segunda-feira, 5 de março de 2012

até Chisinau


Como de costume, quando cheguei a Iasi fui para o McDonald’s para usar a internet. Comprei qualquer cena e enviei uma mensagem ao Codrin, que me teria podido albergar no dia anterior, e ao António, um português que estava lá em Erasmus. Esperei um bocado e nada. Liguei ao António, e ele disse que à partida dava para me albergar.

- Então eu vou esperar mais meia horita para ver se o Codrin me diz alguma coisa, e se não disser e se os teus colegas não se importarem, eu fico aí – disse. Mas o Codrin acabou por ligar. Na altura até fiquei um bocado naquela, porque depois de ter falado com o António achei que ia ser porreiro ficar com erasmus. Mas o Codrin revelou-se um gajo altamente. Veio buscar-me ao aeroporto a desculpar-se por não ter respondido mais cedo, porque tinha tido uma grande festa no dia seguinte e por isso estava a bater uma soneca.

Iá, foi uma noite porreira. O Codrin é informático e vive sozinho. Nos primeiros anos adorava o seu trabalho, mas agora está um bocado farto, pelo que está a tentar criar um empresa com alguns amigos. Uma marca de roupa, para ser preciso, sendo o Codrin a pessoa responsável pelo website e essas cenas. É um gajo de óculos, um metro e oitenta e pouco, magrito, que fala muito rápido e parece ter vários amigos. O pessoal foi chegando a sua casa a pouco e pouco, até que éramos uns doze ou treze. Apreciei o esforço do pessoal em falar inglês, mesmo quando eu não era o interlocutor. Ficámos lá umas horitas e depois fomos para o underground bar. Prefiro noites em que o pessoal está à conversa e só no fim se põe a dançar, mas ainda assim foi fixe. A música estava porreira, só tocava algo azeiteiro uma vez a cada quatro ou cinco.

Apetecia-me ficar mais uma noite, mas já tinha andado para trás e para a frente com a minha anfitriã em Chisinau, na Moldávia, por isso achava chunga adiar outra vez. Assim, pus-me a caminho. Como já era tarde, fui de autocarro – sete euros e meio para quatro horitas. Entrei tranquilo na Moldávia e quando cheguei, depois de trocar dinheiro, fui para o McDonald’s. Desta feita, a internet não funcionava. Mas, como tinha o número da Victoria, pedi a um puto para usar o telefone dele, liguei-lhe e tinha as instruções. Meti-me no microbus e saí onde ela disse. Encontrei-a passados dez minutos.

A Victoria tem vinte e oito anos e trabalha numa organização não-governamental que visa dar mais poder às mulheres. Estudou inglês e francês mas nunca exerceu. É uma rapariga calma, que fala e caminha, e age, no fundo, como se tivesse muito tempo nas mãos, como se cada gesto fosse ondulado e até formoso. O edifício onde vive é mais ou menos como esperava. Muito antigo, com características que dão a entender que muitas coisas foram feitas às três pancadas, como, por exemplo, uma banheira a que uma pessoa com um metro e meio teria sérias dificuldades em aceder, pela beira ser tão alta. Na verdade, estar aqui na Moldávia, ver a maneira como muita gente se veste, ouvir o que dizem acerca da maneira como muita gente pensa, e ver as casas e alguns carros, penso de imediato na imagem que tenho do que Portugal era há vinte, trinta ou cinquenta anos, dependendo do tópico.

Em casa conheci a Marina, jornalista de trinta e um anos que trabalha para um jornal nacional e o Dionis, um jornalista free-lancer que de vez em quando vai à televisão moldava dar a sua opinião sobre política. Passámos umas largas horas à mesa. Bebemos uma garrafa de vinho, jantámos e bebemos p’ra quarenta litros de chá. São pessoal fixe e, pelos vistos, muito mais à frente do que a maioria dos moldavos. Contaram-me como neste país há ainda muito racismo e ser homossexual é uma sentença de ostracização e, muito provavelmente, pancada.

- Em Balti – uma cidada a norte – passaram uma lei que permite às pessoas atacar pessoas que manifestem as suas crenças muçulmanos, ou homossexuais... – diziam-me, para meu espanto e dúvida. Porque uma coisa é discriminação, a velha discriminação que existe na mente de tanta gente e que sobrevive como uma pessoa invisível a manjar numa cantina. Outra coisa é passar uma lei que permita a discriminação. Daí ter dúvidas que seja mesmo assim. De todo o modo, o que é certo é que a igreja, por exemplo, tem um papel activo na ostracização dos homossexuais. Aliás, a igreja tem um forte papel em vários domínios, sendo que os padres chegam a dizer, nas missas, em quem é que o pessoal deve votar.
- E manifestações, como a Love Parade – uma manifestação que visa celebrar o amor e, não o orgulho de se ser gay, como se pensa, mas o orgulho de se ser quem é, signifique isso ser gay ou não – são proibidas... Às vezes fala-se nisso e os skinheads e o pessoal do exército diz “eles que venham, eles que venham...”. Aliás, probiram uma manifestaão Anti-Discriminação em dois mil e oito, tudo porque queriam evitar tensões, e porque a igreja reprova a homossexualidade.

E já agora quero dizer uma cena... há um argumento que eu ouço muito e já aceitei, até pensar melhor. O pessoal diz que cada um pode fazer em casa o que quer, mas que não é obrigado a ver. Assim, o pessoal reserva-se ao direito de, por exemplo, se vir dois homens num bar a dar um, dois ou três beijos, bazar. Ora achando eu que, tanto quanto possível devemos avaliar as nossas acções pensando no que seria se toda a gente agisse como nós, esse pessoal reserva-se então ao direito de humilhar pessoas que manifestam o seu amor, ou simples atracção. Porquê humilhar? Porque se toda a gente fizesse isso, quando dois gays entravam num bar e davam um par de beijos, toda a gente sairia do bar. Como é que essas pessoas se sentiriam? Sentiriam que há outras pessoas que têm direitos básicos que eles não têm.

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