quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Moscovo



Já tinha estado em Moscovo, em dois mil e quatro. E na altura, o Erik, meu amigo holandês, viu um cadáver no metro. Eu não vi. Mas pelos vistos não foi uma oportunidade única, porque foi a primeira coisa que vi mal saí da estação...
               
Estou eu a tentar perceber onde estou, quando avisto as escadas do metro. Aproximo-me, e vejo um velho, deitado de barriga para cima, com a camisola levantada até ao peito, e as calças pelos tornozelos. Tem a boca aberta e a cabeça cheia de sangue. À sua volta estavam dois tipos a tirar fotografias, mas pareciam que estavam em trabalho. Detectives ou alguma cena assim. Mas aos seus pés tinha uma grande poça de sangue. Por isso suponho que o gajo caiu de frente, bateu com a cabeça e foi ter uma conversa com o Lenine.
               
Fui caminhando meio à sorte, na esperança de encontrar um sítio com internet. Que apareceu, passado p’rai meia hora. Sentei-me na mochila, e contactei o Andy, o meu anfitrião russo. Depois foi apanhar o metro até à outra ponta da linha treze, ligar-lhe do telemóvel de um simpático transeunte, ter esse mesmo simpático a aparecer passado dez minutos a dizer que o Andy lhe tinha ligado e eu estava no sítio errado, meter-me no metro para mais três quartos de hora de viagem e aí sim, encontrar o chavalo.
               
Apanhámos um táxi e passado cinco minutos estávamos em casa dele. Os táxis na Rússia, tal como na Mongólia, são do mais conveniente possível. É pessoal que anda na VIDA deles e se vê alguém com o braçito esticado, leva-os. Tinha tomado o meu desejado banho, depois de quatro dias, quando apareceu o Tim, australiano que também estava a ser albergado pelo Andy. E que pessoa! Curti mesmo o gajo. Aliás, foi uma grande noite... exactamente como eu queria. É que só tendo uma noite em Moscovo, e sendo essa noite sábado, tinha de ser a partir. E foi tão fixe não só pelos sítios onde fomos, como pelo Andy e o Tim.
               
O Andy é um russo todo p’rá frentex que está farto de Moscovo e se vai mudar para Barcelona, apesar de não abdicar do apartamento que partilha com o Andy (sim, outro). O seu trabalho é, no mínimo, original. É olheiro de modelos em part-time. Isto é, a sua cena é abordar gajas giras e eventualmente contractá-las.
               
- Então em Moscovo ‘tás muita bem! – disse-lhe eu, pensando que estava a apontar o óbvio.
- Não... é que aqui na cidade as mulheres já sabem o que querem da sua VIDA, por isso é muito difícil – ah, ok, muito me contas.
               
O Tim é um australiano que já anda a viajar há alguns anos. De vez em quando vai até casa, trabalhar, ganhar algum guito, e depois volta. Tem trinta e cinco anos, e um pensamento muito à frente. Muito à frente e muito claro e lógico. Um gajo com os seus princípios, que segue e partilha sem fazer deles dogmas. Surfista de hobby já passou por cenas incríveis, como passar não sei quanto tempo no norte da Col;ombia a surfar. Mas a cena não é essa. É que tinha de ir de barco com os pescadores (a quem pagava, claro), que o deixavam no mar, e depois iam lá buscá-lo algumas horas depois. Ele tinha de apanhar a sua ondinha, surfar, depois voltar a nadar para o mesmo sítio. Se lhe apetecesse descansar e ir até à costa, tinha direito a um grande descanso. O descanso eterno. É que aquela zona era uma zona de plantação de droga.
               
- Eu estava numa vila de pescadores... pensei que podia comer bom peixe – dizia-me. – Mas depois disseram-me que não havia peixe... e quando perguntei então que é que eles pescavam, disseram que era a droga que de vez em quando os traficantes têm de mandar fora, por causa da polícia. Apanham-na e vendem-na de volta...

Nessa noite fomos a um encontro de couchsurfers e andámos de bar em bar. Vale a pena referir o último, sendo que foi dos sítios mais chill-out onde já estive. Mesmo perfeito para fim de noite. Um gajo entrava, tinha de tirar os sapatos e davam-nos umas pantufas tipo aladino. A música era suave como uma pena num menino triste, a luz permitia-nos apenas ter uma ideia geral do que se passava, os detalhes perdiam-se naquele sonho. No meio tinha uma estrutura que parecia uma árvore cujo fruto era pequenas zonas de relax. Na parte de cima tinha colchões, na parte de baixo mesinhas e puffs. Ficámos lá uma ou duas horas à conversa com um grupo que tínhamos conhecido momentos antes, e voltámos para casa.

Quando acordei no dia seguinte o Danny tinha ido trabalhar. O meu corpo queixava-se violentamente da noite anterior, mas tinha valido a pena. Com algum esforço caminheio com o Tim e o Andy (colega de casa do Andy anfitrião) até ao McDonalds, o melhor antídoto para dias como aqueles. Voltámos a casa, tomei banho, despedi-me da malta e segui para a estação de autocarro.

Foi interessante sentir que, de certa forma, tinha saudades de cidades europeias. É que na Ásia, para mim, a cena não é esta ou aquela cidade. A maioria das minhas cidades preferidas são cidades ocidentais, como Estocolmo, Budapeste ou Praga. Porque na Ásia acho que é o estar em si que me agrada e deslumbra. E quando há uma localidade em particular que me apaixona, não costuma ser uma cidade mas uma vilita, no máximo, tipo Rishikesh na Índia,  Shangri-La na China ou Hoi An no Vietname.

O próximo destino seria Riga, onde encontraria a Graciete, depois de quatro meses de separação. Estava um bocado nervoso, mas aprazia-me aquele sentimento.

onze e sete, terça, onze de outubro de dois mil e onze
algures entre Kaunas e Varsóvia

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