quinta-feira, 19 de julho de 2012

Cracóvia e o Fim

O pessoal tinha-me aconselhado a passar à frente de toda a gente na espera na fronteira. Não fiz caso e nem me lembrei disso até me ter deparado com o que deparei.

Naquela segunda-feira de dezanove de Março acordei nas calmas, lá p’rás dez horas. Tomei café, despedi-me das miúdas e pus-me a caminho. Apanhei o autocarro, saí onde era suposto, e fui caminhando em direcção ao que me parecia ser a Polónia. Era uma vila muito diferente de Lviv. Assemelhava-se mais àquilo que eu imaginava da Ucrânia antes de lá ter ido, mas era jeitosinha. O pessoal olhava-me de soslaio, talvez por não ver muita estrangeirada naquela altura do ano. Eis que me apercebo que devia estar a mais de quinze quilómetros da fronteira... O tempo ia avançando, e mesmo que caminhasse, a minha VIDA não ia estar fácil... Mas lá fui, de dedo esticado, claro.

Passou um rapaz que ia com a namorada e já tinham dado boleia a uma chavala. Apanharam-me e deixaram-me mesmo na fronteira. Para sair do país foi tranquilo. Contudo, à medida que me aproximava da fronteira com a Polónia, passei-me um bocado. Milhares de pessoas. Era uma fila estranha, porque o pessoal não estava propriamente encavalitado uns nos outros. Era uma fila de uns seis metros de largura, e parecia que estava dividida mais ou menos informalmente por segmentos. Toda a gente, toda a gente com carrinhos de mão descartáveis. Eram os traficantes. Álcool, tabaco, e sei lá eu o quê... A cena é que não tinham nada nos carrinhos. Muitos deles tinham malas cheias, mas apercebi-me que havia mais pessoal a trazer cenas para a Ucrânia do que a levar. Sendo a Ucrânia um país mais barato, não sei o que pode ser... sei só que são cenas pesadissímas. Reparei como o pessoal arfava e parava para descansar a cada cem metros...

Fui-me enfiando nos buracos e às tantas estava na traseira do segmento da frente. Aquilo ia avançando a passo de caracol, eram três e tal da tarde e eu ainda tinha de chegar a Cracóvia, pelo que passados dez minutos decidi seguir o conselho da Natália. Fiz sinal para os guardas, chamei-os e disse que tinha um avião para apanhar, e a perguntar se podia passar à frente. Inventei mais um bocado e os gajos deixaram-me passar. Passado três quartos de hora estava num furgão que me deixaria na estação de comboio.

Ia ficar em casa do Fernando, que tinha conhecido na internet através da minha página no facebook. Segui as instruções do rapaz e lá p’rás onze estávamos sentados em casa dele a ver o sporting e a bater um papo. O Fernando é um jovem descontraído de Mirandela, e vive em Cracóvia com mais dois espanhóis, um deles, o António, o primeiro espanhol que conheci que fal português. Tal como o meu anfitrião, um gajo muito bacano e calmo. Tinham-se conhecido em erasmus e quis o destino que lá fossem parar novamente. Trabalhavam ambos num call-centre e provavam o amor tinham encontrado por aqueles lados.

Tinha pensado ir a Auschwitz no dia seguinte, mas depois não me apeteceu muito... Assim fui ter com o David, outro tuga que tinha chegado a Cracóvia há umas semanas com um saco na mão e uma incerteza em relação ao seu destino. Felizmente acabou por encontrar trabalho também num call-centre, muito devido ao seu domínio da língua inglesa, fruto da sua infância num país francófono de que me esqueci.

Ao início pareceu-me um rapaz meio nervoso, mas acabámos por nos dar muito bem. Fomos ver um museu que não era mais que as fundações de uma cidade subterrânea na zona da praça principal e depois sentámo-nos num bar no paleio. O David é daqueles que estava farto de estar em Portugal e de sentir a falta de oportunidades, ou as eventuais injustiças mais frequentes do que deviam, como cunhas e cenas que tais. Por isso fez-se à VIDA, e até ver, correu bem. Falámos de política, de música, disto e daquilo, e quando demos por ela já tínhamos mudado de bar e já eram oito e tal da noite...

Um bocado já lançados voltámos a casa do Fernando, jantámos e encontrámo-nos com a Asha, que veio também sair connosco de seguida. Foi uma noite porreira, e uma boa despedida da minha viagem...

Sem pregar olho cheguei ao aeroporto, sem saber que VIDA seria a minha, sendo que não tinha imprimido o meu check-in. Mas há pessoal bacano se pedirmos com jeitinho. Assim, com um sorriso e um chapéu de cabedal à cowboy que tinha encontrado na rua, pedi a um rapaz de um rent-a-car e o gajo lá me imprimiu aquilo.

E assim de repente estava no avião, mais uma vez a sentir tudo aquilo quase como se não tivesse acontecido. Um mês de viagem entre breves dias na Roménia, dez na Moldávia, duas semanas na Ucrânia e duas noites na Polónia. Todas aquelas horas, dias e tempos como se tivessem sido um ano. É o que mais me fascina na viagem. É esta noção completamente maluca e distorcida do tempo. Lembro-me quando comecei, ainda estava na Roménia, e já me parecia que andava na estrada há semanas. Não percebo mas adoro. Não sei se tem que ver com a quantidade de pessoas que conhecemos e quilómetros que fazemos, se dos conhecimentos que adquirimos. Sei que o nosso cérebro como que se mostra cansado e saudavelmente envelhece com a constatação de que há mais VIDA em nós do que a dos segundos que a nossa pele viveu.

catorze e trinta e dois, terça, vinte e nove de Março de dois mil e doze
Portalegre, Portugal

sábado, 30 de junho de 2012

A Segunda Noite em Lviv

Ia encontrar-me novamente com a Natalia naquele meu segundo dia em Lviv. A custo consegui organizar-me e fui espalhar com o ar da rua a minha ressaca. Fomos lá cima ao castelo. Não é nada de especial, mas qualquer rua e lugar em Lviv é especial, por isso acabou por o ser. E, acima de tudo, dá uma paisagem porreira para a cidade. Depois disto andámos pela cidade sem grande propósito. Fomos ver a Opera, que é altamente.

À noite ia haver m encontro de couchsurfers num bar ali perto. Assim, comi qualquer cena e fui ter com o pessoal. Encontrei-me com a Eleonora, que tinha feito erasmus em Faro e se desenrascava com o português, a Krisitina, uma miúda que se tinha casado com um americano, país onde vivia, e que estava de férias na Ucrânia, e duas outras miúdas que não abriram a boca todo o tempo que lá estava. Não só era sábado como era a festa do St. Patrick, por isso a malta estava animada. Ficámos lá duas horas e tal e depois o pessoal decidiu bazar. Mas que raio era aquilo, que o pessoal bazava à meia noite?

Eu não estava a fim de dar a noite por terminada naquele momento e liguei a um americano que tinha ficado de aparecer. O gajo vivia ali perto e tinha feito uma festa em sua casa. Pois fui lá ter, claro. Curti muito. Estive quase toda a noite na cozinha, sentado na beira da janela. O pessoal vinha e ia, e íamos falando disto e daquilo. Pormenor altamente – a banheira era na cozinha! Estive lá até às seis e tal, e na manhã seguinte em vez de fazer o check-out ao meio-dia como era suposto saí quase às duas. Foi na boa.

Esse dia foi tranquilo, não fiz muito. Fui ter com a Halya e a irmã, que me iam albergar, e fomos almoçar. A Halya, de trinta anos, vive com a irmã num apartamento porreiro no centro de Lviv que comprou há dez anos por, imagine-se, cinco mil euros! Hoje em dia vale dez vezes mais. É uma miúda gira que já foi casada e cujo sonho passa, também, pela escrita. Encontrámos aí um ponto comum e muitas das nossas conversas andaram à volta desse assunto. Achei interessante a realidade dos escritores jovens na Ucrânia. A Halya vai escrevendo poemas. Traduziu-me um na hora e pareceu-me bom, mas assim é difícil de saber. É mais ou menos conhecida no meio e conhece a maior parte dos autores. O que achei interessante é que, ao que parece, os escritores jovens na Ucrânia são tipo celebridades. Se em Portugal quando vemos um escritor na televisão é porque ele é um comentador político ou algo do género, na Ucrânia o pessoal tem bandas de música, são apresentadores para a MTV, posam em revistas como a Playboy, entrou outras actividades tudo menos recatadas. Pelo que a Halya me disse não é difícil singrar como escritor naquele país de quarenta e cinco milhões de pessoas.

Quando voltámos a casa, depois do almoço, ela fechou-se no quarto a acabar umas cenas e eu vi um filme. Depois no serão conversámos mais um pedaço. Tal como muitas das outras raparigas que conheci na Ucrânia e na Moldávia, a Halya não é contra o aborto, mas nunca o faria. Acho interessante o sentido de maternidade que me parece mais apurado por estes lados. Atenção que não estou a ligar a renúncia ao aborto ao sentido de maternidade. Mas reparei que chega ali a uma certa idade, talvez passando os vinte e quatro ou vinte e cinco anos e já se deseja bastante um bebé. As razões são certamente culturais pois, da mesma forma, há uma pressão da família para que se casem, e se alguém, especialmente uma mulher, está solteiro aos trinta e tal anos, não é bom sinal.

Falámos acerca das mudanças na VIDA da Halya, que era conhecida pela sua vontade de sair à noite e curtir esse lado da VIDA, mas que ultimamente está mais recatada. Falámos disso e de uma paixão que tinha tido com uma celebridade qualquer e curti a rapariga. Acima de tudo pareceu-me muito honesta, daquelas pessoas que não tem nada a esconder.

Na manhã seguinte parti para Cracóvia, a cidade final desta viagem.

catorze e dois, terça, vinte e nove de Março de dois mil e doze
Portalegre, Portugal

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Chegado a Lviv


Em Lviv tinha uma pessoa que me podia albergar. Parecia ser um gajo muito porreiro, mas disse que estava meio doente e não sei quê... Ora eu não tenho problemas nenhuns com a doença própriamente dita, porque nunca fico doente, mas estava a apetecer-me cortiré. Apesar de ter tido anfitriões altamente na Ucrânia, eram todos um bocado calmos neste aspecto. E então apetecia-me um bocado a liberdade de ficar num hostel e de fazer exactamente o que me apetecesse, pelo que disse ao méne obrigado mas que não o queria importunar se ele estava adoentado.

Assim, cheguei a Lviv de manhã, cheio de sono, e pus-me a caminho de um hostel que tinha visto e que parecia bacana. Tive logo um bom feeling com aquela cidade. Fui dar ao hostel e aquilo era mais caro do que eu tinha visto na net. A miúda disse que havia preços diferentes para a internet. Já me tinha acontecido a mesma cena, na Bulgária, e eu agi da mesma forma... um bocado cara de pau, mas pedi-lhe então para usar a internet e marquei lá, pagando cinco euros e meio em vez de nove. Dormir de manhã e à tarde encontrei-me com a Natalia. Eu tinha postado no grupo de Lviv no couchsurfing a dizer que ia estar na cidade e a perguntar se alguém se queria encontrar para me mostrar a cidade. A Natalia mandou mensagem e assim encontrámo-nos.

A Natalia é uma miúda dos seus trinta anos, que já viveu em Inglaterra. É porreira, parece um chisco nervosa, mas passa despercebido. E Lviv é um estrondo. Gostei muito. Eu sou um desastre no que diz respeito a orientação. Contudo, em Lviv parecia que me era intrínseco. Não sei se é por ter várias igrejas e torres altas que me permitiam uma orientação diferente, não sei do que é... o que é certo é que é uma cidade onde me senti em casa instantaneamente. É bué de limpa, cheia de igrejas fixes, ruelas com cafés altamente e originais, praças e bares espectaculares. Curti muito o ambiente e voltarei, sem dúvida.

Lá p’rás sete e muito fomos para o hostel, onde me ia encontrar com o Myroslav, para irmos beber uns copos. O gajo apareceu e fomos ali a um bar com a Natalia, que bazou passado umas duas horas. O Myroslav é um gajo todo despachado, bacano com quem dá para bater uns dedos de conversa agradável ao redor de copos de cerveja. Curti o primeiro bar onde me levou, cheio de peças de caça nas paredes a decorar, e curti ainda mais o segundo, uma série de galerias subterrâneas onde comemos uma sopa de cogumelo e bebemos dois litros de cerveja, que ele fez o obséquio de pagar quando eu fui ao quarto-de-banho.

A noite estava fixe mas o gajo ia bazar à meia-noite, que não é altura de bazar em lado nenhum. Queria ir deixar-me ao hostel mas eu disse que não era preciso, que me amanhava. Assim, fui indo e perguntando a pessoal que encontrava na rua o que estava a acontecer em Lviv. Alguns disseram-me que àquela hora só discotecas e tinha de ir de táxi e pagar para entrar. Isso na minha língua é “vai para casa”. Assim fui indo e encontrei, por coincidência, o mesmo gajo a quem tinha já perguntado o que se passava na noite. O gajo disse que eu até podia ir com ele, mas que tinha de ser uma pessoa interessante e tal... eu disse que sim, que achava que conseguia ser minimamente interessante sem muito esforço... ele estava na dúvida e perguntou-me a minha profissão. Quando lhe disse que era psicólogo obtive luz verde de imediato. O pessoal assume que por ter esta profissão somos cultos e interessantes... o que pode ser um erro. Assim fui lá com o gajo. Sentei-me à mesa com os amigos dele, pedi uma cerveja. O pessoal desatou a oferecer-me shots de vodka. A próxima coisa que me lembro é acordar na manhã seguinte, no meu hostel, com a miúda que lá trabalhava a chorar no quarto-de-banho.

- Que se passa, estás bem? – perguntei, eu próprio a equacionar o quão bem eu estava e como sentia os efeitos dos exageros dessa noite.
- Sim, estou bem... é que estive a ler um livro...
- Deve ter sido um bom livro...

treze e trinta, terça, vinte e nove de Março de dois mil e doze
Portalegre, Portugal

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Kiev

Acordei terça-feira disposto a curtir o meu primeiro dia em Kiev. Cafézinho tomado, saí com a Ksenia de manhã, porque ela só tinha uma chave e a porta tinha de ser trancada. Custou, porque dormi no chão e estava um bocado partido da noite anterior no comboio, mas foi melhor assim.

Saí do metro na praça principal, fui ao McDonald’s ver o meu mail e fui ver a cidade. Na noite anterior tinha imprimido as páginas do lonely planet referentes a Kiev. Há pessoal que curte mostrar a sua “alternatividade” dizendo que não curte nada guias turísticos e essas merdas e não sei quê. Iá, é certo que um gajo pode nunca usar o guia e passar muito bem numa cidade. Mas também é verdade que seguindo as instruções dos guias há muito mais probabilidade de acertar no que ver do que caminhar aleatoriamente pelas cidades, como muitas vezes faço. É uma cidade altamente, na verdade, e no Verão será mil vezes melhor. É muito acidentada, o que nos permite vistas porreiras. Os edifícios são bacanos com esporádicas mansões altamente, sejam elas cor-de-rosa, castanhas ou verdes. Tem igrejas a dar como um pau, e muito fixes também. Costumo dizer que, para mim, o melhor da religião são os edifícios, que normalmente são bonitos. E curto ainda mais as igrejas ortodoxas.

Mas o que curti mais foi o mosteiro de São Miguel. Acho que é das igrejas mais fixes que já vi, a sério. O que é curioso, porque duzentos metros à frente tem outro mosteiro, da Santa Sofia e este é património mundial e é preciso pagar para entrar, contrariamente àquele que mais me seduziu, de paredes azuis e abóbadas douradas.

Nessa noite ia sair com a Ksenia, íamos ver um concerto qualquer. Estava também em contacto com outra rapariga que acabei por encontrar. A Hanna era para me albergar em vez da Ksenia. Mas deixou de me responder aos mails por isso tive de encontrar uma alternativa. Disse-me mais tarde que a sua mãe tinha adoecido e ela tinha viajado para o interior para olhar por ela.

Nessa noite perdi-me um bocado, mas lá dei com o sítio. Foi uma noite porreira, mas eu previ o que ia acontecer. É que estava a curtir, e estava naquele ponto em que uma pessoa está fixe e fala com toda a gente, quando a Ksenia quis ir embora. E não sei porquê tive ideia que ia ser assim mesmo antes de sair de casa. Mas ‘tá-se bem, um gajo adapta-se. Mas foi fixe ter conhecido a Hanna, que no dia seguinte me faria, sem querer, grande surpresa...

A Hanna é uma miúda de vinte e seis anos, jornalista mais ou menos conhecida na Ucrânia, quanto mais não seja por ter apanhado o filho do presidente bêbedo na rua e ter posto no youtube, tornando-se num vídeo famoso, com dois milhões de visitas. É uma rapariga porreira, com um sorriso simpático e muito descontraída. Pois a Hanna no dia seguinte disse que ia a uma festa porreira, e que tinha dois convites, a perguntar se eu não queria ir. Ora a Ksenia tinha falado num concerto qualquer (desta feita a sério, não um concerto de dj como tinha sido na noite anterior) e eu tinha dito que ia. Não estava mortinho por ir, mas iá, como tinha dito que ia, era um bocado foleiro dizer que afinal de contas tinha mudado de ideias. É que, sinceramente, achei que me fosse divertir mais com a Hanna, que tinha um estilo mais semelhante ao meu.

Pois nessa tarde fui ver Lavra, um mosteiro bastante grande, conhecido pelas suas grutas. Foi fixe, mas um bocado estranho. Aquilo é conhecido mais pelas grutas com os caixões de umas largas dezenas de monges – e é essa a cena meio estranha. A única luminosidade advém de umas velitas espalhadas nada eficazmente, e do pessoal que passa, quase toda a gente com a sua própria vela. As passagens são estreitas e quase não dá para passarem duas pessoas ao mesmo tempo. O pessoal passeia-se a benzer-se mil vezes e a beijar cada um destes caixões onde, debaixo de um um manto está o corpo mumificado de um monge. É interessante, vale a pena visitar.

Quando bazei caminhei p’rai duas horas ao longo do rio e depois fui para casa. Quando cheguei a Ksenia disse que afinal não lhe apetecia ir ao tal concerto. Eu estava todo partido, mesmo, tinha caminhado horas a fio, mas só fiquei em casa dez minutos. Tinha uma mensagem da Hanna a dizer que era uma festa Gogol Bordello e que se eu quisesse ir podíamo-nos encontrar daí a meia hora. Liguei-lhe, disse “‘Tá tudo” e fui. Os Gogol Bordello são uma banda baseada nos Estados Unidos mas que tem membros de diferentes países. Eugene Hutz, o vocalista e figura principal, é ucraniano, tendo emigrado com os país quando tinha entre dezasseis e dezanove anos. Em Novembro de dois mil e dez era para ir ver os gajos com o João, em Portugal, já tínhamos os bilhetes e tudo. Mas os gajos cancelaram e entretanto eu bazei para a minha viagem pelo que, nada feito... Quando a Hanna me disse que era uma festa Gogol Bordello imaginei que fosse um DJ a passar música deles e se calhar outros motivos ou cenas assim. Assim, chegámos, e estava um DJ a passar música. Havia muita canalhada dos seus dezoito anos mas estava um ambiente fixe. Era uma festa qualquer patrocinada pela Nokia...
- Então e que DJ vem a seguir? – perguntei à Hanna.
- Não é DJ nenhum, são os Gogol Bordello! – respondeu, para meu espanto. E foi altamente. Ver Gogol Bordello na Ucrânia tem uma certa especialidade. Não sou muito conhecedor das músicas deles, o meu conhecimento vem do carro do João e está para sempre associado a voltar do Porto às dez da manhã depois de uma qualquer noite muito própria. Ainda assim curti bués e valeu muito mais a pena, sem dúvida, ver Gogol Bordello sem pagar, do que pagar para ir ver outra cena qualquer.

No final voltámos para casa. A Ksenia ficou tão surpreendida quanto eu quando lhe disse que tinham, efectivamente, sido os Gogol Bordello a actuar.

No dia seguinte fui ao museu de Chernobyl. Não gostei muito. Tenho de confessar que estava à espera de ver um porco com oito pernas que tinha lido que tinham conservado para ilustrar as mutações, mas não vi nada. Mas ainda assim, o pior foi que estava tudo em russo. Mas iá, valeu a pena, sempre dá uma outra ideia, mais real, obviamente, sobre o que aconteceu, a magnitude e o número de pessoas que afectou. Depois disto pensei em dar mais uma volta mas não me apeteceu. Enfiei-me num cadé qualquer a fazer qualquer cena, depois fui buscar a minha mochila e fui para a estação de comboio.

Uma cena a que achei um piadão – fora da estação de comboio há um McDonald’s. Nada de novo. A cena é que este McDonald’s partilha uma parede com o Mc’Foxy, que é igualzinho ao McDonald’s, só muda o logotipo. É a maior lata da imitação que já vi. Mas na Ucrânia vale tudo, pelo que parece...

catorze e onze, segunda, vinte e sete de Março de dois mil e doze
Vale de Cambra, Portugal