terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Até Barcelona

O Dani e a Verónica estavam de folga naquele dia. Tinham dito que podíamos ir dar uma voltam mostravam-me algumas cenas porreiras e tal, mas eu tinha de bazar. Já lá tinha ficado uma noite a mais do que tinha planeado, era tempo de seguir viagem. Eles deram-me boleia até um sítio a meia hora de Pas de la Casa onde seria mais fácil arranjar uma boleia. Pelo caminho ainda apanhámos um Moldavo que falava umas quatro ou cinco línguas.

Foi fixe porque eles deixaram-me numa estação de serviço, foram comprar uma cola, e antes que tivessem bazado, eu já tinha seguido com um cota espanhol. Este deixou-me numa estação de serviço onde passava um carro a cada dez minutos. E isto, na estrada, porque parar lá, ninguém parava. Ora boleiar na Espanha com o dedito, em vez de ser a falar com o pessoal, não é uma das cenas mais fáceis, pelo que achei que estava lixado. Mas não! Apanhei boleia de um gajo da UPS, que me levou meia horita e me deixou noutra estação de serviço. Daí, demorei cerca de uma hora até apanhar uma boleia do Xavi, que me levou direitinho até Barcelona. Um gajo de vinte e cinco anos, muito porreiro, a passar por um momento muito complicado na sua VIDA. O seu pai tinha tido um acidente de mota, e estava em coma.
               
- Andámos a pagar o seguro anos e anos pá... e agora não querem pagar nada. Estou a ir para ma reunião agora com o advogado, mas não sei como vai ser. E se não conseguirmos que o seguro cumpra a sua obrigação, não sei como vai ser. Posso vender este carro, – um megane novo – mas mesmo isso só dá para alguns meses. A clínica onde o meu pai está custa quase quatrocentos euros por dia – contava-me, com um peso nas palavras e umas pequenas asinhas no tom de quem quer acreditar que tudo vai correr bem. Frustram-me imensamente estas situações. Este sistema de capitalismo onde os humanos são... números. Num sistema onde fazer dinheiro é imperativo, as VIDAS perdem valor, as relações interpessoais e humanas são lançadas para um plano onde só se conta quando é alguém cuja perda significará, para nós, uma perda também. Quando o sofrimento acontece um par de casas rua abaixo, já não interessa. Porque não tem a ver comigo. A individualidade que tanto se encoraja neste ocidentalismo faz com que nada mais interesse. Corrompe-se um valor que devíamos levar dentro do peito. Saber que, ainda que sejamos a pessoa mais importante da nossa VIDA, não somos a pessoa mais importante da VIDA.

Quando cheguei a Barcelona, demos um abraço e eu pus-me a caminho da internet. Ainda comi qualquer coisa num café, mas a internet não funcionava. Finalmente apareceu um canto onde a cidade de Barcelona me oferecia um bocadinho de rede, gratuitamente. Saquei o número do Alex e do Albert, que tinham vivido comigo na Finlândia, mas o Alex não atendia e o número do Albert não funcionava.
               
- Não te preocupes que não me estorvas – diz-me um cota com cara de parvo. É que eu estava sentado na minha mochila, encostado a uma coluna, três mestros à frente da porta de um prédio. Pá que estupidez, detesto estas abordagens. Será que custa muito uma cena como “olha, chega-te um bocadinho p´ráli porque estás no meu caminho”? E o pior é que nem estava no seu caminho.

- Ok, ainda bem – respondi. Entretanto estava à procura de alternativas. Havia um hostel a nove euros. Depois perguntei na minha página do facebook se alguém tinha um amigo naquela cidade que me pudesse albergar. E havia. Foi um pequeno alívio. O verdadeiro alívio foi quando vejo um mail do Albert a dizer para eu ir ter com ele à estação de Gorg, na línha púrpura. Espetáculo. Voei para o metro, ainda me enganei porque segui sempre em frente e depois tive de voltar, mas lá dei com o sítio, que já era noutra cidade, em Badalona. Estava um bocado nervoso. Ia ver o Albert passado tanto tempo...
               
Eu e o Albert vivemos juntos em Jyvaskyla, na Finlândia, de Setembro de dois mil e quatro a Maio de dois mil e cinco. No primeiro semestre vivemos com a Laura, sua namorada com quem partilhava o quarto (apesar de ela ter um outro quarto no andar de cima para onde ia quando tripavam) e com o Valerio, nosso amigo de Roma. Éramos como uma família feliz, e ter passado esse ano com ele foi um grande contributo para aqueles tempos terem sido dos melhores na minha VIDA. O nosso apartamento era uma espécie de sala comum do prédio. Fosse para noites de loucura, fosse para jogar risco ou simplesmente conversar, a partir das oito da noite, o pessoal começava a chegar e a ocupar a cozinha. No segundo semestre o Valerio ia voltar para a Itália e havia bastante pessoal interessado em vir para o seu quarto. Demos preferência ao Alex, também catalão, e que fazia parte do nosso grupo mais imediato. À conta das vezes que chorava bêbedo, será eternamente conhecido como o “Kid”. Recordarei sempre o dia em que voltei de Portugal no Natal, no dia dezoito de Janeiro. Voei com a Cristina, portuguesa que também estudava psicologia. Saímos do táxi à porta do prédio e olhámos para cima. Da varanda do meu apartamento, no segundo andar, caía uma faixa enorme que chegava até ao chão, de um metro e pico de largura. Podia ler-se, em letras garrafais “Welcome Pedro”. Foi das melhores coisas que já fizeram por mim. Entrei e trocámos as prendas de Natal. Hoje, ao escrever isso, uso ainda os calções do Barcelona que recebi nessa noite.
               
- Pedro, diz lá quando é que vou embora... – disse-me o Albert, um dia. Estávamos em Maio, e a Laura, sua namorada na altura, já tinha bazado. O Albert não bazou muito mais tarde. E o meu erasmus começou a desaparecer com a sua ida, que marcou o princípio do fim.
               
Encontrámo-nos em Setembro do mesmo ano. Um grupinho veio até Portugal e descemos a costa, parando para surfar nesta e naquela praia. Depois disto, encontramo-nos em dois mil e sete. Fui visitar o Alex e apanhámos um comboio até à montanha. E então já não nos víamos há quatro anos. Mas no primeiro momento que nos vimos, quando apareceu ali na estação de metro, foi como se tivessemos viajado no tempo.
               
- As mulheres são estranhas pá... – dizia-me, na mesma noite, lá p´rás duas da manhã, estávamos na descontra na sua sala.
- Porquê?
- São tão complicadas, sempre a falar uma das outras, sempre a pensar em demasia... tipo... se não falam durante uns tempos, pensam logo que a outra está chateada, ou que a relação já foi à VIDA, sei lá, coisas assim... E nós – eu e ele – podemos estar quase um ano sem mandar um mail ou coisas do género, mas quando nos encontrámos, é como se tivéssemos ainda em Jyvaskyla! – acho que isto diz tudo. De facto, curti bués estar com ele aqueles dois dias. Além disso, o Albert é daquelas pessoas que têm uma luz especial. Não há um montão delas. E não quer dizer que quem não tem essa luz não seja uma pessoa fascinante e boa o suficiente para se morrer por ela. Mas há uma luz. Que algumas pessoas têm.
               
O Albert vive com a Raquel, uma rapariga boa onda, com personalidade e bastante diferente dele, que é um instrutor de snowboard e professor de chavalada. A Raquel trabalha numa empresa de marketing e viaja bués em trabalho e tem assim uma estrutura mais rígida. São um casal fixe de ser ver, apesar de, para mim, ter sido muito estranho inicialmente. É que na Finldândia o Albert não era só o  Albert. Era o Albert e  a Laura. Andavam sempre juntos, viviam juntos, eram uma parte daquele sistema. Depois vê-lo com a Raquel foi, como disse,... diferente.
               
Jantámos nessa noite e  passámos o serão à conversa. A Raquel adormeceu no sofá, o Albert levou-a ao colo para a cama, e depois ficámos no paleio até às duas e tal. No dia seguinte acordei à vontade, almoçámos qualquer coisa, e fomos dar uma volta pela cidade. Encontrámo-nos com a Raquel e fomos beber um chocolate quente num daqueles sítios que tem não sei quantas dezenas de anos. Íamos jantar fora, mas estava assim meio de chuva, por isso ficámos por casa. Foi fixe na mesma. Um serão como o anterior, conversa, chouriça, pão com tomate, siga!
               
Acordei no dia seguinte ceducho, e fui com o Albert até ao metro. Demos um abraço e segui para Madrid, onde chegaria, mas a custo...

sábado, dezoito e cinquenta e nove, vinte e seis de novembro de dois mil e onze
Portalegre, Portugal






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