sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ko Jum (Parte I)


Dia dezanove mandei-me para Krabi. Tinha visto um postal que me parecia porreiro, por isso decidi ir ver a cena. Não estava a curtir muito Phuket e todo o seu turismo algarvio, e o meu irmão só chegava passados uns dias. Não queria ficar lá duas noites à espera.
               
Ora a Bianca, uma rapariga que conhecemos em casa do Wes, nosso anfitrião de Bangkok e que a Sofia dissse que pareceia minha filha (por ser mais novita e toda descontraída, viajante) tinha dito que havia este e aquele sítio que eram muito fixes, um deles na Tailândia, outro no Caboja. Decorar as cenas é sempre para esquecer (literalmente) por isso pedi-lhe para me mandar uma mensagem. Foi o melhor que fiz, porque acabei por me mandar para Ko Jum, que ela tinha recomendado, e ficou essa ilha aqui registada como dos melhores sítios que já visitei neste planeta!
               
Tinha saudades da boleia e a minha carteira estava a queixar-se um bocado da Tailândia. Então decidi boleiar. Pedi lá ajuda ao Dizzy, o canadiano Vegan, e o gajo até ajudou, mas achei piada a como fazia questão de dizer que já tinha boleiado para Numseionde não sei quantas vezes. Acho que um bom exemplo do que senti vindo dele é o seguinte: perguntei-lhe se falava tailandês, e ele disse que sim. Depois perguntei se ele sabia escrever, e ele disse que sim, não sabendo que eu estava a pedir-lhe para ele me escrever uma cena. Quando eu lhe pedi ele ficou um bocado atrapalhado, escreveu dois caracteres, depois perdeu-se a ver como se escrevia Krabi e acabou por esquecer o assunto. Pois.
               
De todo o modo, sob o sol e os seus trinta e tal graus de brinde, lá saí do hostel. Até Krabi eram só três euros e tal, mas que se lixe, fui na mesma. Fui caminhando para norte, para sair da ilha, mas ainda faltava um pedaço. Mas apanhei algumas boleias, até que estava na estrada que, sempre em frente, sairia da ilha. Depois apanhei uma boa boleia p’rai de um quarto de hora, e estava já mesmo quase. E pronto, apareceu aquele bacano, levou-me quase uma hora, deixando-me p’rai a trinta quilóemtros de Krabi. Aí, almoçei num daqueles restaurantezinhos de estrada, tomei café, e segui caminho. Apanhou-me logo um senhor cheio de tiques! Tinha de me esforçar para não me rir. O gajo a conduzir não conseguia ter as duas mãos ao mesmo tempo no volante! A esquerda saltitava entre o volante e o manípulo das mudanças a cada três segundos, não chegando nunca a tocar, e a direita entre o volante e o botãozito de abrir o vidro, onde também nunca chegava a tocar. Enfim, cenas...
               
O cota deixou-me em Krabi, onde fui procurar um computador, pois ainda não sabia bem onde é que ia, tinha de ver como lá chegava. “Ko Jum, ok, siga...”, pensei, ao ler a mensagem da Bianca. Dei lá umas voltas, à procura de um barco que lá me levasse, mas era low-season, por isso nada feito. Tive de apanhar um taxi por sessenta cêntimos que me levou vinte minutos e outro de quarenta cêntimos a seguir que me deixou no portozito, se é que se pode chamar porto àquilo. Já estava a curtir. Não se via nenhuma cara pálida por aqueles lados, havia já algum pessoal muçulmano, sentia que estava mais numa Tailândia que era mais autêntica e real.
               
Após negociar o preço, esperei uma horita e lá fui no barco. Demais. Quarenta e cinco minutos a navegar as pacíficas águas daquele mar aque abraçava um sem número de ilhotas, umas habitadas, outras não, outras com apenas uma barraquita ou outra.
               
Quando cheguei, fui perguntando onde era o Boadeng, o hostel que a Bianca me tinha aconselhado. Estraditas de terra, não vi nenhum carro. Selva e mar. Caminhei p’rai uma hora. Caiu-me o coração a dada altura, e foi uma contradição com o meu estado de espírito, onde reinava a alegria, ao ver um gatito que, imagino, já não vive agora. Chamei-o, ele veio, e depois reparei que tinha um grande cagalhão (não sei como hei-de usar só uma palavra para dizer isto e ao mesmo tempo não dizer uma asneirita) preso ao rabo. Dei uma olhada e era o seu recto que estava a sair. Tentei ajudá-lo com um pauzito (para confirmar se era mesmo o recto e não era o tal cagalhão) mas nada feito. Mas pronto, segui caminho.
               
Meti-me matao adentro, seguindo as instruções, e fui dar à praia, que tinha bué de “resorts” de bungalows, mas não se via ninguém. Digo resort, mas o que quero dizer é grupos de bungalows, sendo cada grupo um, digamos, hotel. Lol que riso só de ver a palavra hotel associada àquilo. Pois procuro por alguém e aparece um méne que me diz que os bungalows são a sete euros e tal o mais barato, longito do mar (prai a cem metros). Sete euros? Depois pergunto onde é o Boadeng, e ele diz que é “já ali”, e vou lá ver.
               
O Boadeng é um grupo de Bungalows. Tem um restaurante no meio, onde a comida é mais cara do que aquilo que costumo comer (2,20€ uma refeição muito bem servida) mas ainda assim acessível. Tem o mar ali mesmo à frente, muitas palmeiras em todo o lado, como de resto assim acontece por toda a ilha, e uma casita maior, onde vive a Rosa e as irmãs, que com outro méne gerem aquilo. Tem umas cadeiritas aqui e ali, espalhadas mais ou menos aleatoriamente, e daqueles sets de bacos e mesa onde um gajo se refastela a ler, ou a comer.
               
Estava lá no meio quando apareceu a senhora que creio ser a Rosa, com o Dave, um inglês de sessenta e poucos anos que vive ali. O gajo ia-lhe mostrar uma boia que dera à costa, e perguntar se estava presa ou uma cena assim qualquer. Tinha uma bengala. Vivia lá há oito anos, e aparentemente teve um acidente no ano passado, e envelheceu bastante desde então, disse-me o Louis, o meu vizinho de bungalow, que já o conhece há anos. Era um verdadeiro hippie dos anos sessenta, fez os trilhos hippies todos, viveu com nómadas no Sudão. E agora vivia ali, um cota interessante mas um bocado arrogante. Não posso dizer que o tenha curtido. Mas deixou-me a pensar... pode parecer o paraíso para muita gente... reformar-se seja de que VIDA for, e passar os dias numa ilha paradisíaca, sem ninguém a nos chatear, bom clima o ano todo, praia o ano todo. Mas o gajo, no fundo, está ali sozinho. Há-de estar feliz, caso contrário não estaria ali... é a cena dele. Mas não entendo esse abdicar de todas as relações que se tem. Deve conhece centenas de pessoas, muitas delas interessantes, mas não são amigos. São pessoas que vêm e vão, pessoas a quem é impossível apegar-se seja de que forma for...
               
Sou o primeiro a dizer que a nossa felicidade não deve depender dos outros. Deve vir de nós, de dentro. Não devemos responsabilizar os outros por aquilo que vai dentro de nós. E por isso mesmo acho interessante a minha dificuldade em perceber este gajo. Porque, ao mesmo tempo, acho que precisamos, ou melhor, que preciso, de estar inserido num qualquer grupo, com pessoas que gostam de mim e de quem eu gosto, para ser feliz.
               
Não fui miuto com a cara do gajo. Primeiro são cenitas, e nós até nos achamos ridículos por termos estes sentimentos. Mas às vezes confirmam-se. Tipo, para mim foi a maneira como ele me perguntou, ao jantar, há quanto tempo estava na Tailândia, e o que disse subsequentemente. Quando disse que estava lá há catorze dias, o gajo diz “muito más maneiras...”. E eu tenho de perguntar o quê, para ele me dizer que era considerado más maneiras jantar sem t-shirt. Não curti a maneira como o gajo disse isso, não que eu seja aqui um sensivelzinho. Tanto que foi só uma cenita, e pedi desculpa e fui buscar uma t-shirt.
               
Havia lá um francês, o Jean, p’rai de cinquenta e muitos anos, que me dava a entender ser um gajo meio solitário. Daqueles que fala muito e aborrece toda a gente. E ainda por cima falava em francês a maior parte do tempo, o seu inglês não era excelente. Mas eu não tinha coração para o mandar calar ou dizer que não estava interessado. E não acho isto hipocrisia, simplesmente estava a dar um pouco de mim a quem, às tantas, precisava, nem que fosse precisar apenas de alguém que manifeste algum interesse. Pois certa noite, em que estamos todos no restaurante (o alpendre de uma casa), o senhor francês ia falando com quem o queria ouvir. A dada altura, começa a encaminhar-se para casa. Mas este senhor é daqueles que demora p’rai meia hora a ir embora de qualquer lado, cada passo é marcado com quatro ou cinco frases. Eu estou num canto, a ler, o Dave noutro canto, a comer. O francês passa por ele, devagarinho, e o Dave faz um sinal com a mão: o braço esticado para a frente, e a palma da mãe para baixo. O braço ia para cima e para baixo. Eu percebi o que ele queria dizer, mas o francês não. Ele estava a mandar o francês calar-se, mas o pobre pensou que ele o estava a convidar para se sentar com ele. Como o francês reagiu rapidamente! Via-se que lhe agradava imenso o convite e ia-se sentir, e o Dave, muito frio, diz “no, no”, e levas a mão aos lábios, dizendo para ele se calar, e seguir caminho. Como o odiei naquele momento! A sério! Tive mesmo pena do pobre Jean. Mas paciência.
               
Estes são dois dos personagens que lá conheci.
               
Fim da Parte I.

1h34-3ª-28-6-11
Georgetown, Malásia

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