terça-feira, 15 de março de 2011

na fronteira Síria


Estou na fronteira do Líbano com a Síria, do lado sírio, e já cá estou há p’rai duas horas. Nem consigo pensar direito, com a minha mente a viajar constantemente para o vazio do meu estômago. Merda de burocracias, que se há-de fazer? É ver o pessoal a chegar e a ir constantemente, pedindo-me, de vez em quando, se posso trocar dólares ou se tenho uma caneta. E eu aqui sentado, pobre tuga! De certa forma não me posso queixar desta tuguísse pois, apesar de tudo, não há países que nos odeiem necessariamente, e a VIDA até é fácil, em termos burocráticos, quando comparando com americanos, israelitas e pessoal que não Unió-Europês...

O pior é que já está de noite, são sete e um quarto, e os meus pés, coitados, queriam algum calor. Não sei onde vou ficar. Até hoje de manhã não me tinham respondido afirmativamente aos meus pedidos no CS para Damasco. Houve um gajo que respondeu e disse que vivia a setenta quilómetros. ‘Tá-se bem, não há crise. Mas não posso escolher à sorte uma cidade a setenta quilómetros de Damasco, e lá escolher uma casa à sorte e perguntar se é lá que vive Fulano Tal. Claro que lhe perguntei onde era, mas como bazei logo, não pude ver a sua resposta, caso tenha respondido. Também não tenho, ainda, rede no telemóvel, por isso não posso pedir a alguém para ir à net ver se tenho sofá disponível ou não.

Ui coitadinho de mim, isto é só queixas!

Bem o plano é tentar ir a boleia até Damasco, mostrando a minha frase maravilha, que me escreveram em árabe, ao pessoal que passa, ou meter-me num dos milhentos táxis que passam por aí. Acho que me disseram que seis dólares é um bom preço. Chegando a Damasco vou ver se encontro um internet café para averiguar eventuais respostas no CS. Falhando isso, acho que é hoje que vou pagar, pela primeira vez, para dormir. Eia pá como o estômago ronca! E não posso sair daqui para ir comer, que riso!

(veio agora um méne perguntar-me a profissão, para onde vou, onde vou ficar, quanto tempo e para onde vou depois. respondi e abandonou-me)

Beirute foi porreiro. Estava à espera de festa rija, mas acabou por não acontecer assim rija rija. Mas foi fixe. Não fiquei fascinado mas também acho que me deve ter escapado alguma cena. Na sexta-feira mandei-me pela cidade outra vez, sem grande destino em mente. Mas chovia de caraças e isso, não só enviesa um bocado a maneira como um gajo vê as cenas, mas também... molha. E como molha, de vez em quando tinha de me abrigar, quando a chuva passava de super-molha-tolos para uma molha que escolhe pessoal indiscriminadamente, independente de serem tolos ou não. Não sei se eu estava com uma neurita ou não, mas irritou-me um bocado o stresse da cidade. Tipo quando a luz do semáforo fica verde e o pessoal, que não pode esperar um terço de segundo, começa logo a disparar buzinas a torto e a direito. Calma pessoal!

Às quatro e meia encontrei-me com o Michal e o Jorge, o puto venezuelano. De início, no dia anterior, pareceu-me que agia um bocado cool para dar uma certa ideia de quem se marimba para tudo, mas acabei por curtir bastante o puto, tipo irmãozito mais novo. Íamos para a happy hour do Speakeasy, onde a cerveja era, das cinco às seis, um dólar, à medida que íamos encontrando pessoal aleatoriamente. Já tinha reparado nisso no dia anterior – não sei se é daquela zona ou não, mas parece-me uma cidade pequena, simplesmente porque o Michal estava sempre a encontrar alguém. Até a rapariga a quem eu tinha perguntado direcções no dia anterior (para o bar onde eu pensava ter perdido o Ipod que afinal não perdi) estava na nossa mesa. Gastei uma nota preta, mas paciência. A noite foi fixe. Mal falei com o Michal. Entre cervejas e amendoíns fui conversando com o pessoal. Tinha bué de americanos, mas daqueles que vão contra o esterótipo do americano ignorante que não sabe nada. Basicamente, o pessoal era todo porreiro. Fomos depois para o Captain’s Cabin, um bar também cheio de estrangeiros. Os locais que conheci convidaram-me, à volta de um jogo de bilhar, para ir com eles às prostitutas. Deixei-os ir e fiquei mais meia horita à conversa com o Michal.

Fui dormir consciente de que poucas horas passaria ali, naquela cama feita de almofadas de sofá, pois tínhamos planeado ir, no dia seguinte, visitar uma vila ecológica de que o Michal tinha ouvido falar. Assim, acordámos, apanhámos um taxi e encontramo-nos com a Leslie e a Anna, americanas com quem tínhamos estado nos dias anteriores, e o Jorge. Apanhámos um autocarro sem saber exactamente para onde íamos e assim acabámos por saír num sítio que não tinha sido o planeado. Mas foi fixe porque passámos um par de horas lá num palacete interessante. Visto isso, fomos perguntando aqui e ali e gerou-se uma noção do sítio para onde queríamos ir. Apanhámos umas boleiazitas pequenas e fomo-nos aproximando. Pelo meio comemos, sentamo-nos, eles compraram umas cenas, e outras actividades que fez com que demorássemos o triplo do tempo que era necessário, mas sem problema.

A dada altura avistámos a primeira placa a dizer “eco-village”. Tínhamos planeado passar lá a noite, dependendo dos preços, e tínhamos comprado duas garrafas de vinho e uma de Rake caseira. Apanhámos boleia numa carrinha de carroça aberta que foi demais. Curti mesmo aquele momento. Andar ali, o Vento a massajar-me a cara, olhar para o lado e ver aquelas montanhas, foi algo extraordinário. Eram tão fixes que pareciam um cenário, não parecia real!

Lá trocámos de boleia, porque ao irmos para baixo encontrámos alguém que ia para cima e a seguir ia para baixo e nos podia levar. Ficámos a saber que eles não tinham tendas, e que para ficar numa casa na árvore ou num barraco normal, eram 30 dólares (o dólar usa-se no Líbano com a mesma facilidade que a moeda local). Era demasiado, mas fomos para baixo ainda assim, confiantes de que algo se arranjaria. Não se arranjou. Contudo, a vila era demais. Casas na árvores, um semi-restaurante com uns puffs porreiros e confortáveis, o rio mesmo ao lado, as montanhas verdes ao redor e um sem número de plantações disto e daquilo. O Jorge, que por estar no Líbano há um ano já se desenrasca bem com o árabe, tentou negociar com o homem mas este revelou-se intransigente. Pá que não negoceie, é a sua cena, agora que nos tenha pedido 20 euros por nos ter trazido para baixo e nos levar para cima a seguir (ele ia fazer ambas as viagens de qualquer maneira, porque estava a transportar alguém, um trabalhador, ou assim, e era uma viagem de dez minutos), é chunga... Acabou por nos levar para cima por quatro euros...

Começava a afigurar-se inevitável voltar para Beirute. Mas ainda assim foi fixe. Gostei de sair da cidade e experienciar outra cena bastante diferente, muito menos ocidental. O Michal não se estava a sentir nada bem e quando chegámos, após alguma hesitação cada um foi para seu lado. Apetecia-me cortiré, mas não havia grandes perspectivas disso, por isso fiquei por casa. O que tramou o Michal, que andou a correr para o quarto-de-banho toda a noite, foi provavelmente um iogurte líquido que ele bebeu. Paciência.
               
Hoje parti para a Síria. Feitas as despedidas, encaminhei-me para Cola (que se chama assim porque dantes havia ali uma fábrica de Coca-Cola), onde apanharia um autocarro para uma cidade fronteiriça por dois euros. Caminhei cerca de uma hora e tive oportunidade de ver o pessoal numa manifestação anual, do partido da oposição. Havia ainda mais militares pelas ruas, bem como helicópteros e essas cenas. Só de ver aquelas metralhadoras que cada um tem quase que ficava mal disposto. Pensei noutro dia que, se me aparecesse um génio, um dos pedidos seria que mais nenhuma arma (pistola, bomba, etc) pudesse ser disparada. De repente acontecia um fenómeno qualquer e estes instrumentos deixavam de funcionar. Como seria o mundo? Será que o pessoal mudava num ápice para usar exclusivamente armas químicas e biológicas? Infelizmente, certamente...

Quando cheguei a essa cidade tentei ir à boleia até à fronteira. Houve pessoal que me ofereceu preços para Damasco que se calhar até podia negociar e não eram tão maus, mas não me dei ao trabalho porque imaginava que ia esperar aquilo que estou a esperar na fronteira. Apanhei boleia com um taxista que falava português, e o méne deixou-me na fronteira. Sair do Líbano foi tranquilo, agora entrar na Síria não está fácil. Poderá ser por ter no passaporte os vistos do Paquistão, Índia e Irão? Não devia ser porque entrei na Síria há quatro dias – e às tantas o problema é mesmo esse. Quem sabe? Que se lixe.

                19h55-d-13-3-11
Na fronteira síria

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