domingo, 18 de dezembro de 2011

Montpellier


Tinha trezentos e poucos quilómetros pela frente até Montpellier, o que era tranquilo. Deixei a casa do Hassan, e fui a pé até onde me tinha deixado o Filipe. O hitchwiki não tinha ajuda para Antibes, mas mesmo que tivesse, aquele sítio parecia-me porreiro. Demorei mais de uma hora até lá chegar, mas quando cheguei foi na boa. Esperei dez minutos e apanhei boleia de um checo, que me deixou na próxima estação de serviço.
               
Lá esperei mais de uma hora, mas apanhei uma boleia de quase cem quilómetros de uma rapariga com quem ia falando em francês. Ela deixou-me numa estação de serviço ali à frente e apanhei boleia de um cota italiano bem vivido, com quem fui sempre à conversa, em inglês. Ele tinha passado algum tempo nos Estados Unidos, tinha estórias de amor na Noruega, Índia, Itália, um pouco por todo o lado. Era, como eu, um gajo que tinha alguma dificuldade em entender, e especialmente aceder, a certas convenções ocidentais. Ele ia visitar um tio que estava a morrer, em Orange. Deixou-me para lá de onde devia ter deixado, mas ainda era cedo, por isso não me preocupei. E não tinha mesmo nada com que me preocupar! É que em poucos minutos estava num carro que me ia levar direitinho a Montpellier. Uma senhora, com o seu filho à frente, parou para tirar o ticket antes de entrar na autoestrada, perguntei se ia para sul, ela disse que ia passar por Montpellier. Sorri, ela disse que estacionava à frente, eu corri para a encontrar, sem saber que tinha a alça da mochila presa a um ferro da barreira entre estradas, e dei um tombo fenomenal, para gáudio do carro que vinha atrás.
               
Quem me apanhou foi a Shayne, uma mulher branca que nasceu no Zimbabwe. Era professora de inglês numa universidade e ao mesmo tempo era responsável pela promoção na França de obras de arte de artistas do seu país. Daquelas pessoas que deixa atrás de si um currículo de coisas positivas neste mundo, que fica melhor com a sua presença. Trazia estes artistas para a Europa, e ajudava-os, com o dinheiro das suas obras, a promover alguns serviços naquele país africano.
               
Ainda parámos em casa do filho de uma amiga dela para irmos buscar umas cenas, e depois seguimos, sempre à conversa, até Montpellier.

Quando cheguei, fui ao McDonalds, mais uma vez, para usar a internet. Comuniquei com a Kristine e fui ter a casa dela. A Kristine é uma rapariga letã que estava na França há um par de anos a estudar já não sei o quê. é simpática. Não senti aquele verdadeiro feeling que já senti com outros couchsurfers, mas na verdade, pobre Kristine, a concorrência dos últimos dias não dava grande chance – o Hassan em Antibes, o Marco em Génova, o Danny em Langenargen, a Ewa em Poznan e a Zofia em Varsóvia, tudo malta de primeira ordem. E que fixe é... às vezes passo-me completamente com o número de pessoas bestiais que já tive o privilégio de conhecer. Sinto-me, realmente, privilegiado. Privilegiado por ter tido essa oportunidade, por ser humano, por ter andado pelas suas terras. E tenho, também, felizmente, pessoas à minha volta, todos os dias, que são igualmente fascinantes. Mas às vezes é fácil esquecer isso e pensar que “a malta lá fora é que é fixe”. Não é verdade. A verdade é que a malta lá fora é diferente. E se eu vivesse sempre na Polónia ia gostar de um português como gosto de um polaco vivendo eu agora em Portugal. é que devíamos dar prioridade à diferença que algumas pessoas nos oferecem. Não os devemos tratar melhor do que aqueles com quem estamos todos os dias, nada disso, mas devíamos recolher o que podemos de pessoas que pensam de uma maneira diferente. Um grande medo que tenho de ficar em Portugal é precisamente perder essa constante fonte de inputs que fui tendo ao longo dos tempos, fosse com o meus amigos na Noruega, na Inglaterra, ou as pessoas que alberguei em terras de sua majestade. E claro – nesta viagem...

Nessa noite fomos a uma festa em casa de uns amigos da Kristine. Não era uma festa de couchsurfers, mas a maioria ali era-o. Foi uma noite muito fixe, que também me deu um bocado de perspectiva acerca do meu gang de amigos e, ou couchsurfers, em Birmingham, que é um grupo completamente doido. Esta noite foi fixe mas não houve nenhuma loucura, daquelas que estavam presentes em minha casa em Birmingham como óleo num estrugido...

No dia seguinte acordei com Andorra como objectivo. Nunca lá tinha estado, porque não fazer um pequeno desvio e ir lá ter?

quarta, catorze e vinte e dois, vinte e tres de novembro de dois mil e onze
Vale de Cambra, Portugal

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