domingo, 18 de setembro de 2011

Kunming II e Dali



O Neri é um personagem interessante. É de Florença, está na China há três anos, fala bem chinês e o seu domínio da escrita não é nada mau. E note-se que, apesar de já ter visto caracteres chineses no passado, nunca tinha realmente prestado atenção para o quão complicados são. É uma loucura mesmo.
               
-Já te sentiste perdido, Pedro – perguntou-me na segunda noite, os olhos fixos no computador. Felizmente acho que nunca me encontrei nessa situação, ainda que a perceba perfeitamente. Se bem que é preciso passar por algumas cenas para as perceber. Ao longo da minha curta VIDA, já me senti preso, ansioso devido às circunst;ancias que vivia, mas acho que nunca me senti perdido. Quando me comprometi a ficar dois anos na Inglaterra, por vezes sentia-me preso. Tinha-me comprometido apenas verbalmente, e podia bazar a qualquer altura, mas não faz o meu estilo acobardar-me e procurar o conforto imediato. É daqueles paradoxos. Acho que devemos manter a nossa palavra. Também acho que devemos fazer aquilo que nos faz felizes. E por vezes a minha felicidade se calhar passava por dar o meu período inglês como esgotado e partir para outra. Mas nunca estive infeliz de estar ali. Acho que era aquele lado mais mimado, que quer o conforto imediato, a falar. Fiquei, cumpri, e hoje estou feliz com isso.
               
E serve isto tudo para dizer que, apesar de tudo, e até ver, sempre soube mais ou menos o que queria, e como a alcançar. E por isso nunca me senti assim perdido. Aguarda-me agora uma grande indefinição em Portugal. Tenho ideias, planos, cenas para fazer e algum dinheiro para não ter de depender de outras pessoas por um par de anos. Mas ao mesmo tempo, não faço ideia o que vai ser de mim em termos profissionais. Mas estou pronto para isso. Seja o que for, que venha. Uma coisa é certa, não me vou entregar à depressão de estar em casa a comer batatas fritas à procura de um emprego. Vou dedicar-me às minhas ideias, escrever, planear, viver de uma forma que não me faça sentir como se estivesse a morrer por dentro. E depois vê-se. Até vejo com bons olhos um retorno, após quase quatro anos fora. Meio ano na Noruega, dois anos e um mês na Inglaterra, nove meses em viagem, três meses em Portugal aí pelo meio. Talvez me vá sentir um bocado asfixiado passado algum tempo, mas se assim for, farei algo para lidar com isso.
               
Apesar de tudo isto, respondi de uma forma mais abrangente ao Neri. Da maneira como ele perguntou deu a entender que ele se sentia perdido. E por isso não quis dizer “não, pá, és só tu”. Não sei se foi o psicólogo em mim, mas não queria aprofundar qualquer sentimento que pudesse ter acerca de se sentir perdido, por fazê-lo sentir que isso era exclusivo a si. Porque não é. Quando lhe perguntei o porquê da questão, ele disse “that’s all that can be said”, enigmaticamente.
               
É um gajo calmo, muito porreiro e prestável, mas que me parece um bocado triste. Às vezes acho as pessoas como ele um bocado aborrecidas, mas com o Neri é uma cena diferente. Das pessoas que fala disto e daquilo, mas que não se abre muito – daí a minha surpresa com a sua questão acerca de se sentir perdido. Foi um anfitrião porreiro, que não tem problemas em albergar três ou quatro pessoas de uma vez. Cozinhou para nós e não nos deixou lavar a louça.
               
No segundo dia de Kunming andei com o Ilias pela cidade. Deixamo-nos ir, caminhámos p’rai quinze quilómetros. Curto o gajo. É muito expressivo, daquelas pessoas que se exprime mais por caretas e onomatopeias do que por frases. Tem trinta anos e já anda a viajar há mais de três anos. Ou semi-viajar, sendo que viveu na Índia três anos, e vai voltar para lá. Alugou uma casa com um amigo em Goa, depois arrendou dois quartos que pagam a renda da casa toda, e se alguém quiser dormir numa tenda no telhado não paga nada.
               
Já passámos alguns dias juntos, e tem sido fixe, tranquilo. Sem querer etiquetar, o Ilias deixou de beber há meio ano, porque nos últimos cinco anos bebia quase todos os dias. E por isso mesmo, porque é a cortiré que gasto mais dinheiro, estou na China há cinco dias e ainda me sobra dinheiro dos trinta euros que trouxe do Laos. Fixe. Tirou um curso relacionado com tecnologias de informação e economia, trabalhou alguns anos em Moscovo, a sua terra-natal, num escritório, até que se despediu, acabou com a namorada de dez anos, e bazou.
               
-Mas gostava de encontrar um sítio onde pudesse chamar “casa” - confessou. – Passado algum tempo começar a apetecer. Tem também um pequeno apartamento nos arredores de Moscovo que arrenda por seiscentos euros, e isso ajuda muito. Seiscentos euros por um pequeno apartamento nos arredores de uma cidade onde os salários auferidos, apesar de superiores aos do resto do país, são ainda assim baixos. Incrível. Mas já sabia que Moscovo é uma das cidades mais caras do mundo.

O Neri tinha-nos ajudado a desenhar umas letras num cartão a dizer “Por favor dê-nos boleia” e também escreveu no meu caderno a mensagem do costume: Sou da Europa e estou numa longa viagem pela Ásia, e por isso não tenho muito dinheiro para andar sempre de autocarro. Vou para XXX. Se for nesta direcção, pode levar-me e deixar-me a caminho? Obrigado”. Assim, no dia dezoito, acordámos às seis da manhã, e pusemo-nos a caminho para o que seria a minha primeira experiência boleiante chinesa.
               
Tinha visto no google maps onde apanhar o autocarro que nos deixaria perto da autoestrada. Caminhámos quase uma hora, apanhámos o autocarro, e percebi logo que algo ia mal, porque não estava a ir pelo percurso que o google maps mentiroso tinha dito. Deixou-nos numa vila qualquer, uma hora depois. Mas eu tinha visto um sinal a dizer o nome de uma cidade qualquer que ficava a caminho de Dali, o nosso destino. Pusemo-nos a caminho, e íamos mostrando o sinal, sem grande convicção. E duas raparigas apanharam-nos. Deixaram-nos num cruzamento, caminhámos mais um pedaço e chegámos a uma via rápida. Aí um senhor apanhou-nos e levou-nos dez minutos, mas já estávamos dentro da autoestrada. Uma cena diferente aqui é que a malta lê o sinal e depois diz que não vai para onde eu quero ir. Tenho sempre de insistir, e dizer “só um bocadinho”, com o polegar e o indicador juntos. Não sei se não se dão ao trabalho de ler a última linha onde digo que basta irem nessa direcção, se o sinal está mal escrito, ou o que é...
               
Depois deste senhor, apareceram dois rapazes passado p’rai dez minutos de espera. Não estavam muito p’raí virados, mas um gajo tem de aproveitar os momentos de indecisão e reflexão, sorrir, dizer obrigado, e suavemente pegar na mochila preparado para entrar. Estes deixaram-nos na maior espera. Estávamos numa das entradas para a autoestrada, mas passava muito pouco carro. De vez em quando paravam, mas liam o sinal e bazavam. Esperámos p’rai hora e meia, mas valeu a pena. Tamb+em tive de insistir um bocado, mas lá nos levaram, e ficámos a quarenta quilómetros do destino. Aqui, mal saímos do carro, entrámos logo noutro. Deixou-nos em Dali, apanhámos uma tuk-tuk que supostamente nos levaria para a parte velha, mas que andou um pedaço e nos deixou à beira do autocarro. ‘Tá-se bem, fomos meio enganados, mas como não partilhávamos nenhuma língua não dava para protestar muito bem. Apanhámos um autocarro e estávamos na parte velha em meia hora.
               
Dali já é daqueles sítios que um gajo curte. Não tem prédios. Mas tem turistas. E quantos! É uma cidade velha protegida a toda à volta por uma muralha com uma pomposa, bela e muito chinesa entrada em cada quadrante. Em algumas ruas tem um ribeirinho que em alguns sítios parece um mini-canal. É uma vila agradável onde não se vêem muitos estrangeiros, mas para onde, pelo menos nesta altura, parece que toda a China se desloca.
               
Quando chegámos estivemos um pedaço na descontra no quarto e depois fomos dar uma volta. Ficámos num quarto duplo por sete euros para os dois. Conseguimos baixar um bocadinho, de oito. Mas era porreiro, tinha água de graça e umas pinturas bacanas nas paredes. Andámos pela cidade, jantámos, andámos mais um pedaço até não fazermos ideia onde estávamos e voltámos p’ró quarto lá p’rás dez e tal.
               
No dia seguinte acordámos tarducho. Alugamos uma bicicleta para cada, pedalámos até ao lago, almoçámos num tasco, e fomos descobrir as redondezas do décimo sétimo maior lago de água doce da China. Curti muito. Fomos andando sempre o mais próximo possível do lago, por estraditas de terra, uma ou outra de alcatrão, pelo meio de campos, escada acima escada abaixo; passámos por um sem número de pequenas aldeias, onde notei nitidamente que os chineses eram mais simpáticos, respondendo quase sempre ao meu “niáo”.
               
“Puff, fíííííí”, ouvi. Pela primeira vez na minha VIDA rebentara-se-me um pneu. E estava bué de longe de Dali. Já me estava a ver a caminahar duas ou três horas. Mas felizmente havia ali uma oficina a trinta metros. Grande timing, sorte dentro do azar. O gajo mudou-me aquilo, perdeu ali p’rai meia hora e levou-me cerca de cinquenta cêntimos.
               
Pedalámos até encontrarmos a estrada principal e, já cansados, voltámos para trás. Estávamos a dez quilómetros de Dali. Mas tinha sido mais custoso do que parece, porque tínhamos feito essa dist;ancia por caminhos deveras turtuosos. Descansámos uma hora e tal no quarto, o suficiente para eu ler tudo acerca da vergonha do Mourinho. Incrível como é possível ser tão estúpido. Para quem gosta de se orgulhar dos feitos de outros tugas deve estar a começar a sentir-se um bocado embaraçado com estas atitudes. Disse o meu querido Artur Agostinho uma vez numa entrevista à RTP, poucos meses antes de morrer: “Irrita-me quem não sabe ganhar. Mais do que quem não sabe perder, irrita-me quem não sabe ganhar.”. Este gajo, cujo valor táctico reconheço, nunca soube nem ganhar nem perder. Nunca soube ganhar por manter aquela arrog;ancia à qual o pessoal (eu incluido(( às vezes até acha piada, não sabe ganhar pela maneira como (não(( festejou a Liga dos Campe:oes pelo Porto (e não me batam couros de Pintos da Costa e não sei quê((, pela maneira como após ganhar a Liga dos Campe:oes pelo Inter diz logo, ainda se bebia champanhe, que queria ser o primeiro a ganhar a Liga com três equipas diferentes. E perder. Nunca soube, mas aí não tem estilo nenhum, parece um puto. “A Supertaça de Espanha não é um troféu importante”. Peço desculpa, sei que isto é tudo menos um blog desportivo.
               
Descansados, fomos dar uma volta, conhecer o resto da vila que nos escapara no dia seguinte. Iá, curti, mas não é daqueles sítios de tirar a respiração. Encotrámos um sítio fixe para comer, comemos, bebemos um chá à conversa, e voltámos para o quarto.

Hoje acordámos, caminhámos até à estrada, apanhámos uma mini-boleia em meia hora. Depois outra de meia hora, e finalmente a tercira, de onde agora escrevo, que acho que nos vai levar direitnhos até Lijiang. Fixe.

vinte de agosto de dois mil e onze, catorze e vinte e dois
algures entre Dali e Lijiang

as fotos ficaram tortas, mas agora nao posso corrigir isso. desculpem... inclinem a cabeca







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