quinta-feira, 3 de março de 2011

Antalya

Estou em Antalya. A ouvir “Back From Cali”, do Slash com o gajo dos Alter Bridge. Excelente. Estou viciado na música acústica mas agora ouço a versão original, que também parte vigas. Estou sentado na sala do Turker que, tal como a sua namorada e o meu companheiro de viagem, já dormem. Ou pelo menos pelos lençois navegam.

O fim-de-semana anterior foi uma loucura. Ou pelo menos o sábado em que fomos para Sile. “Vamos com um grupo um tanto ao quanto totó”, diz-me o Juhan (novo nome do João). Caminhávamos em direcção aos carros, eu, ele, o grande Pawel, a Kat, uma Australiana de ascendência polaca, muito fixe com uma personalidade muito própria e uma mente que lhe permite dizer o que por si vai, a nossa anfitriã Rafika, uma miúda cujo nome não me lembro e o turco cipriota que respondeu à nossa mensagem no grupo do couchsurfing e que levava um dos carros. Este gajo, iá, hesito. Não tenho grandes certezas, sendo que um dia não são dias, e nem sei se dizia o que dizia para nos impressionar, mas parecia ser das pessoas que dá o mau nome aos turcos, mau nome esse que surge em conversas como as que eu tinha tido no dia anterior. Foder p’ráqui e p’ráli, e uma maneira geral de falar acerca de mulheres que não me apraz de maneira nenhuma. Se escrevesse aqui alguns conteúdos os meus jovens amigos achariam foleiro e a minha mãe nunca mais lia o meu blog. Pá eu sou tudo menos um puritano, mas há cenas e cenas... E o que mais me confunde é que eu não estou habituado a não ir com a cara de alguém a cem por cento, e não estou habituado a dizer, ou pensar, “eu não confio naquele gajo”, e então é uma cena nova com que não sei lidar muito bem. Mas ‘tá-se bem, é só uma cena que se me afigura interessante.

De todo o modo, quando chegámos a Sile, comemos umas cenitas, tomámos uma cafezada com os amigos da Refika em casa de quem íamos ficar, e depois fomos comer um cachorro. A Refika tinha dito que íamos ficar numa casa sem água nem electricidade. Ok, tudo bem. Preferia que tivesse, mas ‘tá-se bem. Foi por isso que me surpreendi quando dei por mim numa mansãozinha toda porreirinha com, imagine-se, estes luxos, como água e luz. Um amigo dum amigo, ou uma cena assim que não cheguei a perceber, disse que iá, não há crise, podem ficar em minha casa. A continuar a fama da hospitabilidade destes turcos. Eram três amigos jovens e um mais cota, que pelos vistos tem um bar, é dono da casa, e ajuda o pessoal, empregando-os, por exemplo. Depois juntaram-se outros, que mergulharam no nosso grupo como se parte da família fizessem. Há um certo extremismo nestes gajos que lhes dá um certo ar cool. Não é necessariamente saudável, mas dá a ideia de que fazem tudo a fundo. Quando nos conhecem é logo palmada nas costas e vambora (o que é saudável), quando bebe, é manda vir e quando fumam é onde-é-que-foi-o-cigarro. Assim a noite se passou com muita loucura à mistura, sanduíches, risadas, vodka, sorrisos, e o Pawel ao fim da noite lá em cima aos tombos. “Tens a certeza que queres beber isso de pénalti?”, perguntava eu, com o meu ar de quem sabe as cenas e tal. Qual quê? Cortiréé!

No Domingo fomos dar uma volta por Sile, que é fixe, mas deve ser seis vezes mais fixe no Verão. Voltámos a casa já à noite e ficámos no chill.

No dia seguinte acordámos decididos a bazar para Antalya, e se não conseguíssemos, ficar em Afyiokarahisar, uma cidade a caminho, onde tínhamos já um sofá combinado. Mas o dia prometia. Nós é que não sabíamos...

Apanhámos um comboiito para Gebze. Quando chegámos apanhámos uma boleia num instante até às docas. Aí, convencemos, sem realmente necessitar de o fazer, um carro a nos levar no ferry. Tipo semi-boleia náutica, diga-se. O carro levou-nos até Bursa. Em Bursa foi quando fizemos asneira. É que acordámos cedo em Istambul e com aquela moquita de sono, qual ver as cidades a caminho, estradas e essas cenas? Nada disso. Só sabíamos que queríamos ir para sul. Fica aqui a dica: convém saber todas as cidades a caminho da cidade para onde queres ir, e a estrada que te leva até lá. O destino só não chega. Não chega se não falas a língua local e eles não falam o tal inglês.

Assim apanhámos uma boleiita que nos deixou em Numseionde. Depois apanhámos outra. Dissemos ao cota “siga para Antalya” e eles deixou-nos lá nos quintos. Estando nos quintos, e não tendo grande sorte, o Juhan foi a uma estação de serviço e descobriu, lá na net, que tínhamos andado para o sítio errado. Excelente! Toca a voltar para trás, e o tempo a passar, o sol a ir para a cama, e um gajo bué de longe de qualquer destino desejável. Caminhámos um bocadito e estacionamos à beira de uma estação de serviço, polegar espetado. Passado uma meia hora passa um autocarro, que abre as portas para alguém sair. O cota vem cá fora e pergunta se vamos. Eu digo que não temos dinheiro e tal, e ele diz “manda vir”! Boleia num autocarro! Siga!

Levou-nos de volta a Bursa. Lá, já sabíamos as cidadezinhas por onde tínhamos de passar, não sei onde as vimos, não me lembro. Sei que Inegol era a primeira. Caminhámos ao longo de uma estrada com dez carros por centímetro quadrado. Mais do que o desejável para a boleia, imagine-se, porque não dá para o pessoal parar. Assim fomos caminhando, até que interpelei um carro que esperava para entrar, e disse a palavra mágica: Inegol. O gajo sai do carro, fala com o carro de trás, e quando dou por ela estamos nesse mesmo carro, ou melhor, carrinha, enfiado com o meu companheiro de viagem e os dois cotas, quatro pessoas quando havia espaço para três apertados. Só me fez pensar no pessoal na europa, quando eram três num carro de cinco lugares e nos diziam que “ai não há espaço”.

A comunicação arrastava-se numa língua qualquer. Mas eles lá perceberam os nossos desejos. Contudo, insistiam em dizer a palavra “terminal”. Mas qual terminal velhinho, um gajo quer é boleia! Mas lá nos deixaram. O que não sabíamos era as suas magnânimas intenções. Pá puseram-se a falar com as copanhias de autocarros todas, zero. Falaram com o segurança, que por sua vez foi falar com as secretariazinhas das companhias, e quando demos por ela estavam a dizer que tínhamos um autocarro às 22.45 para Afyon, e não tínhamos de pagar. Joia, amigo!

Com tempo para matar, vimos as Virgens Suicidas. Já tinha visto. Sofia Coppola não é a minha cenas, mas curto este. Mensagem – a repressão mata. Mais do que o tabaco e a droga e essas cenas. Passámos ali três horas até chegar a hora desse autocarro. Ainda pensámos em voltar à estrada, mas decidimos jogar pelo seguro, que de seguro acabou por nada ter. É que às 22.40 chamaram-nos e tive uma conversa interessante. Pá imagina-me ali a ter uma conversa com um jovem de uma companhia de autocarros no google translate! Basicamente, houve um mal-entendido qualquer e afinal não havia autocarro nenhum! Não invalida a bondade dos cotas. Foi azar. Assim o quero crer, sem achar que me engano.

De volta à estrada. Inegol, às onze da noite.

Ia ser uma boa noite. É que passou outro autocarro, como na tarde do mesmo dia. E quando o gajo abriu a porta e nos perguntou se queríamos ir, não disse que não quando lhe perguntei se podíamos ir sem pagar. Piscou o olho como quem diz “anda lá rapazola”! Uma cena – nós tínhamos dinheiro para pagar aquele autocarro. Mas naquele momento, ainda que as circunstâncias não fossem assim favoráveis, continuavamos a preferir ir à boleia. E pedir não custa. Ora pedindo e obtendo um sim, claro que vamos. Se um gajo não pedir, a resposta é sempre não – não é uma frase minha.

Entrámos assim no autocarro, que ia até Eskesehir, uma cidade mais ou menos a caminho de Antalya, o nosso verdadeiro destino. Mas eram onze da noite, e não tínhamos sítio para dormir. A hospitabilidade turca ia voltar a surpreender.

Como couchsurfer antigo, já enviei um sem número de pedidos de emergência, nos grupos designados para o efeito. O que nunca me tinha acontecido foi enviar um às onze da noite, para essa mesma noite, e passado cinco minutos receber duas mensagens no telemóvel com dois sofás à disposição! Demais.

Chegámos a Eskesehir, vimos as direcções para o dormitório dos gajos e pusemo-nos a caminho. Caminhámos p’rai três quartos de hora, até que virámos numa placa que dizia Kampus. Continuámos a caminhar até que passa um carro da polícia. Mais um polícia que falava inglês! incrível! Que aconteceu? Aconteceu que estávamos bué de longe e a caminhar para ainda mais longe. Aconteceu também que acabámos por apanhar uma boleia... desses polícias!

Depois a noite foi tranquila. Chegámos ao destino às duas da manhã. Conhecemos os nossos simpáticos erasmus-friendly anfitriões, jantámos com eles e fomos mandar um xónix (xonar). Tinham-nos convencido a ver Eskesehir, quando as nossas intenções eram acordar no dia seguinte e seguir para sul. Mas os planos são como plastina, ou assim o têm sido. Acordámos de manhã, lá p’rás nove quando a nossa ideia era acordar às oito, e quando dizemos ao Karem, amigo dos nossos anfitriões, que não ia dar para ver a cidade porque já era tarde, ele diz que devíamos ficar, que nos podia albergar e não sei quê. Ok, ‘tá tudo. A bem dizer, o Karem raptou-nos dos nossos verdadeiros anfitriões. Era um membro fresquinho do couchsurfing e nunca tinha albergado ninguém, e via-se a sua sede de se iniciar nestas coisas. Agora que penso nisso, só nesta viagem, já fomos os primeiros hóspedes de p’rai quatro pessoas. E na minha VIDA p’rai de vinte, às tantas. Mas isso não interessa.

O Karem é um rapaz com aspecto alemão, mesmo bonzinho. Há pessoal que tem mesmo pinta de bacano, e há pessoal que tem mesmo pinta de bonzinho, boa pessoa, como o Sandro. Pessoal que um gajo sabe que pode confiar. É fá do Fenerbache e muçulmano mais ou menos praticante. Reza uma vez por semana, quando é suposto rezar-se cinco vezes por dia (os cânticos para chamar à oração ainda me fascinam). Deu-nos uma tour muito fixe da cidade, que apesar de não nos deixar de boca aberta, não nos deixa também a pensar que havia melhores maneiras de usar o nosso tempo. Foi a melhor tour, creio. E que gajo fixe. Usou a palavra “empatia” p’rai quatro vezes, mas não era da boca para fora, era aquilo que ele sentia. “Eu tento pensar como é que é ser vocês e quero fazer o melhor possível para que se sintam bem”. Pá isto é incrível. E acho mesmo que viajar e ver as cenas é fixe e tal. Mas se tu vais para um hotel, muito provavelmente com um grupo de quem não te separas, será que viajas mesmo? Iá vês as coisas, mas também podes ver na tv. Sentes as coisas, e acima de tudo, sentes as pessoas? É que eu estou fascinado com o veículo que viajar é para um entendimento acerca do quão boas as pessoas podem ser. Ok, é certo que não estive numa situação em que precisasse mesmo da ajuda de alguém, tipo a precisar de um transplante de pé direito, mas isso não me interessa. Interessa-me a informação que chegou até mim que é, basicamente, “eu quero que tu te sintas bem”. Da mesma forma, não me interessa a informação que me chega através dos mais diversos canais, quando a informação que eu experencio é a que, para mim, é real. Sei que falo sempre nisto, mas não é por me esquecer que já nisso falei.

O Karem cozinhou para nós e nem me deixou lavar a louça. À noite estivemos na sala a bebr chá e conversar. Méne aqui bebe-se já como se respira. Vê lá, ontem estava ali à espera do Turker, à porta de um cabeleireiro, e o gajo veio-me perguntar se eu queria um chá! Fónix estas merditas quase que me emocionam! A sério. Tive oportunidade de ver um Corão à séria. O Corão é o único livro sagrado que nunca foi alterado. Dormimos no quarto de um dos colegas dele. Os gajos estavam todos engalfinhados num quarto, só para que pudessemos estar à vontade, e eu dizer que até o chão era bom para nós não mudou nada.

Na manhã seguinte acordámos com a ideia de chegar até Antalya. Chegámos, completando cerca de cinco mil quilómetros desde Elvas, quatro mil dos mesmo à boleia. Gastei sessenta euros em transportes, ahah!

A primeira boleia custou. Custou e ia custando ainda mais, quando o palerma do camionista nos pede vinte e cinco euros para ir até Antalya. Def. Eu estava à espera da minha refeiçãozinha de euro e meio quando o Juhan aparecesse a dizer que tinha arranjado algo. Pego na comida e corro para o camião. Má fila, o parente. Ainda tentámos negociar e não sei quê, mas acabámos por ficar no meio da autoestrada. São cenas. Mas foi bom. Foi bom porque passado meia hora apanhámos outra boleia e ficámos numa vilita. Aí apanhámos boleia de uns ménes que iam, com a sua mãe, para o funeral da mãe desta. Deram-nos água e umas bolachas. Eram porreiro. Mal saímos do seu carro arranjámos logo outra. Eu até fiquei meio confuso, porque o condutor falava americano. Outra dica: convém ter um texto tipo “eu vou até xxxx. Estou à boleia e agradecia que me deixasse algures a caminho. Obrigado”. Eu mostrei-lhe aquilo e o gajo pergunta se eu falo inglês. Yes sir! “Tu podes vir comigo e o teu amigo vai com aquele ali à frente, que é meu amigo. Deixamo-vos a oitenta quilómetros de Antalya”. Vamonos, vamonos!

0h15-5*-3-3-11
Antalya

1 comentário:

  1. De sofá em sofá, de boleia em boleia, com noites mais ou menos (bem) dormidas...lá vão vocês ;):) enriquecendo a VIDA, com esta fantástica experiência.

    Boa, continuem!

    Grande abraço

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