sexta-feira, 13 de junho de 2014

Tristeza e Despedidas

Aí está ela, a calma tristeza que se veste de velhinho dentro de cobertores quentinhos. A tristeza que posso usar com um sorriso simpático de bom rapaz que sinto que me atribui uma aura diferente. Estou novamente sozinho. De Vale de Cambra a Agadir pedalei em boas companhias, fossem elas do meu pai e avós que me seguiam de carro, amigos que me albergavam, o Kidus que seguia até Sevilha ou o Joel que, ora atrás, ora à frente, pedavala comigo. De Agadir a Dakhla experimentei o deserto sem ninguém, mas rapidamente me vi inserido numa caravana de quatro pessoas com quem passei quase um mês.

Liguei ao Frank há pouco, que me disse que iam ficar mais uns dias em Saint-Louis, a ajudar o Peti a construir um quarto-de-banho para os seus putos. Fiquei contente por eles, por terem a oportunidade de ajudar, fiquei com pena de não lá estar, e fiquei com pena de, afinal, já não ter amanhã a companhia do Danny e da Justine. Este sítio é melhor com companhia. Será demais dizer que qualquer sítio é melhor com companhia?
                
Hoje, quando acordámos, o Peti disse para ficar mais um bocado. Depois o Diau. Resisti ao impulso de dizer “Tenho de ir”, não seria verdade. “Tenho um longo caminho pela frente, vou hoje”. Queria ficar, queria vir, queria ficar, queria vir. Arranjei as minhas coisas, tirámos a fotografia de grupo, arrastei a bicicleta pelas ruas de areia do bairro do meu anfitrião, e chegámos à encruzilhada. “Para dizer adeus nós despedimo-nos com a mão esquerda, porque quer dizer que nos vamos voltar a ver”.
                
Abraço ao Frank, com quem tinha combinado um encontro realista na noite anterior, depois de quatro ou cinco cervejas. “Não vou dizer que vou de propósito ao Canadá ter contigo, isso talvez não seja realista... Mas podemos combinar que, se não estivermos muito longe um do outro, podemos fazer o esforço de nos encontrarmo-nos”.
                
Beijo e abraço de “Vemo-nos amanhã”, à Justine.
                
Abraço ao Danny. “Eu queria ir hoje, mas a Justine queria ficar mais tempo...”. O canadiano volta-se para ir embora e, talvez prevendo que, afinal de contas, não nos veríamos no dia seguinte, volta a ver-me de frente, e entrega-me um ovo azul com o que parecem ser missangas no interior e um papel, tudo mais ou menos embrulhado num aperto de mão. “É melhor dar-te isto agora, porque nunca se sabe...”.
                
Sem ler aquele papel percebi que o que sentia por ele era mútuo. A pedalar para cada vez mais longe pensava nas conversas que tínhamos tido, na curiosidade espetacular dele e vontade em ser cada vez uma pessoa melhor, e pensava, com um sorriso, nas coisas que tínhamos em comum.

- Quando eu era puto, e ainda hoje, tenho de confessar... queria mesmo, um dia, salvar uma VIDA! – dizia, duas noites antes, caminhávamos para um bar perto do bairro do Peti.
- Eu também! – respondi, entusiasmado e até meio aliviado por ouvir outra pessoa a dizer o mesmo – Para mim acho que é porque... hum... eu quero muito ser... bom... fazer algo de bom no mundo... e acho que salvar uma VIDA é o epítome disso! É real, dá para ver, não há volta a dar! E para ti?
- É isso – respondeu o barbudo, com um sorriso.

Pensava nas horas que perdêramos a jogar ao “preferes”, por exemplo, “ter um pelo na garganta para sempre e estar sempre aham, aham ou ter um grão de areia debaixo da pálpebra?” e em como ele finalmente tinha encontrado um “preferes” ao qual eu não queria responder, e pensei que não leria já o papel. Queria lê-lo quando realmente dissemos o nosso hasta luego. Mas, sentei-me aqui neste sofá de padrão de zebra e, pensando que o Frank tinha dito que eles iam ficar, abri o papel.

A little bit like the domino story, this one has some magic too. An old lady from Canada gave it to me in Peru. She told me that the egg was a traveler, but it’s one that travel through friendship, love, inspiration and beauty (as a poetic form) instead of incredible scenery, landscape and countries.
I once inspired that lady while talking through complete nights about everything, nothing, us, them, all.
I’ll always remember her, Always!
I’ll remember you too! We certainly talked and I’ve been touched, but also by our silence, by yours… the way you act, you think… I learned!
THANK’S BOY! BIG LOVE
DAN

E é isto! As pessoas são tão espetaculares que às vezes apetece-me chorar! Gosto disto tudo, pá! Apetece-me bater nas teclas o mais rápido possível e escrever à sorte qualquer coisa só para explicar o quanto as pessoas me movem, o quão felizardo me sinto agora mesmo por ter oportunidade de habitar estes mundos todos, cada um nas mentes que populo aqui e ali. Estou forte, sinto-me forte. Ouço uma música que também mexe em mim, e sinto que o que trago cá dentro, o amor que sinto pelos amigos de longa data e pelos que ainda não conheci me oferece um escudo contra qualquer infortúnio que possa vir no meu caminho daqui ao Cabo da Boa Esperança, daqui ao fim da VIDA. O amor faz-me sentir intocável. Não me convence, realmente, de que ninguém me pode fazer mal, mas convence-me de que nada, nem ninguém, me pode quebrar. O amor faz-me forte, de dentro para fora e isso, por sua vez, deixa-me pasmado... pois como pode algo invisível fazer alguém ver tão bem?

Não me quero nunca fechar ao amor.

O amor não é finito.

Como sou assim, às vezes as pessoas não me levam a sério. Como tendo a gostar de tudo e de toda a gente, as pessoas às vezes desvalorizam o que por aqui vai. Porque se eu tendo a gostar de tudo e de todos, então na verdade não é assim tão especial se digo que gosto muito delas. E isto, passando o debate que tal suscita, deixa-me um bocado triste. Não me deixa deprimido, mas deixa-me triste pela necessidade que as pessoas têm em se sentirem especiais toldar a visão de algo que, não obstante invisível, está ali mesmo à frente.

Porém, gosto de ser assim. Gosto de gostar da gente. A minha VIDA é mais fácil, é mais colorida e é isso que me faz mais forte. Gosto de gostar das pessoas e de lhes dar oportunidades para mudarem para melhor. Gosto de pensar que se elas foram parvas para mim uma vez isso não faz delas parvas, e se delas parvas fizer por serem comportamentos repetidos, parvas para sempre não têm de ser. Gosto de acreditar que podem mudar, pois se a mudança é algo que ocupa a minha mente constantemente, e se quero ser melhor hoje do que há uns dias, quem seria eu se às outras pessoas isso não permitisse?

Ah, estou bem! Já nem estou com aquela tristeza velhinha. A música passou de Kooks para Dresden Dolls para James para Amiina, sempre passeando pelas calminhas, e agora toca Lua, do Pedro Abrunhosa, numa viagem no tempo para quando era outra pessoa. Disse, na brincadeira, ontem, que aquele puto foi outro puto. Mas parece verdade. Tenho saudades daquele puto, e tenho grandes memórias dele. Quando penso na minha infância vejo tudo com um carisma e uma temperatura que me faz sentir bem. Bem, sinto-me bem, e isso faz-me querer escrever sobre tudo...

21h47, 4ª, 23-4-14

Zebrabar, Senegal



1 comentário:

  1. Felizmente...já és (com o devido voluntarismo) um coleccionador (i)nato dos encontros e desencontros típicos de quem 'convida' (nas acções) a que se sucedam. Já tens (diz que é uma espécie de) vacina contra a 'maleita' dos muitas bifurcações que se seguem. Porque levas (contigo) um bocadinho dos outros, e eles (consigo) um teu, também. Até ao próximo encontro.

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