quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Até Madrid


Estou com uma moca de sono terrível. O dia foi longo. Acordámos hoje às seis da manhã, dispostos a mandarmo-nos estrada fora com a primeira pessoa que nos quisesse receber. E a primeira que o quis não o pôde, porque ia para um sítio diferente, mas que mandou grande estilo, mandou. Saímos de casa da Graciete, saltamos uma cercazita, aparecemos no passeio assim de repente, vindos de um relvado íngreme e o João estica o polegar para a primeira carrinha que aparece. Que pára! Pá imagina a cena! Naquele momento tivemos cem por cento! Depois acabou-se. Os gajos iam para outro sítio. Lá caminhámos um bocado, com a placa a dizer “España” e por lá ficámos umas três horas, ora com os polegares de cada no ar, hora a alternar entre as leituras de Salinger e a nossa vez de tentar a sorte. Nada feito.

- Vai para Espanha, ou Elvas, ou para esses lados?
- Não, vou para Urras – foi o melhor que conseguimos, de uma roliça senhora que abrandou para nos ouvir. Pois eis que apareceu a salvadora, no seu Válter (o clio) cinzento, e apanhámos a nossa primeira boleia, com muita batota à mistura. A miuda Graciete levou-nos até à última estação de serviço antes de Espanha e por aí ficámos. É mais fácil falar com as pessoas, perguntar para onde vão e depois pedir. Assim eles vêem que não somos uns psicomaníacos com facas sangrentas nos bolsos de trás das calças. É irónico. O pessoal não anda à boleia porque tem medo de quem a possa dar que possa ser dos maus. E o pessoal dá boleia porque tem medo de apanhar um dos maus. Ia dizer que nos baseamos em casos raros para estabelecermos os nossos padrões de paranoia total, mas nem isto se apropria sendo que nem sequer me lembro de ouvir estória alguma de problemas com boleias em Portugal. Nos filmes, certamente. Mas de todo o modo... as desculpas dos senhores desdobravam-se em:

a) e se temos um acidente como é com o seguro? – aqui, por acaso esquecemo-nos de dizer que até temos seguro de viagem;
b) não vou para aí!
c) o carro é da empresa e não me deixam levar ninguém!
d) só tenho um lugar.

Pois um gajo começou a topar a cena. E decidimos eliminar a alínia d). O João já tinha andado por aí e tinha tido mais sorte do que aquela que estávamos a ter. Tínhamos de nos separar para facilitar a cena. Para decidir quem ia na primeira boleia mandámos moeda ao ar e calhou ao rapaz, que lá foi com um senhor que tinha acabado de invocar a desculpa d). Aqui passou-se algo interessante dentro de mim. Quando o João bazou senti-me logo diferente. O nível de adrenalina subiu um pouco. É interessante isto. Se algo tiver de acontecer, o mais provável é que aconteça. Mas o simples facto de estarmos sozinhos, ainda que nada impeça, muda as coisas. A par disto, há um sentimento de aventura maior. Não digo que prefiro andar sozinho, porque não prefiro, mas digo que, a ter de ser, não me importo. E assim estava eu a ler o meu Salingerzinho quando avisto um camião a parar.

- Olá, bom dia.
- Bom dia.
- Você vai para a Espanha?
- Vou.
- Não me pode levar?
- É pá... poder posso... – pausa.
- Eu sou um bom rapaz! – sorrio.
- Mas se aparece a polícia pá...
- É tranquilo, um amigo meu  acabou de apanhar boleia de um colega seu agora – menti.

- ‘Tá bem - e passados vinte minutos estava na minha primeira boleia, e pela primeira vez num camião! O sr. Fernando ia até Saragoça e entretanto mandei mensagem ao John a perguntar se valia a pena ir até Madrid ou não, ao que ele respondeu afirmativamente. O problema é que agora, neste momento, à 1h30 local estou em casa da Audra e não sei onde ele está! Deve ter havido um mal entendido qualquer e ele acabou por ficar perto de Badajoz, assim o li a meio da minha viagem. A ideia original era ir até Talaveras de la Reina, por isso espero que por aí esteja(s) agora.

Passados quatrocentos quilómetros o sr. Fernando deixou-ne na última estação de serviço antes de Madrid. Saí do camião, dirigi-me a um carro.

- Te vas a Madrid?
- No.
- Gracias – e depois a outro.
- Te vas a Madrid?
- Si.
- Puedo ir contigo?
- Si – e lá fui com o Esteban, numa boleia que me demorou três minutos a arranjar. Espero que não seja sorte de principiante, mas tipo... uma norma! Algo super comum! Pois sim...

Cheguei, janteo com a Audra, que me tinha albergado três anos antes em Bratislava e Juan, se namorado, e passado uma horita fomos beber as canecas de quarta-feira a um euro no bar dos montaditos. O João ainda mandou mensagem a perguntar a morada, o que me deixou a pensar que talvez ainda aparecesse, mas nada feito.

Hasta luego!
1h35-4ª-26-1-11
Madrid

PS - Sinto-me bué trôpego com esta moca de sono, nem me organizo direito! Que cena, ahah!

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