terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Langenargen e Liechtenstein



Foi espetacultar estar em Langenargen. O Danny é um gajo excelente, o irmão dele igual, e isso fez com que tivesse uns dias muito porreiros.
               
Liguei ao Danny da cabine da estação de comboio e o gajo apareceu em três minutos. Parámos para ir comprar pão e fomos para casa. O pão alemão é o melhor de todos, sem dúvida. Quando chegámos tive de ir dormir um bocado, porque estava todo destruído.
               
Quando acordei, depois de almoçar umas sandes com aquele pão maravilhoso, fui dar uma volta com o Danny. “É estranho ter-te aqui... porque conhecemo-nos numa parte da minha VIDA que foi o ano no Camboja... apesar de nos termos conhecido na Mongólia... e agora, passado um mês estamos aqui, na minha VIDA alemã... estranho mas fixe, claro!”, dizia. Eu compreendo. São mundos que nem são paralelos, são perpendiculares ou até de dimensões diferentes. A VIDA do quotidiano quando se cruza com a ideia de VIDAS passadas ou quem sabe até apenas sonhadas gera uma confusão difícil de aguentar pela mais avançada das mentes, quanto mais pelas banais e normais como as nossas. Um gajo cede e aceita a realidade mais real como aquela que vivemos todos os dias, ou como aquela que menos nos agrada, não sei porquê. E quando temos um acesso, por mais breve que seja, a momentos completamente diferentes, de êxtase absoluto, de dias a pairar acima das nuvens, convencemo-nos que pertence a um domínio que não pode ser terrestre. É um instinto, acho... e acho igualmente que um casamento entre estes dois domínios atribuiria ao nosso ser uma paz inigualável.
               
Langenargen é uma vilita agradável. Está à beira de um lago que proporciona uma bela paisagem e uma serenidade latente. Ao mesmo tempo, parece o tipo de sítio onde os cotas vão depois da reforma. Demos uma volta pela vila, bebemos uma cerveja e fomos para casa. Íamos a uma festa que era organizada anualmente pelos bombeiros da região. Mesmo aquilo que eu curto – estas festitas onde não vai nenhum turista, porque são isso mesmo, festitas.
               
O pessoal foi chegando a casa do Danny e ficámos lá um pedaço. Nem todos falavam inglês, ou pelo menos assim me pareceu. Umas horas mais tarde, já entrados, tive uma perspectiva completamente diferente. Quem curti bué foi o irmão do Danny. É mais novo, tem dezanove anos, mas um chavalo super boa-onda, tal como o irmão.
               
A festa era alguns milhares de pessoas numa tenda gigante, em constante migração entre a pista de dança, o bar e a área lá fora onde se podia fumar. Eu ia falando com este e com aquele, já nem sei acerca de quê. O dia seguinte foi daqueles típicos domingos. Deitadinho no sofá, comer qualquer coisa, ver um filme.
               
Na segunda-feira fui ao Liechtenstein. Acordei de manhã e fui com o Danny ao escritório do seu pai. O Danny está a estudar engenharia electrotécnica, mas é um sistema diferente do nosso. Na primeira parte do ano trabalha e é supervisionado, e na segunda parte do ano dá a teoria. Como o pai dele tem uma empresa relacionada com a automação de máquinas, ficou tudo em família. Acedi à net lá e vi as direcções até ao Liechtenstein. Era pertinho. Pus-me a caminho, e meia horita depois apanhou-me um rapaz, que até conhecia o Danny. Deixou-me em Lindau. Lá, caminhei para a autoestrada e tentei um bocado aí. Reparei que alguns carros encostavam num parque um pouco mais à frente e fui para lá tentar. Eventualmente um senhor aceitou levar-me. Esse parque era onde o pessoal que ia para a Áustria, pelos vistos a trinta metros dali, comprava as vinhetas para conduzir na autoestrada. Este senhor deixou-me numa rotunda, onde esperei pouquito até que um senhor muito simpático que falava comigo em alemão muito lentamente para perceber me apanhou. Deixou-me a um par de quilómetros do Liechtenstein. Mas não sabia que estava tão perto, só percebi quando, num supermercado, perguntei e apontaram “p´´ráli”.
               
Apesar de estar dentro do espaço schengen, tive de mostrar os meus documentos e mochila na fronteira. Entrei no país. À direita as montanhas suiças, à esquerda, uma pequena montanha que separa o principado da Áustria. O Liechtenstein e o Turquemenistão são os únicos países do mundo de onde se tem de atravessar duas fronteiras para chegar ao oceano. No caso do Liechtenstein, temos a Suiça de um lado, um país sem acesso ao oceano, e a Áustria do outro, onde se passa o mesmo. É um país estranho – pelo facto de ser pequeníssimo. Tem cerca de trinta e cinco mil pessoas e era, pelo menos na altura, o país mais rico do mundo por pessoa.
               
- Na Áustria pago quarenta e sete por cento de impostos... no Liechtenstein pago quatro por cento – dizia-me o rapaz que me deu boleia da fronteira até Vaduz, a capital. Capital? Sim, este país minúsculo ainda se dá ao luxo de ter algumas terras. E Vaduz, igualmente, é estranhíssimo. Vejamos, se me dissessem “estás numa vilita suiça”, eu dava uma voltita e pensava “ok, não é nada de especial, mas também não é desagradável...”. Mas não, aquilo era a capital de um país! E eu não me conseguia esquecer disso. Pá tem uma área pedonal p´´rai de trezentos metros, vários bancos, algumas ruas, e eu lá ia caminhando e quando dei por ela estava quase na Suiça. Eu tentava aproveitar ao máximo e fazer o tempo render, mas o que é certo é que lá p´´rás três da tarde aquilo estava visto...
               
E então pus-me a caminho para voltar. Caminhei um pedaço, dedo esticado, parou um rapaz que me levou p´´rai cinco quilómetros. Depois a mesma coisa, mas ao lado de uma gasolineira.
               
- O senhor não me pode levar para a Alemanha, por favor? – perguntei a um senhor num carro de matrícula desse país.
- Não, não, eu nunca levo ninguém... – respondeu, decidido.
- Ok, ok... mas isso é mau carma...
- Talvez, não sei... -  disse, mesmo antes de fechar a porta, e bazou. Eu continuei mais uns minutos e decidi ir caminhando. Ora à medida que ia avançando reparei num carro lá ao fundo estacionado na beira da estrada com os quatro piscas. “Será?”, pensei. “Nã... não pode ser...”. Mas era! É que vou-me aproximando do carro, este começa a fazer marcha atrás e sai uma mão do lado do condutor a chamar-me. Era o gajo.
- Eu não gosto quando me dizem essas coisas do carma... – disse, quando eu entrei no carro. Fiquei contente pelo gajo ter mudado de opinião. Falámos um bocado acerca da importância de fazermos coisas boas uns aos outros, ele falou-me de um apartamento que tinha ido ver para o natal, e depois deixou-me numa rotunda não muito longe da Alemanha. Daí apanhei boleia de um sérvio e depois, já pertinho da fronteira de um homem porreiro que me levou de propósito a Langenargen. Estava a chegar quando vi o Danny a atravessar a rua.

Próximo objectivo... Turim, onde tinha um sofá à minha espera. Basta dizer que ainda hoje, não fui a Turim.

sexta, quinze e vinte e seis, dezoito de novembro de dois mil e onze
Vale de Cambra, Portugal




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