Aí está ela, a
calma tristeza que se veste de velhinho dentro de cobertores quentinhos. A
tristeza que posso usar com um sorriso simpático de bom rapaz que sinto que me
atribui uma aura diferente. Estou novamente sozinho. De Vale de Cambra a Agadir
pedalei em boas companhias, fossem elas do meu pai e avós que me seguiam de
carro, amigos que me albergavam, o Kidus que seguia até Sevilha ou o Joel que,
ora atrás, ora à frente, pedavala comigo. De Agadir a Dakhla experimentei o
deserto sem ninguém, mas rapidamente me vi inserido numa caravana de quatro
pessoas com quem passei quase um mês.
Liguei ao Frank há
pouco, que me disse que iam ficar mais uns dias em Saint-Louis, a ajudar o Peti
a construir um quarto-de-banho para os seus putos. Fiquei contente por eles,
por terem a oportunidade de ajudar, fiquei com pena de não lá estar, e fiquei
com pena de, afinal, já não ter amanhã a companhia do Danny e da Justine. Este
sítio é melhor com companhia. Será demais dizer que qualquer sítio é melhor com
companhia?
Hoje, quando
acordámos, o Peti disse para ficar mais um bocado. Depois o Diau. Resisti ao
impulso de dizer “Tenho de ir”, não seria verdade. “Tenho um longo caminho pela
frente, vou hoje”. Queria ficar, queria vir, queria ficar, queria vir. Arranjei
as minhas coisas, tirámos a fotografia de grupo, arrastei a bicicleta pelas
ruas de areia do bairro do meu anfitrião, e chegámos à encruzilhada. “Para
dizer adeus nós despedimo-nos com a mão esquerda, porque quer dizer que nos
vamos voltar a ver”.
Abraço ao Frank,
com quem tinha combinado um encontro realista na noite anterior, depois de
quatro ou cinco cervejas. “Não vou dizer que vou de propósito ao Canadá ter
contigo, isso talvez não seja realista... Mas podemos combinar que, se não
estivermos muito longe um do outro, podemos fazer o esforço de nos
encontrarmo-nos”.
Beijo e abraço de
“Vemo-nos amanhã”, à Justine.
Abraço ao Danny.
“Eu queria ir hoje, mas a Justine queria ficar mais tempo...”. O canadiano
volta-se para ir embora e, talvez prevendo que, afinal de contas, não nos
veríamos no dia seguinte, volta a ver-me de frente, e entrega-me um ovo azul
com o que parecem ser missangas no interior e um papel, tudo mais ou menos
embrulhado num aperto de mão. “É melhor dar-te isto agora, porque nunca se sabe...”.
Sem ler aquele
papel percebi que o que sentia por ele era mútuo. A pedalar para cada vez mais
longe pensava nas conversas que tínhamos tido, na curiosidade espetacular dele
e vontade em ser cada vez uma pessoa melhor, e pensava, com um sorriso, nas coisas
que tínhamos em comum.
- Quando eu era puto, e ainda hoje, tenho de
confessar... queria mesmo, um dia, salvar uma VIDA! – dizia, duas noites antes,
caminhávamos para um bar perto do bairro do Peti.
- Eu também! – respondi, entusiasmado e até
meio aliviado por ouvir outra pessoa a dizer o mesmo – Para mim acho que é
porque... hum... eu quero muito ser... bom... fazer algo de bom no mundo... e
acho que salvar uma VIDA é o epítome disso! É real, dá para ver, não há volta a
dar! E para ti?
- É isso – respondeu o barbudo, com um
sorriso.
Pensava nas horas que perdêramos a jogar ao
“preferes”, por exemplo, “ter um pelo na garganta para sempre e estar sempre aham, aham ou ter um grão de areia debaixo da pálpebra?” e em como ele finalmente
tinha encontrado um “preferes” ao qual eu não queria responder, e pensei que
não leria já o papel. Queria lê-lo quando realmente dissemos o nosso hasta
luego. Mas, sentei-me aqui neste sofá de
padrão de zebra e, pensando que o Frank tinha dito que eles iam ficar, abri o
papel.
“A little
bit like the domino story, this one has some magic too. An old lady from Canada
gave it to me in Peru. She told me that the egg was a traveler, but it’s one
that travel through friendship, love, inspiration and beauty (as a poetic form)
instead of incredible scenery, landscape and countries.
I once inspired that lady while
talking through complete nights about everything, nothing, us, them, all.
I’ll always remember her, Always!
I’ll remember you too! We certainly
talked and I’ve been touched, but also by our silence, by yours… the way you
act, you think… I learned!
THANK’S BOY! BIG LOVE
DAN”
E é isto! As pessoas são tão espetaculares
que às vezes apetece-me chorar! Gosto disto tudo, pá! Apetece-me bater nas
teclas o mais rápido possível e escrever à sorte qualquer coisa só para
explicar o quanto as pessoas me movem, o quão felizardo me sinto agora mesmo
por ter oportunidade de habitar estes mundos todos, cada um nas mentes que
populo aqui e ali. Estou forte, sinto-me forte. Ouço uma música que também mexe
em mim, e sinto que o que trago cá dentro, o amor que sinto pelos amigos de
longa data e pelos que ainda não conheci me oferece um escudo contra qualquer
infortúnio que possa vir no meu caminho daqui ao Cabo da Boa Esperança, daqui
ao fim da VIDA. O amor faz-me sentir intocável. Não me convence, realmente, de
que ninguém me pode fazer mal, mas convence-me de que nada, nem ninguém, me
pode quebrar. O amor faz-me forte, de
dentro para fora e isso, por sua vez, deixa-me pasmado... pois como pode algo invisível
fazer alguém ver tão bem?
Não me quero nunca fechar ao amor.
O amor não é finito.
Como sou assim, às vezes as pessoas não me
levam a sério. Como tendo a gostar de tudo e de toda a gente, as pessoas às
vezes desvalorizam o que por aqui vai. Porque se eu tendo a gostar de tudo e de
todos, então na verdade não é assim tão especial se digo que gosto muito delas.
E isto, passando o debate que tal suscita, deixa-me um bocado triste. Não me
deixa deprimido, mas deixa-me triste pela necessidade que as pessoas têm em se
sentirem especiais toldar a visão de algo que, não obstante invisível, está ali
mesmo à frente.
Porém, gosto de ser assim. Gosto de gostar
da gente. A minha VIDA é mais fácil, é mais colorida e é isso que me faz mais
forte. Gosto de gostar das pessoas e de lhes dar oportunidades para mudarem
para melhor. Gosto de pensar que se elas foram parvas para mim uma vez isso não
faz delas parvas, e se delas parvas fizer por serem comportamentos repetidos,
parvas para sempre não têm de ser. Gosto de acreditar que podem mudar, pois se
a mudança é algo que ocupa a minha mente constantemente, e se quero ser melhor
hoje do que há uns dias, quem seria eu se às outras pessoas isso não
permitisse?
Ah, estou bem! Já nem estou com aquela
tristeza velhinha. A música passou de Kooks para Dresden Dolls para James para
Amiina, sempre passeando pelas calminhas, e agora toca Lua, do Pedro Abrunhosa,
numa viagem no tempo para quando era outra pessoa. Disse, na brincadeira,
ontem, que aquele puto foi outro puto. Mas parece verdade. Tenho saudades
daquele puto, e tenho grandes memórias dele. Quando penso na minha infância
vejo tudo com um carisma e uma temperatura que me faz sentir bem. Bem, sinto-me
bem, e isso faz-me querer escrever sobre tudo...
21h47, 4ª, 23-4-14
Felizmente...já és (com o devido voluntarismo) um coleccionador (i)nato dos encontros e desencontros típicos de quem 'convida' (nas acções) a que se sucedam. Já tens (diz que é uma espécie de) vacina contra a 'maleita' dos muitas bifurcações que se seguem. Porque levas (contigo) um bocadinho dos outros, e eles (consigo) um teu, também. Até ao próximo encontro.
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