No dia 29 de Julho apanhei o autocarro para Hanoi. E eis que encontrei o segundo par de tugas! A Ana e a Sofia (não estou certo que são estes os nomes), duas senhoras dos seus 40-50 anos de Lisboa. Ouvi-as a comentar que eu estava a pedir um banco diferente e percebi. Isto é uma cena interessante. Os ocidentais vão sempre num canto, todos juntos. Nesse autocarro, e neste onde agora vou, aconteceu alguém pedir para fica num determinado sítio e o gajo recusar, dizendo que é para vietnamitas. É um bocado estranho, mas é o que é.
Tinham voado de Portugal, através de Madrid, e voavam daí a dois dias. A grande cena é que a Sofia tinha perdido o passaporte. Estavam um bocado stressadas, naturalmente, e ficaram ainda mais quando eu lhes relembrei que o dia seguinte era sábado, e que por isso a embaixada estaria fechada. É que após terem contactado uma amiga que trabalha no ministério dos negócios estranjeiros, esperavam um fax que ia ser enviado para a embaixada de Espanha (não há portuguesa), com um documento qualquer que tinha de ser carimbado. Mas as embaixadas não abrem ao fim-de-semana. Espero que se tenham safado e que a Sofia tenha conseguido, de alguma forma, apanhar o avião no domingo, mas duvido. Grande batelada, um vôo só de ida de última hora do Vietname para Portugal...
Passei uma boa noite no autocarro, daquelas em que dormi o suficiente para não precisar de dormir no dia seguinte (apesar de o ter feito, por uma horita). Cheguei a Hanoi de manhã. Procurei um sítio qualquer com internet, descobri o caminho para o quarteirão velho, e lá fui. Ia para o Backpackers’ Hotel, mas um senhor interpelou-me e acabei por ir para o hotel dele. Tinha começado com dez dolares ou algo assim, mas eu disse que o meu hostel era 4 dolares, e após alguma hesitação, ele acabou por me oferecer o quarto por 5 dolares. Num quarto, não num dormitório, com ar-condicionado. Porreiro. Lá me levou, fiquei p’rai uma hora e tal à espera de não sei o quê, e instalei-me.
Acho que estava a precisar de um daqueles dias de férias de férias, e estava a pensar em ficar no quarto do hotel a “tratar de cenas”. Mas estava com um bocado de sentimento de culpa por não ir ver a cidade. E por isso mesmo fiquei contente quando começou a chover torrencialmente.
Mais logo ia encontrar-me às sete e tal com a Lena, uma russa que anda pelo mesmo canto do mundo que eu e que talvez viaje comigo no Laos, e mais tarde com outra malta com quem combinara através do couchsurfing, no beer corner.
Fui ter com a Lena, bebemos uma cerveja e fomos ter com a sua anfitrião, uma ucraniana. Ela queria ir dançar salsa, e eu vi nessa altura um bom momento para ir ter com o resto da malta. A Lena vai viajar por três anos à volta do mundo. Estava na Rússia, foi passar duas semanas ao Casaquistão, e acabou por seguir caminho. É designer gráfica, então sempre pode fazer algum trabalho enquanto viaja, e a sua regra é nunca sair de um país com menos dinheiro do que aquele que tinha ao entrar. Agora está a fazer uma excepção porque pelos vistos ganhou mais do que imaginara quando estava na Índia.
Pareceu-me fixe, mas com pequenos traços geralmente comuns em quem não viaja tanto.
Há uma cena que eu já li em alguns sítios que é um gajo comprar um bilhete para não sei onde, chegar ao próximo dia e não haver nada, e o escritório onde o bilhete foi comprado estar vazio. Foi isso mesmo que ela pensou quando eu parei para comprar uma cerveja num sítio que também era uma agência de viagens e que lhe oferecia um preço porreiro para Vientiane, no Laos (26$).
- Achas que posso confiar? – perguntou?
- Como assim?
- Será que é de confiança... será que amanhã não chego aqui e eles desapareceram? – eu olhei à volta, analisei os cartazes, a secretária, o próprio gajo.
- Iá, eles vão pegar nos teus 26 dólares e vão fugir para a América – respondi. Até pode acontecer, mas de certeza que não é nesta escala. E não curto quando o pessoal anda sempre desconfiado. E aqui no Vietname é uma constante. Ia agora dizer isto: “também é uma verdade que aqui é o país onde há mais cenas tipo custos escondidos e cenas dessas”, mas depois parei para pensar, e não é verdade. Fui numa tour a Halong Bay que, apesar de não me arrepender de a ter feito, foi uma fraude. Mas foi só isso. Tirando este episódio, o que acontece muito é os gajos mandarem o barro à parede com os preços de turista. Não é algo exclusivo ao Vietname, mas acontece mais frequentemente, e mais escandalosamente do que noutros países onde tenha estado. Mas é isso... na minha experiência é so isso, por isso não posso fazer uma grande regra senão com o segundo exemplo – e neste caso, se um gajo não for parvo não paga muito mais nunca.
Quando cheguei ao Beer Corner não estava lá ninguém do couchsurfing. Aquilo era, literalmente, o canto de uma rua com malta sentada cá fora naqueles bancos e cadeiras baixinhas, a beber cerveja. Como o pessoal ainda não estava lá, perguntei se me podia juntar a um grupo inglês de duas raparigas e um rapaz. Malta porreira. Meia hora depois começou a chegar mais pessoal, que se juntou à nossa mesinha. Entre eles apareceu a Christa, minha anfitrião do dia seguinte, o Leandro, um alemão e a Tracy, uma vietnamita. Curti muito estes dois, e voltei a encontrar-me com eles no dia seguinte.
Estivemos lá um bom pedaço, malta ia aparecendo e desaparecendo, e a dada altura fomos para uma discoteca. Cheguei lá e percebi que não ia conseguir ficar muito tempo Não tinha muita gente ainda, era carota e a música horrível. Mas mais malta foi aparecendo, e acabei por ficar até de manhã.
Conheci dois muçulmanos interessantes. Um deles do Líbano, e o outro da Arábia Saudita, estavam num canto a fumar um charro. Calhou falar com eles, e fiquei a saber que se preparavam para o Ramadão. Já não bebiam há uma semana para se prepararem para o Ramadão, mas ao mesmo tempo estavam a fumar um charro. Iam seguir à risca o Ramadão, sem comer nem beber nem fumar (sem pôr nada à boca, basicamente) durante as horas de sol, mas ao mesmo tempo um deles desapareceu com uma prostituta que estava lá à beira. Apelidei-os de neo-muçulmanos. Conjugam aquilo a que os conservadores poderão chamar de degredo do ocidente, com algumas tradições e costumes do médio oriente. Não sei bem o que pensar acerca dos gajos.
Quando bazámos, o Leandro levou-me a casa, após alguma dificuldade em dar com o sítio.
Quando acordei, no dia seguinte, tinha de me encontrar com a minha anfitriã. Fiz o check-out, pelo caminho comprei um bilehte para Halonh Bay – 36$, incluindo ida e volta a Halong City, uma noite no barco, dois almoços e um jantar. E depois as surpresas de um serviço que deixou muito a desejar. Já lá chegamos.
Mandei mensagem à Christia e ela veio buscar-me ao lago. Quando chegámos a sua casa estivemos um par de hora à conversa no seu terraço. Um copo de água cada um, a ver a chuva cair fortemente.
Isto até que o Leandro me ligou. Já me tinha ligado a perguntar se eu queria ir dar uma volta, com ele e a Tracy. Ele tinha duas motas, e só precisava de arranjar uma. Disse ok, claro. Disse-me que estava na Beer Corner, e a Christia foi fixe e foi lá levar-me.
Porém, quando cheguei, chovia a potes. Sentei-me com eles, pedi uma cerveja, daquelas a vinte cêntimos. Ficámos à conversa um pedaço, a recordar a noite anterior e eventualmente fomos juntar-nos à outra malta do couchsurfing que estava num “Sunday street food extravaganza”. Fomos ter com eles a um restaurante bacano, muito vietnamita. E onde a comida era carne, carne, carne. Traziam pratadas de carne crua e a malta grelhava na mesa. Estava lá mais algum pessoal vietnamita e achei interessante que muitas vezes punham carne já grelhada dos pratos dos outros. Isto é, geralmente um gajo tirava um pedaço e comia, mas eles a cada dois que comiam punham um para outra pessoa. Não sei se é da cultura ou destas pessoas em particular, e não me ocorreu perguntar.
Falei muito com a Tracy, que anda à procura do amor. Curtia bué que se enrolasse com o Leandro, porque são um dupla impecável. Como disse nas referências que lhes deixei nos seus perfis, se eu ficasse em Hanoi, seriam os meus melhores amigos. Ao memso tempo, é uma cena cultural também. Encontrar alguém, quanto mais cedo melhor, é algo que é esperado em muitas partes do mundo, mas neste canto, mais do que na Europa. A Tracy teve uma relação com um belga. A dada altura ele estava indeciso entre voltar provisoriamente à Bélgica e retornar ao Vietname, ou ficar. A Tracy apoiou o gajo, disse para ele ir (não me lembro porquê, mas era o mais sensato) que ela esperava. Ele foi e não voltou mais, e o coração da vietnamita ficou espalhados nos cantos deste canto.
Falei com ela acerca da importância de não desistirmos do nosso sonho e de, ao mesmo tempo, não deixarmos que o desejo de o alcançar no tolde a visão de modo a vermos algo onde não existe – tipo quando alguém está tão desesperado que se engana e diz a si mesmo que “esta pessoa é mesmo fixe”, quando no fundo, não é.
Estivemos aí umas horas e depois fomos ao Le Bar, onde as bebidas não eram baratíssimas, mas ok, estava-se bem. Entretanto o Leandro e a Tracy bazaram e fiquei eu, o Edgar checo, a Suzanne norueguesa e a Christa (outra) americana. E eis qu vejo duas chavalas ao fundo, uma delas de muletas. Eram duas raparigas que tinha visto em Hoi An. Na altura fui perguntar o que se tinha passado, elas contaram-me a estória (estavam numa scooter, cairam para o lado e queimaram-se) e depois seguimos cada um o seu caminho. Fui ter com elas, chamei-as e elas acabaram por ficar umas três horas connosco. Foi porreiro.
A Suzanne e a Christia bazaram, o bar fechou e eu, as duas holandesas e o Edgar fomos ter com a Christia (anfitriã) a um bar ali ao lado. Falámos de cenas tão absurdas como “o que é que achas que vai ser mesmo impossível para o Homem alcançar”, mas foi uma noite porreira.
Voltámos para casa, comemos algo e fomos dormir às três. No dia seguinte acordaríamos às sete para a Christa me ir levar ao autocarro, para eu seguir para Halong Bay. Insistiu e eu não disse que não.
22h58-d-7-8-11
Vang Vieng, Laos
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