sábado, 10 de setembro de 2011

Vientiane

No dia dois de Agosto meti-me no autocarro para o Laos. Talvez o quinquagésimo sexto país da minha carreira de viajante. Decidi que quero visitar os países todos do mundo até aos sessenta anos. Mas é complicado. E nem falo de ser complicado o “ir” em si. Mas é complicado a gestão emocional de estar num sítio e sabermos que podíamos estar noutro. Como se fosse uma perda de tempo. Como, por exemplo, passar uma semana no Algarve, ou em Espanha, ou noutro sítio que até possa ser encantador mas onde um gajo já esteve antes, e pensar que está a desperdiciar uma oportunidade de conhecer algo de novo. Sinceramente não acho que me vá senir assim, e nem vejo esta meta como chegar a um sítio, dizer “ai ui já cá estive” e bazar logo, só para dizer que estive. Mas é uma ideia que me agrada.
               
Se conseguir fazer mais duas ou três viagens deste género nas próximas décadas, tenho tudo para conseguir alcançar este sonho. A Graciete, com quem imagino que vá assentar, já disse que não se importava de tirar um ano sabático, num futuro a médio-prazo, e lançar-se comigo, tipo numa rota Canadá-Argentina. A ver vamos.

Como de costume, vieram-nos buscar ao hostel, caminhámos um pedaço, apanhámos um minubus e fomos para a estação. Estava com um grupo de turistas que depois, no autocarro para Vientiane, ficou reduzido a mim, um casal britânico, um australiano, um escocês, e um francês p’raai de cinquenta anos com o seu filho (o puto era preto o francês branco, mas pareciam ter uma relação de pai-filho) p’rai de dez anos. Curti aquele puto p’ra caramba. Não falei com ele, mas observei-o, e era um puto super boa onda, lá com a sua mochilita. Imaginava a maior parte da criançada a fazer grandes birras de andar a viajar com o pai por dois meses, apanhar autocarros de vinte horas, e todas essas cenas terríveis inerentes a uma longa viagem.
               
Entreguei-me ao meu livro, mas ia ouvindo o pessoal a falar, e mete-me cada vez mais confusão o quão esquisitinhos nós ocidentais somos. Queixamo-nos de tudo. Ai porque está sujo, ai porque não tem bom aspecto, ai porque não usam luvas! Irrita-me verdadeiramente, mas calmamente. Dá vontade de dizer “Ouve lá ó chavala, mas tu pensavas que vinhas p’ra onde, p’ró Monaco?”. E outra cena, tão interessante quanto ridícula, para mim, é o neo-racismo. Não sei se este termo existe, mas passa a existir. O racista da velha guarda não gosta de malta de outras raças, sejam eles quem forem, assim muito basicamente. O neo-racista é alguém que se conhece pessoas de outras raças mas que nasceram no seu país, não se importa minimamente. Ou mesmo que seja um indiano que é mesmo indiano mas já vive há muito tempo na Inglaterra, digamos. Não há crise. Desde que não andem em bandos, isso não. E desde que não se vistam de uma maneira assim muito esquisita, isso não. Assim o neo-racista pode convencer-se que é “um gajo muito aberto e tal e até tem amigos pretos”. Mas depois o neo-racista vai viajar, e aí, perdoem-me a expressão, aí é o caralho. Porque aí eles estão em todo o lado. E fazem as cenas de uma maneira diferente, e não têm o mesmo humor que nós, e querem fazer mais dinheiro com turistas, e às vezes até cheiram mal, são desorganizados, não são profissionais, enfim, não têm todos estes atributos que a nossa elite tem. E depois saem os comentários que vêm com aquele cheirinho a julgamento e superioridade. Depois saem cenas tipo “eu não gosto de indianos, a sério... eu vivi lá, e sei”. Bem podem-me vir dez mil pessoas que viveram na Índia e dizerem-me isto, que eu continuo a achar besteira. Não sou pedante quando dou valor à fundamental diferença entre tal afirmação e “não gosto da maneira como o povo tende a fazer as cenas lá, tipo X, Y, Z”. Assim está bem. Se analizarmos acções que não curtimos, desde que as respeitemos ainda assim, não há crise. Mas não analizemos pessoas, ok?

Apesar destes ocidentais estarem tão preocupados com o tipo de autocarro, não era mau de todo, e a viagem também não foi. Passámos algumas horas a dormir enquanto a fronteira não abria, o que é um bocado estúpido, a menos que me esteja a escapar algo – porque é que o autocarro não parti mais tarde, de forma a não se desperdicar esse tempo?

Quando finalmente abriu, pagámos o visto (3o dolares para tugas, se bem me lembro), mais um dolar pela “taxa de carimbo” – ahahah! E seguimos caminho. Tinha um anfitrião em Vientiane, o que é porreiro. Tinha-lhe pedido para albergar a Lena também, a russa que está a no mesmo percurso que eu, mais ou menos, mas ele disse-me que é contra a tradição e cultura do Laos o pessoal albergar pessoas do sexo oposto. E é contra a lei do Laos uma pessoa ter sexo com alguém do sexo oposto. Por lei! Incrível!
               
Comi qualquer coisa e passei algum tempo num restaurante até que chegou a altura de encontrar o Noy. Apareceu na sua pick-up, gajo porreiro, senti logo. É um rapaz de 27 anos que é designer para a Beerlao, a maior marca de cerveja do país. Estudou arquitectura, mas como se safa no photoshop, foi empregue como designer gráfico – atenção pessoal, quem tem um curso de design gráfico deve arranjar um emprego aqui num piscar de olhos. Resta saber quanto pagariam. O Noy não me disse quanto ganhava, mas reparei que estava bem à vontade com dinheiro, e foi de férias à França e Alemanha por duas semanas e gastou mais de quatro mil euros! Catchim! E foi o Noy que me apresentou à cultura de beber cerveja no Laos, que é algo como eu nunca tinha imaginado.
               
Depois de tomarmos banho, comermos qualquer coisa em sua casa, fomos encontrarnos com os seus amigos. No Laos não é bem visto uma pessoa ter amigos bastante mais novos, por isso, disse-me o Noy, para todos os efeitos, eles eram irmãos. Pelo caminho apanhámos a Lena, que se juntou a nós. Fomos para o restaurante Moon qualquer coisa, com uma vista para o rio Mekong e a Tailândia, do outro lado. Curto a cena do Laos e dos jantares. Já tínhamos comido algo em sua casa, por isso eu estava um bocado renitente com ir jantar, mais por causa da carteira. Mas ele tinha isso planeado, por isso não me opus. A cena dos jantares no Laos é – o pessoal pede vários pratos, estes são espalhados na mesa, e depois vão comendo ao longo de duas ou três horas. Não há aquela cena do pessoal se dedicar a comer, o pessoal vai comendo.
               
E a cena deles com a cerveja é que bebem como um gajo que esteve perdido uma semana no deserto. E brindam a toda a hora. Sempre. Em mais de metade das vezes que levam o copo aos lábios, sai um brinde. Ninguém está preparado para aquilo. Por outro lado, o que facilita um bocado é que bebem cerveja com gelo. Tristemente, no dia seguinte fiz o mesmo, porque com aquele ritmo, um gajo tem de ter cuidado.
               
Estivemos aí umas horas e, depois de deixar a Lena no seu hostel, fomos para um bar com música ao vivo. Uma banda porreira com uma cantora excelente . Curti muito.

No dia seguinte andei a ver a cidade. Dá para ver tudo num dia. Não tem muito, mas é agradável. Tem um arco no meio de uma rotunda que parece um pequeno castelo, que gostei. Mas gostei ainda mais da descrição que tem do mesmo. Tipo “No final da Avenida LaneXang temos uma grande estrutura que se parece com o Arco do Triunfo. É o Patuxari, ou a Porta da Vitória de Vientiane, construída em 1962 mas nunca acabado devido à história turbulenta do país. Visto ao perto, parece ainda menos impressionante, como um monstro de cimento. Hoje em dia é usado como local de lazer e subindo lá cima dá para ter uma boa vista da cidade” – ahahah! Achei isto impagável. Geralmente os sinais e explicações dizem como uma cena é bela e tal... já este sinal, que está numa das paredes do arco, compara-o a um monstro de cimento!
               
Quando já estava perto do final da minha rota, eis que encontro o Vinn e a Gisela, o casal que conhecera no Paquistão! Que cena, qual é a probabilidade? Encontra-se muita gente por estes lados, mas é malta que conheces tipo no norte do país e depois vai para sul como tu, mas encontrar alguém que tinha conhecido no Paquistão foi fixe. Comi qualquer coisa com eles, e depois fui-me.
               
Nessa noite fui a um jantar da Beerlao, a empresa de cerveja do Noy. Foi fixe. Éramos p’rai quarenta, todos sentados a uma mesa comprida cheia de comida que o pessoal ia atacando e claro, sempre a dar rendimento à própria empresa, com a cerveja. Tal como tinha acontecido na primeira noite em que saí com o Noy, havia na nossa mesa uma donzela com um vestido com as cores da Beerlao que não deixava ninguém com sede. Na verdade, não posso dizer que tenha acabado um único copo, porque quando estava a meio, a rapariga lá aparecia para tratar disso. Estavam lá também alguns ocidentais, e acabámos por nos juntarmos a um canto, falando acerca das suas relações tumultuosas com miudas do Laos.
               
Entretanto o pessoal começou a bazar, e eu e o Noy fomos a uma discoteca. Não sou gajo de discotecas, mas curti. Não estivemos lá dentro mais do que um minuto até uma rapariga chamar o Noy para a sua mesa. Era namorada do seu patrão e, como todos a malta do Laos que até então conhecera, estava sempre com os brindes. Finish! Finish! O Noy é gajo de cama cedo, por isso lá p’rás duas e pico voltámos.
               
No dia seguinte segui para Vang Vieng.

23h10-6ª-11-8-11
algures entre Vientiane e Luang Prabang

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