quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Xian



Os condutores perguntaram onde queriam que nos deixassem em Xian e eu disse que ali na zona do quarteirão muçulmano estava bem. Não foi muito boa ideia, porque estávamos um bocado partidos, e tivemos de caminhar um bom bocado. O Ilya é um gajo demais, por acaso. Não tivemos tripe nenhuma. E o gajo não stressava com nada. É claro que, por exemplo, nessa noite disse “devias ter dito ao méne para nos deixar mais perto” mas sem stresse nenhum. Não é que fosse uma situação que o exigisse, mas às vezes quando a malta está cansada stressa por tudo. A primeira vez que reparei nisso foi nos Estados Unidos, em dois mil e um. Foi a malta toda do liceu, festa (da pura, não da boémia dos tempos que correm) toda a noite, e no dia a seguinte a falta de sono punha o pessoal com o limiar do nervo perto da testa – o que quer que isso signifique.
               
Assim, vimos no mapa um hostel que parecia porreiro e barato, e seguimos caminho. Entretanto fiquei sem bateria no computador, e aquilo não estava fácil. É que já tínhamos caminhado uma hora e apesar de parecer estarmos perto, não tínhamos a certeza. Foi por isso que sorrimos ao ver o hostel aparecer ao fundo. Não era aquele que procurávamos, mas que interessa? Como em Chengdu, os preços tinham subido exponencialmente desde dois mil e sete. Era um hostel espetacular também, cheio de estátuas a imitar os guerreiros de terracota, tudo em estilo chinês, e paredes brancas cobertas com assinaturas, dedicatórias e desenhos de malta do mundo todo (não vi nenhum tuga). Mas apesar de toda essa fixeza, a última coisa que fiz antes de ir para a cama foi mandar uns dez pedidos no couchsurfing.

No dia seguinte acordámos e vi, mesmo a tempo de fazer o check-out, uma mensagem da Barbara a dizer que, se ainda fosse a tempo, nos podia albergar. Bacana. Arrumámos as cenas, pedimos à malta do hostel para a guardar e fizemo-nos à cidade.
               
Tínhamos conhecido por alguns minutos na noite anterior o David, da Col;ombia e o Dave, um méne de ascendência filipina, mas supostamente do Canadá. Conhecemo-los quando estávamos já a adormecer na noite anterior e entraram quarto dentro preparados para continuar a festa. Um encontro de cinco minutos. Pois nesse dia convidáram-nos para irmos almoçar, e de repente éramos oito pessoas, eu o Ilya, os dois Davids, um alemão e três norueguesas. O David colombiano era um gajo muito boa onda, porreiraço. O Dave “canadiano” queria ser fixe, mas esforçava-se um bocado. O meu instinto não apontava p’ráquilo. Além do mais acho que nos estava a tentar pregar uma grande peta. Falou da mansão que os seus pais lhe deixaram nas Filipinas com mordomos e não sei quê, e apesar de dizer que era canadiano, não tinha sotaque e de vez em quando dava uns erros. Eu disse-khe, sem problemas, que achava que ele nos estava a mentir. Ele não disse nada.
               
- Já estiveste na Mongólia? – perguntei, quando ele o tinha dado a entender.
- Já.
- E que tal?
- Muito foleiro, não tem nada aquilo, não tem McDonalds, não tem KFC,... – não preciso de dizer mais nada.

Andámos pela cidade essa tarde. Parecia que, a nível de grandes cidades, a China estava a ficar melhor. Kunming foi foleiro, Chengdu mais fixe e Xian mais ainda. Isto apesar de não termos visto a grande atracção de Xian, que são os guerreiros de terracota. Não sabíamos se queríamos ficar outro dia, e era um bocado caro. E, acima de tudo, muita gente dizia que era um bocado sobre-estimado. Pelo que decidimos deixar p’rá lá isso.
               
Lá p’rás seis e tal voltámos ao hostel para ir ter com a Barbara. A chavala chegou e foideu-se um clique de imediato. Estávamos super à vontade, e só de vez em quando fazíamos as perguntas do bufo que se faz a toda a gente quando se acaba de conhecer. É uma miuda muito especial. Tem vinte e seis anos e é o tipo de pessoa que vive com as suas próprias regras. Um espírito livre da Holanda que é professora de inglês à custa de um certificado falsificado por que pagou quarenta dólares. Tem também uma formação de assistente social que não é exactamente legal. Mas que posso dizer? Estou enviezado... porque parece o tipo de cena que eu se calhar criticaria, mas no entanto não sinto vontade de o fazer, talvez por curtir a rapariga.
               
Depois de um par de cervejas fomos para sua casa beber outras mais e ficámos lá no relax, até que fomos sair. Nos entretantos ainda mudámos a mobília à rapariga. O Ilya tem destes flashes de espontaneidade que curto.
               
- Blá blá blá e um dia destes quero mudar a mobília, p;or isto aqui e aquilo ali, blá blá blá – dizia a Barbie.
- Ok. Porque não agora? – perguntou o Ilya.
- A sério?
- Iá.

 Pelos vistos a noite de Xian é no hostel para onde eu e o Ilya íamos originalmente, hostel esse que é do outro lado da rua de onde acabámos por ficar. Não me lembro do nome, mas boa cena. Chegámos lá com as nossas bebidas, ficámos um bocado na parte do restaurante. Eu já estava a curtir bué só estar no restaurante, por isso foi com agrado que descobri que aquilo ainda nem era a noite noite. No bar encontrámos a malta da tarde, o colombiano e companhia. Passámos a noite entre o bar e a parte cá de fora ao fresco e onde o pessoal podia fumar. Malta de todo o mundo, bem como mutos chineses reunia-se ali, e falava-se de tudo e de nada, trocavam-se impressões com pessoas que nunca mais vamos ver, um pouco de tudo aquilo que eu curto bué.
               
O final da noite foi curioso. Estávamos num daqueles snacks de burraxola lá p’rás cinco da manhã num “restaurante” de rua, e houve uma tripe qualquer não sei onde. Um dos ménes mandou mensagem à Barbara e ela começou a flipar um bocado porque tinha de ir, apesar dos outros dois que estavam connosco dizerem para ela cagar no assunto – mais tarde, quando souberam que a tripe era no prédio deles e entre amigos deles já não achavam o mesmo. Mas a miuda estava um bocado naquela acerca de deixar os seus couchsurfers e não sei quê.
               
- Miuda, sem problema, – disse eu – tu faz o que tens a fazer, nós por cá estaremos – e assim ela o fez. Foi e veio num ápice. Nem sei que cena foi nem me interessa. Alguém que se estava a fazer à futura ex-mulher de outrém e merdas assim.
               
No dia seguinte íamos bazar para Pequim. Como diria a minha avó – p’óch!e (vem de “pois sim...”, caso não tenha dado para perceber). Acordámos às quatro da tarde, estava a Barbara a chegar a casa depois de um dia inteiro de trabalho. Arranjámos algumas cenas, tomámos banho, e eu e o Ilya fomos dar uma volta pela cidade. A Barbie tinha de se encontrar com uma amiga, por isso combinámos encontrarmo-nos mais logo no bar.
               
Mas desta feita a Barbara estava um bocado destruída e o Ilya não estava a fim de uma noitada. Jogámos um bilhar um par de horas, ela foi embora, mais uma horita e foi-se o russo. Eu fiquei com o Mario, italiano, e o Igo, belga, com quem estávamos a jogar bilhar. Curti muito o Igo, um gajo que trabalha a editar documentários e que fez um com um conceito brutal. Ainda na Bélgica, pegou num grupo de pessoas que não dispõe dos mesmos recursos que nós – dois ou três paraplégicos e um cego – e foi com eles, de carro, até Málaga, onde eles perderam a virgindade com prostitutas. O documentário chama-se Hasta La Vista. E eu acho uma ideia brutal. E é uma cena em que acho que nunca tinha pensado. Devido às óbvias circunstâncias, estas pessoas passam completamente ao lado de certas experiências que não nos cansámos de referir, como, bem, caminhar, ou ver, mas passam também completamente ao lado, por razões mais indirectas, de experiências que, quiçá para nós é melhor não pensar, como foder. Mas umas são possíveis, no fundo, e porque não fazê-las acontecer? Falei-lhe de duas ideias que também tenho que dariam documentários muito bons e que proporei mais tarde a quem ache que possa estar interessado, e ele deu-me um contacto que ainda não explorei. Nunca se sabe.
               
Mas assim, conversa aqui, conversa ali, a noite acabou, e eram três da manhã, o bar a fechar e eu ainda ali... e tinha de acordar às sete para começar a boleiar para Pequim. Parece mau, não parece? Mas não é. Porque mau, mau, foi não ter encontrado a casa e dormir duas horas na rua deitado à entrada de uma loja. Parece que não está a funcionar a minha estratégia de me convencer que sim, posso ser bom com orientação. E ainda por cima a Barbie desenhou-me um mapa! E eu andei ali, caminhei duas horas sem parar, voltas e mais voltas, corri aquela merda toda e nada pá. Cheguei a apanhar um táxi, reconstitui a caminhada que eu e o Ilya tínhamos feito nessa mesma tarde e... fui ter excatamente ao mesmo sítio onde tinha apanhado o táxi. Que será que o taxista pensou? Bem, quando acordei, caminhei um pedaço e percebi que tinha cometido um erro que tinha lixado tudo. Não era aquela passagem subterrânea, mas a outra antes dessa.
               
Lá dei com o sítio. Eles partiram-se a rir, depois de expressarem a sua surpresa. You win some, you lose some.
               
Chuveirada na benta, ala para Pequim.

vinte e uma e cinquenta e cinco-segunda-doze de setembro de dois mil e doze
algures entre Erlian e Ulan Bator





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