domingo, 1 de abril de 2012

Em Casa do Bill em Chisinay


Quando cheguei de Orhei Vecchi fui buscar as minhas cenas a casa da Victoria e depois fui ter com o Bill. Estava meio perdido quando entrei num bar a pedir direcções. Um rapaz acabou por me levar lá de carro, o que é sempre porreiro.

O Bill é um americano de Chicago de vinte e oito anos que, pelo seu cabelo ruivo, parece um inglês. Vive sozinho numa casa enorme, com duas salas de estar, uma cozinha, escritório e dois quartos. Diz que os duzentos euros que paga por aquela casa é baratinho porque é de um amigo dele ou uma cena assim. O preço normal seriam trezentos, ou por aí, o que é impressionantemente barato. Imagine-se um casarão a dez minutos a pé do Rossio em Lisboa por trezentos euros...

Sentámo-nos na cozinha com um copo de vinho caseiro moldavo. Curto muito o vinho moldavo, especialmente os vinhos caseiros que bebi. É um gajo muito porreiro, o Bill, e com quem se pode conversar muito tempo sobre um pouco de tudo. Advém de uma família que teve bastantes dificuldades mas que conseguiu que todos os seus filhos seguissem o caminho que quiseram seguir. O Bill tem curso de contabilidade. Esteve um ano em Budapeste e agora está a fazer investigação em Chisinau ao abrigo de uma bolsa de estudo e dá também aulas numa universidade.

- A primeira coisa que disse aos meus alunos foi que o sistema dos envelopes para boas notas não ia funcionar comigo... – dizia.
- Como assim?
- Aqui o pessoal compra as notas. Dão envelopes aos professores. Até há uma espécie de escala... quanto mais dinheiro, melhor a nota.
- Mas... como... como é que isso é possível?
- Olha, é assim... na Ucrânia é pior. Um amigo meu esteve lá e disse que em algumas universidades até há uma gaveta com pastas com os nomes dos professores onde os alunos põem o dinheiro. Uma gaveta só com esse propósito, já viste?... – não, não vi. Que loucura. E estou neste momento num comboio na Ucrânia e um amigo do meu anfitrião acabou de o confirmar. Perguntou-me como era o sistema de educação em Portugal e eu disse que não lhe sabia dizer muito bem porque não tinha muito com que comparar. Ele depois disse que perguntava precisamente acerca disso... se em Portugal também era assim.

Falámos um bocado acerca do racismo que ainda subsiste muito mais do que chega até nós, e falámos do sistema capitalista em que vivemos, ambos com muitas reservas mas nem por isso com uma solução melhor, até que fomos dormir. Curti o chavalo.

Tirei o dia seguinte para não fazer nada em especial. Acordei à hora que me apeteceu, dei uma volta pela cidade, e estacionei num restaurante com internet para escrever um bocado. Era véspera do dia um de Março, e o Bill tinha sido convidado para casa da Larissa para fazer umas ceninhas que costumam fazer neste dia. É que no dia um de Março eles começam a celebrar a primavera. Um bocado cedo, mas talvez seja para dar esperança. Então a ideia nessa noite era o pessoal trazer uns snacks e uma bebida ou algo assim, juntar-se todo em casa de um amigo e fazeres uns broches vermelhos e brancos que usam ao peito. A lenda... esqueci-me. Mas tem a ver com neve e sangue. O Bill veio ter comigo ao restaurante e fomos lá ter. Mas antes disto ainda tivemos um episódio porreiro.

Estávamos no autocarro e o Bill pediu ajuda a um senhor, mostrando-lhe a morada. Ele saiu connosco, deu a entender que nos levava lá em troca de cinco minutos de conversa em inglês. “Five minutos. English. Speak”. Na altura foi um bocado estranho, mas lá dissemos “ok”. Atravessámos a estrada com aquele senhor de gorro e óculos, metemo-nos por um quelho e fomos dar a um prédio. Ele voltou a repetir aquelas palavras enquanto entrávamos num prédio cinzento, avançámos uns metros e, quando dei por ela, estou sentado num sofá no hall de entrada, o Bill À minha esquerda, ambos com um copo de vinho moldavo caseiro na mão. Curti a cena. O Slavic (assim se chamava) queria que nós falássemos com a mulher e o filho, que estavam a aprender inglês, na esperança de se mandaram para a Carolina do Sul, nos EUA, onde tinham um familiar, ou para a Nova Zelândia, onde tinham outro. Mas a preferência era o outro lado do mundo. Sempre que o copo chegava a um terço o homem lá se apressava a encher-nos o espírito. Estivemos lá uns vinte minutos e a dada altura eles pediram ao Bill se se podiam voltar a encontrar.

- Claro. Eu ensino-vos inglês e vocês ensinam-me russo – respondeu o ruivo, para gáudio do puto de onze anos.

Depois fomos para casa da Larissa. Toda a gente tinha trazido algo, por isso aquilo parecia um banquete de doces. Éramos uns doze. Foi uma noite porreira. Conversámos um pedaço na cozinha e depois fomos todos para o quarto da Larissa, onde o pessoal trabalhou no seu Maersyshore (soa assim, mas não se escreve assim certamente). Faziam as cenas com aquele tipo de barro que um gajo põe no forno.

onze e sete, quarta, sete de março de dois mil e doze
algures entre Odessa e Sevastopol

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