segunda-feira, 12 de março de 2012

Aniversário em Chisinau


Houve, de repente, uma conversa que surgiu assim meio não sei como, e que se tornou em algo mais sério, e em algo com que discordei bastante. Eu estava a falar de pessoal que já tinha nadado o canal da mancha algumas vezes, inclusive pelo menos uma pessoa que nadou vinte e quatro horas sem parar. Eu estava a falar da beleza de se propor um desafio e alcançá-lo, sem ser por nenhuma razão do outro mundo, sem ser por nada senão provar a nós mesmos que conseguimos. E de repente estávamos a falar de riscos, e em como não vale a pena cometê-los. O Kevin, concordando consigo a Marina, achavam que viajar para sítios como a Índia, por exemplo, por ser muito perigoso. O Kevin baseava-se numa doença qualquer, que uma pessoa qualquer tinha apanhado, e que era muito perigoso, e que o que era seguro era não ir e não sei quê. A Marina deu o exemplo da irmã da sua mãe, que tinha morrido aos trinta anos, e ela sabe como a mãe sofreu, daí achar que devemos ter muito cuidado com a nossa VIDA porque não é só a nós que interessa. Isso é verdade, ok... é das coisas que nos corta a liberdade, as relaç:oes humanas, mas é algo que vale a pena. Aliás, acho que não vale a pena estar ligado a absolutamente mais nada. Coisas, países, tradiç:oes, actividades, tudo serve para, numa altura ou noutra, nos cortar as pernas e sobretudo as asas. Acho que só as relaç:oes humanas deveriam ter esse poder. Contudo, tem de haver um peso e uma medida. E deixarmos de viver porque o medo nos governa não é VIDA nenhuma. Pá, lá está, isto, para mim... tenho de me recordar constantemente que as pessoas são diferentes. Mas é a minha maneira de ver as coisas. Fiar-nos que aquilo é mau e aquilo é perigoso só porque nos dizem leva a que vivamos contando apenas com aquilo que temos como garantido e deixámos o factor surpresa passar de validade, estragar, e ir parar ao lixo. Não digo “vamos todos tentar ser raptados” mas digo “vamos lá ver se o Paquistão é mesmo assim...”.

No dia seguinte fomos a uma festa de aniversário. Tinha como ideia ir dar uma volta pela cidade, mas achei que uma festa de aniversário de um puto moldavo de doze anos me parecia uma cena bastante típica em que queria participar. Aliás, é por cenas assim que o couchsurfing tem o valor que tem. Se eu estivesse num hostel até podia arranjar companhia, mas duvido que fosse a uma festa de aniversário de um puto moldavo.

O puto era o Christian, que tinha feito doze anos no dia anterior. O seu irmão era o Marius, de nove anos e a Olessa a mãe, uma rapariga de trinta e quatro anos com um sorriso muito parecido ao da Maggie Gyllenghal. Gostei dela. Às vezes um sorriso diz tudo. Há pessoas que têm um sorriso que nos dizem de imediato que são pessoas bacanas. Foi o que senti com a Olessa. Além disso fez-me uma análise que até andei de lado. Tanto na Roménia como aqui na Moldávia já me perguntaram algumas vezes o meu signo. É uma cena à qual nunca liguei nada. A Olessa disse que acreditava nos temperamentos mas que não acreditava nas prediç:oes. Ora, ou ela é uma miúda muito perspicaz ou baseou-se apenas no que leu sobre capricórnios e isso coincidiu. Ou talvez ambos, não sei...
- Que signo és? – perguntou-me.
- Capricórnio...
- Pois, bem me pareceu...
- Como assim?
- Os capricórnios são pessoas muito calmas e inteligentes. Têm uma personalidade forte e nem sempre dão a sua opinião, se sentem que a outra pessoa não está aberta para a ouvir. Mas apesar disso são pessoas que geralmente têm efectivamente a sua própria opinião... – foi dizendo, lentamente. Ora, eu não sou assim tão reservado quanto a dar a minha opinião. Mas também é verdade que algumas vezes acho mesmo que não vale a pena abrir o bico porque a pessoa já decidiu tudo. Mas tento contrariar esta vontade, porque é um bocado preguiça. É um pau de dois bicos... eu acho-me um gajo sensato, e como tal acho que é a minha responsabilidade, por exemplo, contrariar um racista e tentar fazê-lo ver que está errado. Mas se este é um exemplo bastante lógico e que não deixa muita margem de manobra, há outros em que a “verdade” é mais relativa, e duas pessoas com opini:oes distintas também se podem achar sensatos, e que é a sua responsabilidade dar os seus argumentos a quem quer ouvir.

Foi uma tarde bem passada. Além dos putos, a mãe dos mesmos, eu, a Marina e a Victoria, estava lá também o Dani, um russo que vivia na Moldávia e que tinha conseguido recentemente um contracto qualquer para abrir uma empresa em parceria com uns alemães. Até me pareceu bom moço, mas pelos vistos, disse-me a Victoria mais tarde, é daqueles que acha que os homossexuais deviam morrer todos e cenas que tais. Sei que estou a falar muito disto, mas é que se acho que Portugal está a léguas de onde devia estar no que à tolerância e aceitação diz respeito, entristece-me ver que noutros sítios a situação está muito pior.

Por exemplo... acho que  o racismo é um problema que se tem vindo a resolver com um passo à frente da discriminação homossexual. Assim, quero crer que em Portugal já não é um problema de maior. Neste momento o pessoal trabalha em abrir a sua mente para, entre milh:oes de outras coisas, não achar que pessoas juntas é um problema. Mas, pelo que me parece, isto vai por etapas. Se primeiro há quem diga “não e não”, depois há quem já diga “cada um faz o que quer, mas não pode adoptar... porque depois imagina o que a criança vai sofrer na escola com os outros putos”, ou seja está-se a proibir algo de acontecer só porque há uma expectativa de que outras crianças serão educadas para ver aquilo como errado. Esse é um argumento que ainda se usa em Portugal. Pois ontem à noite vi esse argumento ser usado (não em primeira pessoa, mas contado) acerca de uma pessoa branca e uma preta terem um filho. “Eles podem fazer o que entenderem, mas depois imagina o que vai ser para a criança”. Espero estar a fazer-me entender, porque acho isto importante.

Foi uma tarde calma e porreira. Comemos (bastante) e depois passámos umas três horas a jogar monopólio, que eu venci cheio de dinheiro. Assusta-me pensar que há pessoal que usa aqueles truques que eu usei, enganando outros sem fugir à lei, mas na VIDA real. Mas não me vou p;or a falar disso agora.

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