quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ko Jum (Parte II)


Nesse primeiro dia em Ko Jum, instalei-me no meu bungalow e conversei um bocado com o Louis, que estava no bungalow ao lado. O meu bungalow tinha muita, muita coisa – uma cama e um mosquiteiro, txara! Chega. O quarto de banho era ali cem metros à frente, e proporcionava-nos daquelas chuveiradas divinas. Era um quadrado de cimento, tapado por uma cortinita, sem tecto. Assim um gajo quando tomava banho às onze da noite tinha um milhão de estrelas como espectadoras.
           
Fomos jantar, e escolhi um livro para ler, que li nessa noite e dois dias. Sue Miller, While I Was Gone – um livro bastante instrospectivo com uma narrativa e enredo interessante. Curti, apesar de me parecer um bocado livro de mulher de meia idade.
           
A comida no Boadeng, o nome daquela “resort” era mais carota daquilo a que estava acostumado, mas muita fixe. Nessa noite comi cajus fritos com não sei quê, e curti bastante.
           
No dia seguinte perguntei ao Loius o caminho para a vila, e acabei por ir com ele, o seu filho, e a outra senhora com cara de enjoada que estava com eles. Não percebi muito bem a cena deles. Ela era mais ou menos da idade dele, viajava com ele, e acho que era mãe do miudo de dezoito anos. No entanto estavam em bungalows separados, e quando comemos, nessa tarde, um gelado tailandês de dez cêntimos, cada um pagou o seu. A mulher não dizia nada e estava sempre com cara de quem estava farta de lá estar. Só impressões.
           
O Louis é um cota fantástico. Às vezes procuro, sem na verdade o fazer
(mais um “esperar-encontrar”) um cota que ache parecido comigo, para saber que é possível envelhecer e manter a características que quero manter. Tenho medo de envelhecer. E às vezes aparece alguém muito porreiro e interessante, e falamos horas e horas, e ao fim dizem cenas que estragam tudo tipo “no fundo, as mulheres são todas umas putas”, ou “nunca gostei muito de pretos”, e eu fico naquela “hei méne, estava a gostar tanto de ti pá, e tinhas de dizer uma coisas destas...”. Mas o Louis não disse nada disto. Era um sueco de sessenta e um anos que nascera no Sri Lanka, e já tinha viajado um pouco por todo o lado. Já tinha estado na Tailândia mais de duzentas vezes e vivido em inúmeros países. Falava sueco, alemão, inglês e francês.
           
- A minha irmã às vezes diz-me que eu vivo a minha VIDA como se estivesse de férias – dizia. – E eu pergunto-lhe “tu quando estás de férias não és feliz?” Ela diz que sim. E eu pergunto porque é que não havemos de viver a nossa VIDA de forma a que estejamos felizes? – nem mais! Às vezes sinto que curtir parece ser pecado. Quando alguém tem a habilidade de levar a sua VIDA de uma forma que não custa muito e não traz muita mágoa ou rancor, o pessoal vem com aquela moral de sanita de “ai tu não sabes o que é a VIDA... é, é... tu? tu? tu devias era dar no duro para ver o que é a VIDA!” – hei pá como odeio isto!
           
Nessa tarde fui lá com eles à vila, que é uma estrada com casitas ao redor, restaurantes e outros serviços. Acho que normalmente não é assim tão isolada como naquela altura, por isso tive sorte em estar em low-season. Já na Europa, apesar do frio, curti ter viajado em low-season. Gosto de conhecer outros viajantes e tudo mais, mas se tiver de escolher entre ruas cheias de estranjeiros e ruas sem nenhum deles, escolho a segunda opção. É paradoxal, este pensamento, porque ao estar num sítio, estou a contribuir para algo que não curto – a cena do turista. Isto é, digo “ai não curto quando um sítio está cheio de turistas”, mas ao estar ali, eu estou a contribuir, com mais um turista. Entendem?
           
A caminho o Loius falou-me das cobras da ilha, e confesso que fiquei um bocado cagado, e depois me custo mais um bocado a adormecer, quando olhava para aqueles pedaços de madeira partida no bungalow por onde as cobras venenosas da ilha podiam entrar. É que aparentemente Ko Jum está cheia, mas cheia de cobras venenosas que não são nada tímidas em ir dar uma olhadela aos bungalows da malta. E em caso de mordidela, o antídoto está em Bangkok, nunca chegando em três horas (o tempo suficiente para ir visitar Jesus) à ilha. Mas não se deve considerar isso um risco que nos impeça de visitar a ilha – afinal de contas, há uns poucos milhares de pessoas que lá vivem sem terem sido atacadas.
           
Uma vez de volta, passei a tarde a escrever, e à noite jantei, e fui ler. No dia anterior tinha-me deitado às dez e tal, e tinha adormecido sem problemas. Se calhar a ultima vez que isto acontecera foi após uma directa, ou quando era criança – um dos encantos daquela ilha. Nessa noite li um bom pedaço e depois fui dar uma volta de meia hora na praia. Estava tão tranquilo, que tirei os boxers e caminhei nu, na paz, debaixo do céu pesado de estrelas.
           
No meu último dia na ilha, fui até à vila outra vez, para almoçar mais baratinho. Caminhava devagarinho, sorvia as curvas, os putos na escola, os velhos a dormir, cada detalhe entrava directamente na minha memória para não mais a deixar. Aquela ilha está gravada em mim. Estive lá um pedaço, voltei. Perguntei ao Loius onde se podia nadar tranquilamente, sendo que na praia à frente havia demasiadas rochas, e ele mandou-me para onde eu tinha acabado de vir. Lá voltei para trás, com calma, a ouvir Regina Spektor, e depois deixou que o mar me abraçasse sem timidez. Curti tanto...
           
Saí da praia, deitei-me numa rede ali mesmo à frente à espera do pôr-do-sol. Ia ouvindo música e tirando umas fotografias. O sol ia desaparecer por detrás de umas nuvens que ameaçavam estragar a fotografia. Mas não conseeguiram, pois deram-me nada mais nada menos que um leque de cores que me deixou em êstase. O tempo parou, para mim. Ouvia música, via o céu como se um qualquer deus tivesse deixado cair no seu tapete celestial o seu estojo de tintas, tudo estava perfeito.
           
E no fundo foi um bocado isto que senti em ter estado em Ko Jum – como se o tempo tivesse parado, como se algo me tivesse oferecido a possibilidade de, por dois ou três dias, não ter nada senão a mim mesmo, a ocasional companhia de outros viajantes, e todos estes pensamentos que me assaltam a cada segundo, que pediram tréguas e foram beber um fino uns com os outros. Estava feliz.
           
À noite conversámos um bom pedaço, depois do jantar. Foi quando o Dave teve aquela ceninha em que mandou o calar o Jean, e foi quando o Louis me disse que a irmã pensava que ele vivia a sua VIDA como se estivesse de férias. Falámos acerca de fronteiras, nacionalidades, e de toda a treta que, no fundo, reside em cada um destes conceitos. Despedimo-nos, trocámos contactos, e no dia seguinte voltei para Phuket, para ir ter com o meu irmão.

13h30-s-2-7-11
Kuala Lumpur, Malásia

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