quinta-feira, 17 de março de 2011

Damasco


Passados alguns minutos de ter acabado o texto anterior recebi o meu ok. Depois foi pagar o visto, levar o carimbo e siga para Damasco! Era fixe se tivesse sido assim tão fácil... Bem, não foi, tipo, nicado, mas também não foi fácil.

Estava com um frio terrífico! Os meus pés estavam tão frios que eu pensava que estavam molhados. Uma cena estranha... Pois plantei-me à porta do edifício onde se tiram os vistos e ia mostrando o textinho que dizia aquelas cenas em árabes, mas não estava com sorte. Um méne disse que me podia levar por vinte dólares. Quando outro, uma hora antes, me podia levar p’rai por três ou quatro. Everybody’s trying to make a buck...

Caminhei cem metros para norte e fui à loja duty free, para ver se conseguia alguma coisa ali e averiguar se estava aberta vinte e quatro horas por dia, para um gajo dar o xónix mais tarde, se preciso fosse. Foi lá que me safei, mais ou menos. Mostrei o meu sinal a um méne, que depois falou com outro. A cena é que toda a gente pedia dinheiro, o que não é fixe, sendo que já iam para Damasco e iam... E o mais estúpido é que Damasco era a quarenta quilómetros! Lá me puseram a falar com uns ménes que iam para Damasco, e eu mostrei o sinal e disse que só queria dar cinco dólares. Os gajos tinham aquele aspecto entre o engraçado e o suspeito. Tipo chicos-esperto.s Entrei no carro deles e um começou a falar comigo em francês. A propósito, o meu conselho para quem quer andar por aí, aprendam tudo o que puderem. O espanhol já me salvou, o italiano e o francês. Muitas vezes o inglês não basta.

Andámos lá um pedaçito na zona fronteiriça e ia-os ouvindo dizer ao pessoal, de quem pareciam ser amigos, qualquer cena em árabe e depois “português”. E o pessoal vinha ver aqui o Tóni, que parecia uma animal de circo. Mas estava tranquilo, não me senti ameaçado nem nada. Interessante foi ver o condutor a passar uma nota a um militar com um aperto de mão, como quem não quer a coisa. Estranhei, mas ok. Só que depois fizeram o mesmo a outro. Finalmente, aconteceu o mesmo com um terceiro, mais à frente, que depois devolveu o dinheiro, a dizer umas cenas quaisquer em árabe, tendo tido o condutor quase que obrigar o méne a aceitar. Ora o gajo que falava francês tinha-me dito que o seu trabalho era vender legumes e fruta. Quando lhe perguntei porque é que eles estavam a dar dinheiro aos militares, o gajo disse “porque o meu trabalho não é possível”. Perguntei se ele queria dizer “ilegal”, ao que ele respondeu afirmativamente. Ilegal vender fruta? Duvido! Certo é que os gajos tinham um bidãozito no banco de trás p’rai de trinta litros. Ia vazio e eles encheram-no ali na fronteiriça, metendo-o de novo ao meu lado. Via os gajos a fumar com um garrafão de trinta litros de gasolina ao lado e só imaginava o carro a ir pelos ares. Não escrevo do céu, ou inferno, por isso dá para perceber que não aconteceu. Não sei se era combustível que traficavam, mas na verdade não me interessa, desde que não seja armas ou criançinhas na mala.

A caminho o pendura ia perguntando porque é que eu não tinha dinheiro, e se tinha cartão e não sei quê. Eu disse que tinha algum dinheiro, mas como ia viajar muito tempo não podia gastar muito. E que tinha um amigo em Damasco que me pagava o hotel. Como eu tinha antecipado, ao chegar a Damasco o pendura diz-me que o amigo condutor estava a dizer que eu tinha de pagar cinquenta dólares. Foi tranquilo. O gajo estava a mandar o barro à parede, simplesmente. Um gajo só tem de mostrar que na nossa parece o barro não cola. Nem foi daquelas situações que o pessoal imagina, tipo não nos deixarem sair antes de pagarmos o dinheiro e situações que tal, mas de todo o modo fica o meu conselho – seja em que situação for, quando sabemos que o pessoal se está a aproveitar de nós, convém passar uma imagem de confiança e controlo da situação, mesmo que um gajo esteja em frangalhos por dentro. Como disse, não era assim que me sentia, foi tranquilo, mas fica a dica, que concerteza não é nada que já não saibam. Às vezes um gajo está simplesmente não está para se chatear e até paga mais, mas aí há que pensar que, mais que perder algum dinheiro, estamos a contribuir para que eles continuem a tentar este sistema. Contra mim falo, porque já, em algumas situações, não nesta viagem, paguei mais um bocado porque não era assim tanto. Como a passar a fronteira da Roménia para a Bulgária, quando nos pediram um imposto de ponte, ou uma cena assim parva. Felizmente estava lá a Graciete que vestiu as calças e não deixou que fizessem farinha do tuga!

Os gajos deixaram-me na cidade, eram p’rai nove e tal. Fui ter a um internet café para ver se tinha o contacto de algum couchsurfer mas, apesar da internet funcionar nos computadores todos à minha volta, no meu pczito, só o skype funcionva. Liguei então ao João e pedi-lhe para aceder à minha conta e ver se alguém tinha respondido. Um méne tinha dito que me podia ajudar, mas eu não tinha o seu número e o gajo não estava online. Pedi ao João para lhe mandar uma mensagem a pedir o número, mas sem grande confiança, sendo que não planeava ficar ali em frente ao pc (sem net) à espera. Assim, pus-me a caminho para a zona onde tinha visto num guia alguns hostels baratos. Pelo caminho ia espreitando a ver onde, se preciso fosse, podia dormir, tipo num prédio abandonado ou assim.

Quando cheguei a Al Basha, a zona onde estava o meu hostel que não encontrei, falei com um tunisino que me disse que tinha andado a perguntar de hotel em hotel no dia anterior e que não tinha visto nada mais barato que quarenta dólares. É muito guito, pá!

Ainda assim entrei no Crystal Palace Hotel, o primeiro que vi. Topei logo que não era a minha cena. Perguntei o preço e o senhor, com cara de simpático, perguntou se eu não queria ver o quarto. Ok, ‘tá tudo. Iá, era um hotel a sério, com banheira e tudo! Definitivamente não era a minha cena. Ele disse-me que o preço era quarenta dólares (trinta euros), assim baratinho porque tinha acabado de ser usado (e limpo) e já eram aquelas horas. Eu agradeci mas disse que só podia dar mil libras sírias (quinze euros). Eu não estava a tentar negociar mesmo, estava pronto para bazar. O senhor sorriu e disse que mil libras e nada era o mesmo. Passado um bocadito disse “ok, duas mil libras e ficas com o quarto, ok, ok”, com aquela cara de eu-faço-te-este-favor-vá-lá. Eu agradeci mas disse que não podia dar mais de mil, e que ia procurar outro sítio. Ele disse “ok, ok mil e quinhentas libras e ficas com o quarto, ok, ok”, com aquela cara de ‘tou-a-fazer-um-preço-tão-espetacular-que-não-podes-recusar. Eu, com a minha cara de miudo inofensivo disse “a sério meu senhor, eu não ‘tou a tentar negociar, é que só quero dar mesmo mil libras”. E ele disse “ok, ok mil libras e ficas com o outro quarto, ok, ok”, e levou-me para outro quarto, igualzinho. Acho que ele levou-me para o outro quarto para não parecer que ele tinha baixado de trinta euros (já um bom preço) para quinze pelo mesmo produto.

Lá fiquei. A primeira noite em que gastei dinheiro em acomodação. Liguei a televisão, para usufruir ao máximo desta nova experiência que é estar num quarto de hotel, e sem saber mais o que fazer para maximizar o meu dinheiro, tomei um banho de imersão.

Hoje acordei e fui levantar dinheiro. Consegui trocar catorze mil libras libanesas que tinha, o que foi fixe, pois já não contava encontrar câmbio. Troquei para oito dólares. Pessoal, não subestimem esta moeda, se andarem por aí ao desbarato. Depois de pagar, pedi para deixar a minha mochila no hotel e fui dar uma volta. Estava a curtir Damasco, mas faltava-me algo. Estava meio cansado assim meio de repente e doía-me um bocado a cabeça. Não sei se foi dos óculos de sol que comprei... se não tiver protecção UV faz doer a cabeça?

Tinha grandes expectativas para Damasco, mas acho que por não me sentir em pleno, estava a promover a mnha própria desilusão. Tinha consciência disto, e por isso tentei mudar, mas sem grande resultado. Entrei num Palácio porreiro sem pagar (a oportunidade apareceu sem eu fazer por isso e entrei pela saída) muito fixe. A cidade tem muito movimento, mas sem ser daquela forma tão stressada como senti no Líbano. O que não gostei no Líbano, não sei se já disse, foi aquela sensação que ia haver uma guerra a qualquer momento. Nunca vi tantas metralhadoras!

A dada altura comecei a sentir-me melhor. Sorri de dentro para fora e os meus olhos mudaram de roupa e o cenário tornou-se agradável. Tinha ido a um café com internet e consegui comunicar com o rapaz do CS que tinha dito que me podia ajudar a encontrar um sofá. Foi mais ou menos aí que me comecei a sentir melhor, o que me deixou a pensar se não seria meio só que me sentia. Os sentimentos não vêm com etiqueta, e apesar de eu até me considerar um gajo em contacto com os seus próprios sentimentos, às vezes não é assim tão fácil descortinar o que anda p’raí. Tenho alguma resistência em considerar esta hipótese, porque sempre me dei excelentemente sozinho, mas ok, vale a pena pôr na mesa.

Tive logo um bom feeling com o Habib. É um bom rapaz. Foi-me buscar ao sítio combinado e fomos tomar um café ali perto, onde estava o seu amigo... Marzin? Algo assim. Ele não me podia albergar, mas conhecia alguém que talvez pudesse. Só que esse alguém não atendia o telemóvel. Começou a desenhar-se a opção de ficar com uma família árabe qualquer por seis ou sete euros. Sempre era melhor que pagar os quinze que pagara na noite anterior. Todavia, o Marzin lembrou-se do Nick, um rapazola de Hong-Kong amigo deles que, sim, acabou por me albergar. A cena interessante com este gajo... – Há uns portugueses (www.2numundo.com) que vão de Ovar a Macau de bicicleta. Eu sabia deles porque a Graciete viu uma entrevista qualquer com os mesmos, na tv. Além disso, escrevem também para a Visão. Ora este casal de viajantes foi albergado pelo Nick ne França, há uns tempitos, e aqui na Síria, neste mesmo quarto, há pouquito tempo! O mais engraçado é que no dia seguinte ao Nick me ter dito isto o rapaz, Rafael, enviou-me uma mensagem na minha página do facebook. Mundo pequeno pá!

Não sei se deu para perceber, mas a meio do parágrafo anterior houve uma quebra de dois dias.

No dia seguinte fui ver Damasco. Fui à Mesquita principal, uma das obras mais marcantes do Islão, li, e que é, efectivamente, muito porreira. Lá confirmei a minha ideia de Damasco. Não é como imaginava, mas é muito fixe. Dá para passar uns dez dias entre a Síria e o Líbano e ver cenas muito interessantes. Claro que mais tempo também não era desperdício, mas trabalhando vivemos com as constantes correntes que nos amarram a cadeiras que não nos permitem soltarmo-nos durante muito tempo, por isso, dez dias, ok...

Andei pela cidade meio ao desbarato, contente e levezito, a ouvir música, comer qualquer coisa de vez em quando. Vim para casa e o Nick tinha-se esquecido de deixar a chave lá naquele sítio especial, por isso fui fazr tempo. Depois outra vez. Quando finalmente cheguei e ele estava em casa, estava prestes a sair. Ia ver o Manchester com uns amigos e fumar xixa (tabaco aromático naqueles grandes cachimbos, para quem não sabe). Fui com ele e passei-me com a importância que o pessoal dá ao futebol aqui. Já tinha reparado que as tshirts do Cristo Reinaldo andam por todo o lado, bem como as do Messi, mas não é só por estilo, o pessoal segue mesmo as equipas europeias aqui, vibrando, torcendo e gritando golo, em vez de ver só por ver. Pelos vistos as equipas mais importantes aqui são o Inter, o Real, o Barça e o Bayern, vá-se lá saber porquê.

Foi fixe ter ido com ele. Éramos uns dez, sentados numas cadeiras na rua, meio apinhados, dada a falta de espaço, à volta de dois ou três narguilés, chá e, ora boas conversas, ora conversas futebolísticas. Vieram connosco a Miriam, o Felix e o outro espanhol cujo nome não recordo, que estavam no Egipto aquando da revolução, mas a universidade deles mandou-os bazar e mandou-os para a Síria. Eles, tal como os outros estrangeiros que aqui conheci, estudam “Estudos do Médio Oriente” ou “Ciências Políticas”, e para isso é preciso passar um ano no Médio Oriente. Fixe. Achoj que dá para sobreviver com bom conforto em Damasco com trezentos euros por mês. Fomos ver a casa onde iam ficar a viver o Felix e a Miriam, e eles pagavam 150 euros cada um, com contas, e tinham ainda uma sala enorme e um terraço que dava para ver Damasco por cima.
               
Escrevo depois sobre o dia de hoje, em que fui ver Palmyra. E escreverei um texto em separado sobre a situação aqui na Síria. Hoje tive a sorte de pedir direcções a um par de rapazes que caminharam comigo quase uma hora e muito me contaram sobre esta realidade...

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Damasco

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