domingo, 11 de dezembro de 2011

Entre Langenargen e a França


Na segunda acordei cedo e fui outra vez com o Danny ao escritório do pai para ver o meu trajecto na net. Tinha 451 quilómetros até Turim, onde alguém tinha aceite albergar-me. A cena é que eu sabia o quão difícil era boleiar na Itália, por isso não estava assim muito positivo. Se eu soubesse o quão difícil é boleiar na Suiça também, aí estaria negativo de todo...

Apanhei uma boleia até àquele sítio onde se vendem as vinhetas de autoestrada para a Áustria e aí apanhei uma boleia com um senhor muito simpático. Ele ia falando alemão devagar e com palavras fáceis para eu perceber, e às vezes metia uma inglesa no meio. Falámos acerca de dinheiro. Ele dizia, e eu dizia, que não interessa, que não é importante. Mas apesar de ele ser um senhor muito simpático e com boa onda, não sei o que sinto ouvindo alguém que conduz um BMW X5, tem um iate, cavalos e não sei quantas casas, dizer isto. É uma posição um bocado privilegiada, no mínimo...
               
Tinha quase sessenta anos, e foi com um sorriso mental que confirmei namorar, ou estar casado, com uma miúda mais nova. É que tirei-lhe a pinta, e reparei, mal entrei, numa caixa de viagra ao lado do seu maço de marlboro lights. Na verdade, e ele fez questão de me mostrar a fotografia (tal como dos seus cavalos, filhos e ex-mulheres), ele estava casado com uma mulher de trinta e poucos. Que goze a VIDA.
               
O senhor ia para Zurique. Ora eu tendo esperado ainda um bom bocado até que aceitassem levar-me, achei que o melhor seria deixar-me ir até lá e depois ver. Ao sabor do improviso, que nem sempre é o nosso melhor amigo. Ele deixou-me numa estação de serviço fora de Zurique, e eu fiquei aí a tentar safar-me. Mas ninguém ia para onde eu queria, ninguém...
               
Segui com um rapaz que ia para Zurique, e que me disse haver uma zona de merendas antes da última saída, onde parava algum pessoal, e alguns que me interessavam. Assim fiz, sem nenhum resultado positivo. Sentia que na Suíça boleiar era mais difícil do que nos outros países todos – à excepção do ex-libris da anti-boleia, a Itália. O pessoal nem era muito arrogante, mas sentia que mandavam cada couro, que se fossem filhos do Gepeto matavam-me ali com um buraco no cérebro.
               
E assim, contra qualquer prognóstico, dei por mim em Zurique! O meu plano era entrar na cidade, arranjar net e pedir ao hitchwiki para me dizer como tinha de fazer para seguir para a Itália. Apanhei boleia com um senhor que me deixou no centro, caminhei avenida abaixo e estacionei à frente da loja da apple. Agora o pior é que o hitchwiki não estava a funcionar. Perfeito! Pedi a um amigo que estava em Birmingham para o ver por mim, mas pelos vistos o site não estava a funcionar em lado nenhum. Tentei então um método alternativo. Escrevi “hitchwiki zurich” no google, e apesar do site, em si, não funcionar, na lista que aparecia dada pelo motor de busca, ainda dava para ver uma linha que dizia “vai caminhando seguindo as placas que dizem Lucerne. Que terror... Caminhei, com aquele peso todo, mais de duas horas, e o tempo a passar. Estacionei ao lado de um semáforo e mais uma hora passou. Estava a abordar o pessoal que vinha da estrada onde eu estava, mas por sorte, reparei numa matrícula lituana na outra estrada, e comecei a esbracejar e a apontar para o meu sinalzinho que dizia Lucerne. Os gajos levaram-me. Eram georgianos.
               
Como eu não queria ir para Lucerne, só andámos um bocadito e eu fiquei numa estação de serviço. E acho que esta estação de serviço ficou no top dez de onde passei mais tempo. Pá devo ter abordado mais de cem pessoas, perguntando se iam para o sul. Estava atento às matrículas. “TI” seria perfeito, que era uma terra já na parte italiana da Suiça. Depois havia outras de que já não me lembro. De vez em quando aparecia um ou outro jovem que me queria ajudar, mas que não iam para sítios espetaculares. Estive ali p´rai duas horas e meia, até que tive mesmo de comer alguma coisa. Como me custou dar cinco euros por uma daquelas sanduíches de triângulo... Mas paciência, um gajo tem de comer.
               
Descobri que aquela estação de serviço tinha net, e fui mandar vinte pedidos de couchsurfing para Lucerne, caso não me conseguisse safar. Mas consegui! Já desanimado, vi uma matrícula “TI” e fui tentar a minha sorte. Esperei junto à carrinha que levava no reboque um mini dos antigos com aqueles números de quem anda no rally, e quando o gajo chegou, perguntei-lhe em italiano. E ele disse que sim!
               
O Frank era um alemão daqueles que me deixa com menos medo de envelhecer. Muito boa onda, vive a sua VIDA sem ser obcecado com dinheiro, não complica.
               
- Pá... a dada altura trabalhava em marketing... a convencer pessoas a comprarem cenas de que não precisam, – o que me faz detestar marketing e publicidade – a movimentar milhões de euros dos clientes... mas não estava nada bem. Ganhava muito mas era tudo para comprar coisas de marca, carros e essas merdas todas que no final do mês me deixavam teso como se não ganhasse quase nada... e por isso, pá, mudei... uma namorada minha tinha uns cavalos, comecei a trabalhar nisso. Durante uns anos a minha VIDA era tratar dos cavalos dela, olhar pelos filhos dela... depois as coisas correram mal e foi cada um para seu lado. Agora compro carros, arranjo-os, e vendo-os depois. Não me dá muito dinheiro, mas dá para o que preciso, e é uma coisa que gosto de fazer...
               
Foi uma das melhores boleias que tive, ponho o Frank e o Tomasz que me deixou em Berlim no mesmo saco.
               
O Frank deixou-me numa estação de serviço a p´´rai cem quilómetros de Milão, já de noite. Estava a chover e aquilo não era muito movimentado. Vi, na gasolineira, um Fiat de matrícula italiana e resolvi esperar pelos donos. Primeiro pedi em italiano, não perceberam. Pedi em inglês, vi a dúvida naquele olhar, que tentei aniquilar com um sorrisinho simpático. Era um casal russo e senti que a decisão era da rapariga. Ela disse “ok” mas sem estar muito convencida.
               
Demo-nos muito bem, fomos o caminho todo a conversar, e senti que eles curtiram conhecer-me. Senti que iam recordar-se da boleia que deram àquele gajo que estava a vir por terra desde Singapura – e do mesmo modo que eu me vou recordar do casal de russos que em sete dias queria conhecer sete cidades europeias; e que tinham conduzido um dia quase todo para ir e vir a Zurique, tendo lá estado um par de horas e fugido de medo com os preços.

Podia ter ido com eles até Milão, mas não havia grande sentido nisso, sendo que não tinha onde ficar. Iá, podia mandar assim uma catrefada de pedidos, mas já era tarde. Decidi ficar na estação de serviço, sem saber que ia ter de fazer, no dia seguinte, o que tinha feito nesse mesmo dia – entrar dentro de uma cidade grande só para me orientar bem.
               
Fui perguntado ao pessoal, mas nada. Além desse “nada”, ia aparecendo aquelas trombas de vez em quando, que não são raras na itália. Pouquíssima gente ia para Turim, p´rai um ou dois, e esses “não levavam estranhos”. Assim, meti-me na área de restauração da estação de serviço, e ia perguntado ao pessoal que entrava.
               
Tudo o que tinha comido nesse dia tinha sido aquela sanduíche tri,angulo de cinco euros na Suíça. Comprei uma baguete de meio metro por um euro, meti-lhe azeite que havia ali ao lado, e comi aquilo em menos de três minutos. Eventualmente desisti de perguntar à malta para onde ia, e comecei a estudar hipótese de soneca. E que hipótese! Na sala onde tinha a televisão e as mesas para o pessoal jantar, havia uma secretária enorme, com um computador enfiado na mesma, daquelas com um ecrã embutido, e estava a um canto, na diagonal, fazendo um triângulo com as paredes. A ideia era o pessoal consultar o trânsito naquilo. “Ora cá está daquelas coisas que parece muito lindo e tal mas que ninguém usa...”, pensei. “E como ninguém usa e isto está nesta posição bestial, vai servir perfeitamente para me esconder”. E que posso dizer? Dormi até às nove e pico... Quando acordei, desisti de pedir boleia para Turim e fui até Milão. E que terror me esperava...
               
O gajo que me levou deixou-me perto de uma saída para a autoestrada, que dava para muitos sítios, Turim, ou Génova (também a caminho de França) incluído. Mas não passava ali ninguém! Por sorte, aquilo era mesmo ao lado de um McDonalds, onde eu podia usar a internet. E por ainda mais sorte, a miúda que lá trabalhava era fixe e deixou-me usar o telemóvel dela para receber a password. é que o governo italiano tem altas paranóias de terroristas usarem a net não sei para quê e sempre que alguém usa um wireless tem que ser assim registadinho. Vi onde era um sítio mais propício para ir para Génova e meti-me a caminho. Cheguei passado uma hora e tal. E era um sítio de merda. Ali num semáforo, antes da entrada da autoestrada. Ora se quando abordo os italianos nas estações de serviço eles não são muito de levar um gajo, ali especado com um sinal a dizer Génova, muito menos. Estive ali duas horas, até que decidi mudar para um sítio melhor, desse por onde desse.
               
Fui caminhando mais ou menos paralelamente a essa estrada, avancei umas cercas, caminhei ao longo da autoestrada rapidamente para a polícia não me ver, avancei mais umas cercas, e fui parar a uma estação de serviço. Melhor sítio não havia.
               
Passado uma hora estava no quarto do Marco, que acabaria por salvar o meu dia. Era um farmacêutico muito bacano que tinha trabalhado um ano e meio em Barcelona, já tinha estado uma catrefada de vezes na América do Sul e era couchsurfer. Demo-nos bem, e ele deixou-me numa estação de serviço onde poderia haver pessoal que seguisse para a França. A cena é que essa não era a melhor estrada para terras gaulesas, mas eu já estava por tudo.
               
- Tens aqui o meu número, se tiveres algum problema ou não arranjares nada, podes dormir em minha casa logo, sem problema – disse-me ele, após me pagar uma sanduíche e uma garrafa de água. E foi precisamente o que aconteceu... Não encontrei nada para lados franceses, fui até Génova com um senhor que até arranhava o português. Chegando lá, passei uma horita na internet, e liguei-lhe. Estava a beber um copo com dois amigos, juntei-me a eles, depois fomos jantar, e fomos para casa não muito depois. Estivemos à conversa até à uma e tal fomos dormir.

terça, catorze e quarenta e dois, vinte e dois de novembro de dois mil e onze
Vale de Cambra, Portugal

Sem comentários:

Enviar um comentário