sábado, 26 de março de 2011

Entrada no Iraque


Amanhã sigo para o Irão. Era para ter ido hoje, ainda bem que não fui. Vi a felicidade de frente hoje, espelhada na cara do meu anfitrião, nos seus amigos a tocar instrumentos locais ao redor de uma farta mesa, naquele lago que há dez anos estava tão mais acima... Tudo isto, todas estas pequenas coisas, directamente injectadas no âmago do meu coração, tudo isto mais ou menos perto da consciência de viver momentos inesquecíveis.

Entrei no Iraque com a boleia conseguida devido à minha suposta devoção ao fogo festejante do Nevrós, o ano novo curdo. Aquela fronteira era estranha méne. Andei um pedaço dentro do taxi e mandaram-nos sair. Um par de vezes. Nunca sabia se devia ter o passaporte na mão ou não. Mas eventualmente chegou uma altura em que lá o mandei, e passados uns escassos dez minutos tinha um selo a dizer “válido por dez dias”. Fixe. Onde é que eu ia? Sabe deus. A minha ideia era ir para Duhok, porque tinha perguntado ao João, o puto que bazou de Portugal comigo e que cá esteve mais cedo, o que valia a pena, e a sua anfitrião tinha-lhe dito que esta cidade era bacana. Assim sendo, mandei pedidos pelo couchsurfing para Duhok para esse dia e para Erbil, a capital curda, para dois dias depois. Em Duhok, nada. Em Erbil, a mensagem de um méne chamado Andrew a dizer “ok, liga para xxxxxxxx quando chegares”. Ok, fixe. Nada específico, na verdade.

A minha boleia deixou-me em pleno Curdistão. Ok, tranquilo. Uma vez na estrada estiquei o polegarzito e um carro parou dentro de um par de minutos. Mas a cena é que não tinha o meu sinal a explicar a minha cena. E ainda que este país seja muito dado a dar boleia, não entendem o conceito muito bem. Por isso mandaram-me entrar após terem dito algo que me soou a “polícia”. Hesitei. Lá disse “no problem; no police” (um gajo tem de reduzir o inglês ao mínimo, correndo o risco de desaprender a língua). Eles queriam ajudar, mas eu não queria falar com a bófia mal entrava no país. Bem os gajos andaram comigo duzentos metros, no máximo, e pararam perto da polícia. Eu não fritei muito, mas fiquei um bocado naquela, e quando vi o carrito branco, um entre tantos, a desaparecer no horizonte, segui caminho. Mal sabia eu a razão pela qual lá me tinham deixado...

Estava eu a sair do carro e apareceu o mesmo taxi com quem tinha atravessado a fronteira. “Jackpot”, pensei. “Eles vão para o sul e vão-me deixar em Duhok”, pensei, num nível mais subconsciente. Mas não. Iam “só” uns quatro quilómetros. Mas à boleia, cada metro é benvindo. Lá me deixaram numa estrada qualquer, em direcção a Duhok e/ou Erbil. Decidi nesse momento ir para Erbil. Tinha o número de um couchsurfer, e ligar-lhe-ia a dizer “méne cheguei dois dias mais cedo, se for chunga posso ficar num hotel”. Sempre era melhor que nada ter, como era o caso de em Duhok.

A polícia chamou-me e eu não percebi muito bem o que queriam. Um méne que falva algum inglês disse-me para andar mais p’rá frente que a outra polícia me ajudaria. Hã? Estava um bocado naquela, por isso segui p’rá frente, mas não fui falar com a polícia como ele sugeriu. Ao invés estiquei o dedo. Parou logo um méne com uma das carrinhas mais podres onde já andei. A subir era tão rápida como um caracol com com diabetes. Mas era um automóvel, quem sou eu para mei queixar? Este irmão, que apesar de pouco inglês falar, muito me ensinou acerca dos costumes locais, fez-me perceber a razão pela qual o pessoal anteriormente me tinha deixado com a polícia. É que este gajo levou-me mais de uma hora e depois disse, na sua própria maneira, mas compreensível “eu deixo-te com a polícia e peço para eles pararem um carro para ti”. Hã? Tinha lido acerca disto, mas não estava realmente expectante que comigo assim acontecesse. Mas aconteceu. O gajo parou o carro, chamou-me irmão, deu-me cinco maçãs, três ao militar, falou com ele, e quando dei por mim estava num carro de curdos turcos a caminho de Erbil...


                2h58-5ª-24-3-11
Sulimaini, Curdistão, Iraque

1 comentário:

  1. A passo de caracol com diabetes :)))) ihihihihih...lá vais tu prosseguindo nessa viagem.

    Boa!

    Grande abraço!

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