sábado, 3 de dezembro de 2011

A Caminho de Langenargen


O David chegou do trabalho às seis e tal da manhã. Acordei, pronto para bazar, mas ele perguntou se eu não preferia dormir mais um bocado, e que depois ia depois do almoço. Eu fui fraco, e cedo perante o João Pestana.
               
Assim, acordei, cozinhei qualquer cena, comi, e o David, como bacano que é, acordou para me ir levar a uma estação de serviço que seguia para sul. Lá, ainda tentei abordar o pessoal, mas achei que era melhor ir para a saída com o cartaz. Escrevi “Stuttgart” e esperei. Apanhou-me um rapaz, levou-me p’rai uma hora e deixou-me numa estação de serviço. Comecei a topar que aquilo não ia ser assim facílimo. Tinha quinhentos e sessenta quilómetros pela frente até Langenargen, e pelo que parecia uma boa parte dos mesmos era por estradas secundárias. Saí na estação de serviço, perguntei a um francês se me podia levar, e o gajo disse logo que sim. Esperei um bocado enquanto comia as suas bolachas e bebia o seu leite achocolatado, e andámos uma horita, até que ele me deixou noutra estação de serviço. Aí apanhei um gajo que ia para Karlesruhe. Senti que se eu ficasse por lá podíamos sair juntos mais logo, mas eu preferi seguir viagem. Ele deixou-me na cidade, mas numa saída para a autoestrada que parecia porreira. Ora não sei que se passou, ou ele se confundiu ou confundiu-me, mas eu fui para onde eu achava que ele me tinha mandado e estive ali à boleia p’rai meia hora até perceber que quando os condutores apontavam, com cara de confusos, para o lado oposto, tinham alguma razão. Porque eu estava a boleiar para o lado errado. Lá me meti no sítio certo, e apanhei boleia de um bombeiro voluntário a tirar um doutoramento em biologia muito porreiro que me perdeu mais de uma hora só por minha causa.
               
- Não tens de me levar até à saída pá... – disse eu, ao ver os quilómetros que o esperava do outro lado, quando voltasse para trás...
- É na boa, eu disse que te levava, levo... – e lá fomos. Quando lhe perguntei as cenas mais difíceis de ser bombeiro, ele falou-me dos suicídios nas linhas de comboio. Falou-me do Efeito Werther e comparou-o com o Enke, o guarda-redes que já jogou no Benfica e que se suicidou, precisamente desta forma, em dois mil e nove. O Werther é um livro do Goethe que eu estava a ler mesmo antes de partir para esta viagem. Acho que não estrago nada dizendo que o personagem se suicida no fim. Não estrago nada porque acho que a beleza do livro não se prende com surpresas ou cenas do género.
- Quando saiu o Werther, houve um aumento de suicídios... e eu reparei que quando o Enke se meteu à frente de um comboio, houve um aumento do número de pessoas, na Alemanha, que se suicida desta forma.

Ele deixou-me numa estação de serviço e entrei logo no primeiro carro que apareceu, que me levou ao sítio onde penaria um bocado. Já era de noite, e estava perto de Augsburg, onde tinha a Mimi, uma amiga alemã que conheci em Birmingham. Plantei-me à porta do McDonald’s e perguntava, em alemão, a toda a gente onde ia. Nada feito. De vez em quando aparecia pessoal que ia para Munique, que era na direcção contrária, e pensei em ir com eles e depois ver o que fazia. Mas acabour por não acontecer.
               
Quando o movimento no McDonald’s abrandou, fui para a gasolineira. Esperei um pedaço e encontrei um rapaz que estava em erasmus na Holanda e tinha vindo passar uma semana a casa. Uns amigos iam ali buscá-lo e ele ia para Kempten, que já era perto de Langenargen, a oitenta quilómetros.
               
- Pá se eles forem só dois podes vir connosco, é na boa. Caso contrário talvez não haja lugar... – disse. E eu esperei, eram só dois, e segui com eles. Ora a grande asneira é que o gajo estava tão excitado a contar todas as estórias que um gajo em erasmus em Amsterdão tem para contar, que se esqueçeu de parar na estação de serviço antes do corte que me interessava. Pediu desculpa, eu disse que era na boa, para não se preocupar. Desde que as pessoas não façam algo propositadamente e que não seja recorrente, acho que perdemos o nosso tempo com tripes.
               
Mas... lá fiquei numa estação de serviço, às não sei quantas da noite, onde os poucos carros que apareciam iam para um lado que não me interessava. Ia esperando na loja onde se paga, para me abrigar do frio, até que apareceu o méne que lá trabalhava e me disse, em alemão e que compreendi surpreendentemente bem, que precisava de trabalhar e não podia estar sempre de olho em mim. E que eu tinha de bazar para a outra parte, a da restauração. Mas foi simpático, ofereceu-me um café e tudo.
               
Lá fui, sentei-me num canto onde as luzes estavam apagadas, escrevi um bocado e comecei a pensar em dormir. A gaja que lá trabalhava tinha cara de antipática, por isso queria ter cuidado. Assim, com muita cautela para não fazer barulho, deitei-me debaixo da mesa, dentro do meu saquinho-cama, e “dormi” umas horas, até às cinco ou seis.

Acordei com o rapaz da loja, que a rapariga tinha ido chamar. Boa onda. Deixou-me dormir mas quando chegou àquela hora em que o pessoal ia começar a chegar para o pequeno-almoço, disse para acordar. É justo. E ainda me deu um café.
               
Fui fazendo tempo, vi um filme foleiro, e depois arregaçei as mangas. Percebi logo que ninguém ia para onde eu queria, por isso fui com o primeiro que disse que ia para Kempten. Não era a melhor maneira, mas que se lixe. Dei uma olhada no mapa na estação de serviço e percebi que se atravessasse Kempten a pé podia ser que desse.
               
O gajo lá me deixou nesta vila, caminhei um par de horas, e estava na saída. Tive sorte. Apanhei boleia de duas senhoras daquelas de meia idade que gostam dos prazeres da VIDA. Iam para a Áustria a uma mostra gastronomica. Uma delas tinha vivido no Egipto, organizando tours ao deserto no seu jipe. Foi uma boa boleia, longuita, e passando por paisagens da Baviera excelentes. Deixaram-me em Lindau, depois apanhei uma boleia p’rai de cinco minutos e fiquei, bem, a cinco minutos de distância. Fui a um shopping e tentei ligar ao Danny, com quem tinha estado no deserto de Gobi. O gajo não atendia... e eu ali, num sítio onde talvez nunca viesse a estar. “Que se lixe, ‘bora até lá na mesma e já se vê”, pensei.
               
Apanhei boleia de um senhor simpático que me levou de propósito (mais cinco quilómetros) a Langenargen. Fui a outra cabine, tentei, com os dedos cruzados, ligar ao Danny. Ele atendeu.

quinta, dezassete e quarenta e um, dezassete de novembro de dois mil e onze
Vale de Cambra, Furadouro

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