Andei com os curdos turcos p’rai três horas. Eles não falavam inglês, por isso não interagimos muito. Eles iam para o sul, e eu ia para Erbil. Sem exagero, eles pararam umas vinte vezes para perguntar as direcções para Erbil. A sério. Às vezes alguém dizia “é p’ráli”, eles iam pr’áli cem metros e perguntavam outra vez. Às vezes perguntavam mesmo depois de terem passado uma placa, ou à frente de outra placa. Mas ok, tudo bem.
Estava convencido que me iam deixar mesmo em Erbil, mas deixaram-me à entrada. Era já de noite e estava um certo friito. Fui caminhando, tentando chamar a atenção dos carros que passavam, mas aquele breu não me deixava ser visto nem por nada. Assim, continuei a caminhar à procura de algum sítio mais luminoso. Eventualmente dei com um semáforo. Aí falei com um taxista. Eu queria perguntar se ele ia na direcção de Erbil e se, caso fosse, me podia levar. Ele mandou-me entrar, apesar de eu ter dito que não tinha dinheiro. Andámos um bocadito e eu só para ter a certeza disse outra vez, em curdo, que não tinha dinheiro. Ele voltou a dar aquele sinal de “não há crise”, e andámos mais um bocado. Parámos, ele sacou de duas mil coroas, ou reais, ou lá o que é, já não me lembro... sei só que são dois dólares, mais o menos.
estou no autocarro para Teerão e o gajo aqui ao lado, que foi fixe e me deixou ligar para o meu anfitrião, está a dormir em cima de mim
Pois o senhor taxista deixou-me a meio caminho do meu destino, e não só não me cobrou pela corrida como me deu dois dólares para eu arranjar quem me levasse. Ora esta! No próximo semáforo fui perguntar se o pessoal ia para Erbil. O senhor do pendura disse que não mas o outro disse que sim. Deu-me a entender que me foram levar de propósito. Mas entrei no carro foi festa rija! Os gajos não cabiam em si de excitação. Era um condutor gordito de uns trinta anos, e um senhor p’rai de cinquenta. Ligaram a duas ou três amigos que falavam inglês para falarem comigo, ofereciam-me isto, ofereciam-me aquilo, mas o mais importante foi terem-me deixado ligar ao Andy, que até a essa altura não sabia que eu estava a caminho. Disse logo para eu ir lá ter, nem me deu oportunidade de dizer o da praxe que é “se houver problema por eu vir mais cedo posso sempre ir para um hotel”. Por acaso, antes de lhe ligar tinha pedido aos meus amigos condutores, através do tradutor ao telefone, para me deixarem num hotel barato. Estaria numa situação muito pior. Isto porque o Andy, tal como o Zhino, meu outro anfitrião, me pagaram tudo, poupando eu os meus dólares, dólares esses que se revelarão fulcrais nestas próximas três semanas...
Entrei em casa do Andy, ele passou-me um telemóvel curdo para a mão, uma cerveja e a chave de sua casa, e disse que íamos a um sítio beber uns copos e comer qual quer coisa e para eu fazer o que tenho a fazer.
O Curdistão foi tipo queima das fitas. Vai saber-me bem agora um período sem exageros (sendo que no Irão e Paquistão não se vende álcool legalmente).
Na sua casa estava o Steve, o Bruce e a Bonnie. O Steve é um inglês a viver em Duhok, a quem eu tinha mandado mensagem a pedir guarida, mas mensagem essa que não foi respondida, talvez por ele estar em Erbil. N a primeira noite achei-o meio palerma, mas depois acabámos por nos dar bem e ficámos juntos os próximos cinco dias, tendo ele vindo comigo para Sulaimainia. O Bruce é um americano de cinquenta e sete anos que já esteve em mais de cem países. De quem já esteve em tanto lugar e já viveu em mais de dez, esperava uma outra atitudo a nível geral. Um gajo muito crítico e julgador. E isto vindo de mim, hã, que também tenho os meus níveis de criticismo aqui sempre a bombar! Mas de todo o modo, não curti muito a sua conversa algumas noites depois. E não escondi o facto, o que o levou a entrar por aquele caminho do costume de “eu até tenho amigos muçulmanos!”. Pá quando ouvirem alguém a dizer “eu até tenho amigos pretos/gays/muçulmanos”, há que hesitar. Porque se eu não tenho nenhum problema, por exemplo, com gays, basta-me dizê-lo, não preciso de me atribuir um ponto extra afirmando que eu até tenho amigos gays. A Bonnie é uma senhora americana que supostamente conheceu o Ahdeminajad (não tenho net aqui, por isso não posso confirmar se é assim que se escreve o nome do presidente do Irão). Mas disse-me o Brian, vizinho americano do Andy e gajo altamente, que ela esticava a verdade vez por vez. É engraçado quando uma pessoa convive um bocado com alguém e houve a pessoa a contar a mesma estória duas vezes, mas com aspectos, até importantes, diferentes. Aconteceu comigo e com o Steve uma vez, mas a estória não era assim tão importante...
Já o Andy, u, americano da Califórina, um gajo fixe que foi um anfitrião muito porreiro. O gajo vive num T4 só para ele, tal como a Bonnie, o Bruce e o Brian, todos no mesmo edifício. O Andy ganha 4000 dólares por mês, sem pagar impostos, e os outros devem ganhar entre 2500-3500. O Steve, mais novo (tem 29), ganha 2100 dólares, também sem impostos, em Duhok. Nenhum deles paga renda. Achei um exagero. É que nenhuma pessoa sozinha precisa de um T4 só para si. O salário ainda é naquela, não vou discutir isso, mas um T4 com uma sala do tamanho de um salão de bilhar é exagerado. E não pagam contas também, o que me fazia sofrer um bocado ao ver as luzes sempre ligadas independentemente (esta é das palavras mais dífíceis de escrever sem erros, para mim, à primeira) de estar lá alguém ou não. E o ar condicionado estava ligado em todas as divisões. Eu ia desligando quando passava por eles, até que o Andy pensou alto “quem é que andará a apagar as luzes”, e quando eu lhe disse que era eu, ele disse para não me preocupar. Não falei do ambiente. Tínhamos tido uma conversa no dia anterior em que ele tinha dito que detestava hippies e essas cenas de vegetarianos e tal e então decidi não trazer à baila o assunto outra vez.
Na verdade, apesar de ter sido um gajo fixe, achei-o bastante cínico. Disse-o logo na primeira noite, e ele concordou. Ele e o Steve. Estava a meter-me um bocado de impressão a maneira como eles falavam das cenas, em particular acerca do couchsurfing. Bué de negativismo e cinismo. E por isso disse “pessoal, correndo o risco de dizer algo que não é, para vocês, propriamente fixe, vocês parecem-me tão negativos, e até cínicos...”. O Steve, de 29 anos, que estava bem, bem entrado e que às vezes me parecia que queria agradar o Andy com as suas opiniões, disse que eu era novo e não sabia as cenas e não sei quê e que o pessoal à medida que vai envelhecendo vai ficando cínico. Mas ‘tá-se bem. Ele pouco depois adormecer e eu fiquei à conversa com o Andy sobre religiões e deus, e coisas assim. Mas, como disse, o Steve acabou por se revelar um gajo fixe.
Erbil não tem nada que ver. Nada. Tudo o que fiz em Erbil foi beber cerveja, dar uma caminhada uma ou duas vezes, conversar, e outras coisas que podia fazer em Portugal. Mas foi fixe ter lá estado, foi tipo uma pausa na viagem. Fiquei lá até dia vinte e dois de Março. Tinha perguntado ao João onde se passava a fronteira e ele tinha-me disto em Sulaimainia. Ora eu nem confirmei, e cheguei a arrepender-me disso, por uma hora, e depois “desarrepender-me”, quando conheci o Lucas.
15h17-26-3-11
Algures entre Hamadan e Teerão
Do Porto para Teerão um GRANDE abraço!
ResponderEliminar....e não gastes os USD's todos :o)
Tudo de bom.