo vê-los mais ou menos, e vejo claramente o gajo a espreitar. Passado um bocado seguem caminho, e passado outro bocado aparecem.
              
- Que foi aquilo? – perguntei.
- Ah... fomos nós que... estávamos confusos... – respondeu. Não mordi, e não curti. O meu filme foi que a cena entre ela e o Ilias, também russo, estava a correr bem, e ela não estava muito virada para um terceiro elemento. E, sinceramente, nem sabia, ou sei, se gosto assim muito dela. Não desgosto, mas acho que não temos nada a ver um com o outro, e naquele momento achei que seria forçado fazer um esforço para viajarmos juntos só para não estarmos sozinhos quando não há química nenhuma entre nós.
              
Ficámos ali um pedaço na conversa de chacha, mencionei o tubing, a Lena manda daqueles comentários que já tinha percebido lhe serem característicos tipo ““Já fiz coisas muito mais fixes no rio”“, face à minha descrição do que o tubing me parecia ser. Agora em português parece que ela estava a mandar um comentário sexual, mas não foi nessa onda.Contudo, o gajo estava naquela, e eu fiquei de aparecer no hostel deles no dia seguinte a ver se queria vir. Eles queriam jantar e ela perguntou-me se eu queria ir. Disse ok sem me aperceber, e quando começou a chover fiquei contente e usei isso como desculpa para não ir. Sentia que tinha sido um convite só por convite, mas disse que sim sem querer. E agora me reprimendo, pois podia simplesmente ser honesto e dizer ““pá não porque não curti muito aquele filme de há bocado e fiquei com a sensação que estás aqui só para não parecer mal”“. Ao mesmo tempo estranho, porque hoje, que estou a caminho da China, continua a mandar-me mensagens. Não sei.
              
No dia seguinte, depois de ir ao hostel deles só porque tinha dito que ia, e de não os encontrar, entreguei-me ao tubing.

O tubing foi espectacular. Lindo, muito fixe mesmo. Mas esse dia e o seguinte proporcionaram-me uma experiência incrivel, que vos irá surpreender! Mas isso partilharei mais à frente.

Fiquei em Vang Vieng mais uns dias, e no dia onze de Agosto voltei a Vientiane para ir buscar o meu passaporte.

dezanove e quarenta e quatro-segunda-quinze de agosto de dois mil e onze
algures entre Luang Prabang e Kunming, China

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