sábado, 21 de maio de 2011

Rishikesh


Último dia em Rishikesh, tranquilo. São nove da noite, estamos no terraço do Buddha Café à espera de pedir a comida. À minha direita as damas miram os seus menus, à minha frente dança o Ganges ao som dos cânticos vindos sabe Vishnu donde. Estão cerca de vinte e cinco graus, talvez um bocadinho mais, sinto-me cansado mas relaxado. Estou bem, estou fixe, com calma dentro de mim e daqueles dias que me assaltam e me dizem que podia fazer isto para sempre – andar sempre por aí, ora nas calmas, ora a cortiré, mas sempre bem, e sempre com um futuro tão longo quanto os sonhos de uma criança.
               
As miudas já se aclimatizaram. Os estômagos já não se queixam tanto (se bem que é certo que não se têm aventurado com comidas locais) e as temperaturas já não as esganam (se bem que escapámos para o fresco das montanhas). Éramos para ir mais para norte um bocado, mas ficava muito longe de Delhi, onde a Graciete tem de estar dia 23 de manhã. Depois éramos para ir para sul, mas esse “sul” também ficava mais longe de Delhi, e assim ficámos cá mais um dia e seguimos amanhã para a capital indiana, onde nos deixaremos ficar uns dias. Quem sabe cortiré, que também faz falta!

Pushkar foi muito fixe. Acho que na  noite de dia 14 vimos o Into The Wild, filme que eu tinha já visto em 2008, e que deu origem a uma conversa interessante. Para quem não viu este filme que conta a estória verídica do Chris, o gajo desaparece, e vai viajar. Assim. Por mais razões que ele possa ter tido, aquilo com que não concordo é que não tenha dito a ninguém onde estava, ou para onde ia. Isso é a liberdade total, é certo, mas é uma liberdade que vem com um custo injusto, que é o sofrimento do não-saber dos seus entes queridos. Acho que se ele lhes tivesse deixado uma nota a dizer “Vou partir, não quero ser encontrado, vou estar bem.”, algo assim, apesar da diferença ser mínima, já cabe melhor no meu entendimento. Mas quanto ao partir, em si, porquê criticar ou até recusarmo-nos a entender? Nós temos de seguir a nossa felicidade, porque tanto quanto sabemos só temos uma VIDA. Temos de perceber que as coisas boas, as coisas fixes, loucas, radicais, de sonho, não têm de ser apenas para os outros, mas que estão ao nosso alcance, mesmo na nossa mão. Tenho vindo a dizer, e acredito plenamente, que somos o nosso maior obstáculo. Quando nos atrevemos a pensar em algo um pouco fora do normal, somos os primeiros a pensar nas mil e uma razões pelas quais não devíamos fazer aqui. Se ainda assim não nos convencemos a nós próprios, basta pôr a ideia em hasta pública, numa amena cavaqueira com amigos, e chovem razões para não fazer isto, para ter cuidado com aquilo. E assim já ficamos mais descansados, convencidos de que, realmente, não havia nada a fazer.
               
É possível dizerem que quando o Chris partiu, não pensou na felicidade dos pais, ou da irmã. Mas eu acho que isso é uma falácia de todo o tamanho! Idealmente, nós deveríamos querer as pessoas de quem gostamos felizes. Já está. Querê-las perto é egoísmo. Os pais dele se calhar preferiam-no perto e conformado a uma sociedade que ele não aprovava, do que livre, a sorrir, e feliz. E que tipo de amor é este? Entendo, mas não aceito. Mas isto escapa com uma pinta terrível! E frustra-me que se aceite tão bem que pais manipulem os filhos a ficarem pertinho de si e se calhar a condená-los a uma VIDA que até pode ser boa, mas que não é a VIDA sonhada, tudo a troco de terem o coraçãozito mais descansado. As coisas não têm de ser sempre assim, mas acho que se falar desta forma, talvez por vezes exagerando um pouco, me faço entender melhor – ainda que antecipe a discordância no coração de cada pai, ou mãe, que lê isto.
               
No que diz respeito a relações amorosas é um caso diferente. E tenho consciência de que tudo isto é muito complicado, que estas conversas que implicam a nossa felicidade misturada com a dos outros é uma embrulhada total nem sempre fácil de resolver. Em relações amorosas tem que haver um equilíbrio que nem sempre é fácil de encontrar. Um equilíbrio entre a nossa felicidade e a da outra pessoa. Acho que por vezes entregamo-nos a fazer o que é suposto simplesmente porque é suposto e depois há um ressentimento pela outra pessoa que nem uma VIDA cura. Quando fazemos o que é suposto porque o queremos fazer, há uma naturalidade que não deixa mazelas. Quando parti, parti com a ideia de andar 8 meses. Mas rapidamente percebi que poderia andar por tempo indeterminado, até que o dinheiro se acabasse. Ainda podia andar três ou quatro anos, se gastasse como tenho vindo a gastar. Mas, a menos que alguma oportunidade espantosa apareça, quero voltar, para estar por Portugal, perto de quem quero estar perto.

Dia 16 de Maio deixámos o conforto e o relax de Pushkar. Mudámos de ideias duas ou trÊs vezes. Éramos para ir para Dharamsalam, mas depois ficava longe de Delhi para a Graciete, depois pensámos em ir para Udaipur e daí para as montanhas. Bem, no final, porque o gajo do hostel disse que era fixe, mandámo-nos para Rishikesh. A viagem não foi das melhores. O gajo do hostel tinha dito que podia comprar os bilhetes e eu disse “’tá tudo”. Mas como demorámos a decidirnos acabaram os sleepers e só havia bancos normais, e um bocadito mais caro. Disse “ok”, o gajo foi buscar os bilhetes, mas depois quando chegámos à estação percebemos que havia bué de opções, um bocadito mais barato e até com sleeper. Paciência, lesson learned.
               
Depois o pior foi o gajo atrás de nós que não queria que baixássemos o encosto. Paciência. Lá percorremos o caminho e passado umas quize horas estávamos em Haridwar. Daí apanhámos uma rickshaw para a estação de autocarros, esperar meia hora, apanhar um autocarro de uma hora, depois outra rickshaw e estávamos em Rishikesh! Eu estava fixe porque já me adaptei a estas andanças e sou capaz de bater uma sonequita todo torto ali no chão, mas a Graciete estava estafada e a Sofia praticamente morta. Almoçamos e fui procurar hosteis. Tudo no mesmo preço, mais ou menos. Andei p’rai uma hora e depois acabámos por ficar num que estava ali mesmo ao lado do restaurante. Se o méne tivesse aparecido mais cedo tinha-me poupado a esticada.
               
Dormimos umas horitas e depois fomos jantar. Rishikesh tem dua spartes Laxmanjula e Ramjula, sendo a primeira onde nós estávamos e a mais fixe, aparentemente. Não é tão sossegado quanto Pushkar mas há uma certa paz no ar que não se encontra nas cidades indianas. Bem, Rishikesh não é uma cidade... Tem o Ganges no meio, uma ponte a ligar os dois lados, de onde se pode ver a natureza a acomodar o pessoal e as suas habitações. Não fossem as lixeiras que aparecem de vez em quando, podia dizer-se que o homem se acomodou bem à natureza ali. Tenho que dizer que, na generalidade, o povo indiano não respeita a sua terra. Acho que em Portugal era assim há umas dezenas de anos... mete-me impressão a naturalidade com que mandam garrafas de plástico, embalagens ou seja o que for para o chão. Quando estava no hotel na descontra sentado numa cadeirita a ver o rio, de vez em quando voava uma garrafa das janelas para... fosse onde fosse que caísse, que interessa?
               
Nessa noite encontrámos um restaurante que servia comida ocidental, algo mais fácil de cair no estômago das miudas, e ficou o “nosso” restaurante, com uma vista porreira e um clima agradável.
               
O dia seguinte foi muito porreiro. Como todos os dias em Rishikesh, arrisco dizer. Almoçamos na boa, e depois fomos numa caminhada até uma cascata. Não sabíamos bem onde era, por isso fomos perguntando à medida que íamos avançando. Paravamos aqui e ali para descansar ou tirar umas fotos e passado p’rai três horas eu estava debaixo de uma corrente de água incrível, às seis da tarde, no meio de um mato, na Índia. Lindo. Quando voltámos jantámos no Holly Place. Incrível como, uma vez que o sol se põe, a actividade na vila pára. Há uns estabelcimentos aberto e tal, mas não tem nada a ver com o qeu se passa durante o dia. E depois das onze esquece, a vila morreu.
               
Na quarta passámos a tarde na praia fluvial e durante a noite explorámos um bocado do outro lado do rio, com mais actividade, mais pessoal e restaurantes porreiros. Sexta-feira fomos ver a outra cascata, que acabou por ser mais fixe que a primeira. A Sofia estava um bocado cansada e ficou pela vila, e eu a Graciete lá fomos. Apanhámos uma boleia para não ter de trepar a estrada que nos levaria até à estrada principal, e daí caminhámos quase uma hora. Pagámos 25 rupios à associação florestal e metemo-nos floresta adentro. Muito fixe. Dava para ver que os indianos tentaram tornar aquilo num sítio agradável e todo pax pix, mas deve ter havido um terramoto ou um deslizamento de terras e aquilo estava tudo em pantanas, o que para mim até fazia com que ficasse mais fixe. lembro-me agora duma triste qualquer que, após o tsunami no sudeste asiático disse que até era bom porque ia ver as coisas mais ao natural e não sei quê... não é na mesma onda que falo. Parecia um sítio abandonado, entregue à natureza que se sentiu livre de fazer o seu trabalho. Então apareciam bancos no meio de um caminho à frente de uma árvore, cadeirinhas e parasois de cimento rodeados de troncos cortados e pedras, uma selvajaria porreira.
               
Gostei muito de lá ter estado. Ficámos uma horita na boa, na descontra, comuma vista espetacular. Quando te baixavas e vias o horizonde ao nível da água, parecia que a seguir ao laguito onde nadavas havia uma escarpa de um quilómetro. Muito fixe. Passámos a noite no restaurante onde comecei a escrever este texto.
               
Agora estou em Delhi. Apanhámos ontem um autocarro meio podre e passado 8 ou 9 horas cá estávamos. Somos sempre os únicos estranjeiros nos autocarros. Que se lixe o ar condicionado. É mais barato assim e vamos com os verdadeiros indianos, sem frescuras de “ai ‘tá calor e não sei quê”.
               
Tínhamos mandado uns quinze pedidos no couchsurfing e houve um gajo que mandou mensagem à Graciete. Não foi fácil fácil encontrar a sua casa... um méne ofereceu-se para nos ajudar, ligo ao cozinheiro do anfitrião (como o próprio tinha sugerido), lá nos disse para apanharmos este e aquele metro, e quando chegámos a Nehru Place foi preciso outro méne ligar. Depois apanhámos um taxi um bocado caro e chegámos. Bem, um gajo a modos que ficou impressionado com o sítio. É uma zona daquelas cheias de seguranças e mais tarde fiquei a saber que é aqui que vivem os consuls, embaixadores, essas tretas todas.
               
O Gautan não estava aqui por isso fomos recebidos pelo seu cozinheiro. O gajo chegou, já tínhamos tomado banho e metemo-nos à conversa na sala. Tem 47 anos e é rico que tolhe. Esta casa vale cinco milhões de dolares, disse-nos. Parece um gajo fixe, com algumas ideias das quais discordo. Como no que diz respeito à colonização, por exemplo, ele defendia os colonizadores. Que eram outros tempos e não sei quê. Não me lixem, humanidade é humanidade, certo é certo e errado é errado. Matar e impor é errado, respeitar é certo. E isto é tão certo, e tão errado, hoje em dia, como era na altura, por isso não me venham com “não podemos julgar com os olhos de hoje os erros do passado”. O mesmo em relação a África. Falou muito de economia e às vezes sentia que discordava mas tinha de me calar porque era uma sensação de que algo ali não fazia sentido, não tinha os argumentos para provar que estava errado. Errado para mim, claro. Às vezes é assim... um gajo está a falar de cenas que não domina tão bem, e sabe que há ali algo a apontar, mas não sabe como...
               
Entretanto apareceu uma polaca. Ia escrever “mulher polaca”, mas soa-me mal. Que estranho. Conheceram-se através do couchsurfing e deu-me a enteder que se passa algo entre eles. Ela trabalha para a Carlsberg mas está ligada a ONGs aqui também. Uma deles tem como objectivo criar pensos higiénicos sem impacto ambiental e baratos para que as mulheres nas zonas rurais possam usar, em vez de usar lá as cenas tradicionais que as deixam cheias de infecções.
               
Hoje é Sábado, gostava de cortiré!

11h30-s-21-5-11
New Delhi, India

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