sábado, 12 de fevereiro de 2011

Slovenia - The Of Course Country


Comecei a reparar com a Ana, e depois fui tomando atenção e percebi que, efectivamente, a Eslovénia é um “of course country”. “Posso beber algo?” “Claro.” “Posso num-sei-quê?” “Claro!” – estes “claros” vindo com uma descontração que nos deixa a sentir em casa.

Na quarta à noite fomos com a Polona até Ljubljana. Fomos ter com a Jiva, sua amiga, com quem bebemos um copo de vinho quente. Passado pouco tempo estávamos em casa da Viktoria a beber sangria e conversar, onde ficámos por umas horas. A Viktoria é uma croata que, como a Polona, estuda design e, como eu, é sopinha de massa. Claro que demos um high-five aos sopinhas!

Houve algo que aconteceu e me deixou reflexivo durante mais tempo que o normal. A dada altura, esperamos, na paragem de autocarro, a Viktoria, e um homem aproxima-se e interpela a Polona, que falava ao telemóvel. Ele percebeu que não éramos eslovenos, portanto esperava pela Polona para dizer algo, e perguntara “slovensko”, ou algo assim, para confirmar que ela falava esloveno. Eu, na minha estupidez, disse-lhe algo tipo “no slovensko”. Pá achava que ele ia pedir dinheiro ou algo assim. O que é certo é que ele estava com uma senhora, que estava com dores, e ele queria pedir o telefone da Polona para ligar ao irmão para os ir buscar. E foi o que aconteceu. Senti-me um bocado podre por dentro por ter estado subtilmente a mandar embora alguém que precisava de nós. E vai contra esta porcaria toda que advogo acerca de dar oportunidades a estranhos. Não faço disto uma tempestade num copo de água, mas simplesmente foi um deslize que acho que vale a pena analisar. Acho que são estas coisitas que acabam por nos definir, se deixamos de reparar nelas e depois o que foge à regra é quando alguém é, por uma vez, simpático para com outra pessoa. Vale quase sempre a pena dar o benefício da dúvida. E isto começa com cada um de nós. Detesto o argumento do “mundo cão” e de que temos de ser cães para nos safarmos... frustra-me e acho abismal que tanto pessoal escolha marimbar-se para o óbvio argumento de que se ninguém pensasse que era um mundo cão talvez esse pensamento adviesse de: a) ó óbvio facto de que não o é necessariamente; b) uma ideia do mundo que visa o que deveria ser e que nos ajudaria a assim o transformar, sendo que nós agimos de acordo com as expectativas que temos dos eventos e das pessoas.

E assim, com estes pensamentos a navegar dentro de mim, a noite passou. Foi porreiro lá ter estado. Ao bazarmos para Veliko Mlacebo tivemos o segundo encontro com a polícia do dia. O primeiro foi quando o João passou no vermelho e foi mandado parar. Eles lá deixaram o turista ir embora, poupando-lhe uma multa de oitenta euros mais uma de duzentos por andar sem identificação. Desta feita a polícia veio fazer um controlo aleatório de documentos e álcool, controlo de onde saímos incólumes.

Quinta feira acordámos com os passaportes na mente, mas longe da mesma. É que tinham sido enviados mas andavam perdidos por aí, num correio esloveno qualquer. Se não tivessemos registado o correio, não sabíamos onde andava, e eventualmente voltaria a Portugal. Mas aí chegaremos. Chegaremos também à Embaixada do Paquistão em Lisboa que, apesar de finalmente me ter transmitido o visto, nos prestou um serviço miserável. Miserável.

Depois de termos, em vão, passado pelos correios, que não sabiam onde andava a encomenda com os respectivos documentos, fomos até casa da Viktoria. A tarde passou-se devagar mas tranquilamente. Comemos umas sanduíches, fomos ao supermercado, e entretivemo-nos à volta de umas garrafas de vinho e conversa por vezes acesa. Quem não ficou muito aceso foi o João, a quem se apagaram as luzes mais depressa, fazendo com que tivesse ficado em casa. Eu, a Viktoria e a Polona fomos até ao Orto-Bar, a dez metros da casa da Viktoria. Foi porreiro, mas nada que valha a pena descrever. Interessante foi o italiano que se colou a nós, ninguém sabe como, e que tomava um café em “nossa” casa às cinco da manhã.

Sexta-feira! Os passaportes tinham de ser encontrados neste dia. É que apesar do nosso plano ser tudo menos rígido, já estávamos na Eslovénia há seis noites, quando o plano original era três noites, no máximo. Tínhamos um número que nos tinham dado mas para onde não tínhamos podido ligar no dia anterior, por já ter fechado. Munido de toda a fé possível, o João lá encetou a senda das chamadas, enquanto eu ia cochilando os últimos minutos de uma noite mal dormida. Estava, contudo, acordado o suficiente para ouvi-lo a ser direccionado de escritório em escritório até que, txaraaa, falou com alguém que tinha a encomenda mesmo à sua frente! Agora faltava chegar a Trzin! Boleias, zero, autocarros, zero. Cometemos o erro de entrar num táxi que nos levou (confirmado por locais) um montante astronómico. Ficámos a meio, depois de termos pago dez euros... Eventualmente falámos com uma rapariga loira que esperava uma boleia, e nos deu o número de outro táxi, que nos levou substancialmente menos.

Estar naquele escritório da DHL com os passaportes na mão foi como ter a pedra filosofal como prenda de anos! Tinha-me passado pela cabeça um pouco de tudo. Andar pelos balcãs e outros países onde só necessito o BI (agora de repente acho que isso só daria na Croácia e na Bósnia) enquanto o passaporte ia para Portugal e depois era enviado de volta... ou, na pior opção, se se perdesse mesmo, voltar a Portugal, pedir um passaporte de emergência, bazar mal estivesse pronto e ir à volta, pela Rússia, sendo que não teria os vistos (que agora tenho ) da Índia, Irão e Paquistão. Mas ok, tudo bem.

Para voltar seria, à partida, mais fácil, pois havia muita gente que ia para Ljubljana. Esticámos lá o polegarzito, até que apareceu o Gaber, o melhor méne de todos os tempos. Quando entrámos naquele carro com a música aos berros, tive logo uma sensação de que aquilo ia correr bem. Quando ele, meio minuto depois de lá estarmos, saca de uma pistola-alarme, e manda um petardo (apenas sonoro) para o ar, dizendo que se despedia do seu amigo, tive a certeza e que auilo ia correr bem. Que cena. Fomos falando disto e daquilo até que o gajo pergunta se queríamos ir a casa dele beber um copo. Porque não?...

O Gaber é um esloveno de trinta e três anos, não muito alto e cabelo louro escuro. Trabalha com iluminação em sessões fotográficas, e vive fora de Ljubljana. Chegámos, sentamo-nos à mesa, bebemos uma garrafa de vinho, comemos umas sanduíches e por aí ficámos umas duas horas. Um gajo altamente e super creativo – “Tens uma algema à frente da sanita méne!” – digo. “Iá pois eu sei... sabes como quando o pessoal ‘tá na sanita e se põe a olhar à volta para traçar um perfil do dono da casa?... pois é para isso que eu tenho as algemas, os ratos falsos, o vibrador, e essas cenas... p’rós confundir!” – responde. Brilhante. Ele tinha prometido que depois nos levava a casa da Vikki, e não só assim o fez, como também veio connosco. O fixe nele é que apesar de folião, era bué de cuidadoso e inteligente. A Vikki não se importou e ele esteve lá connosco por uma hora.

Tínhamos arranjado uma boleia organizada, tipo carshare, de Ljubljana até Novo Mesto, uma cidade perto de Zagreb, mas ainda na Eslovénia. E foi aí que topei uma cena importante para o viajante. A falta de cuidado que, ainda que normalmente se possa revelar desastrosa, neste caso deu origem a uma noite do mais peculiar que já tive. É que um gajo estava já tão naquele feelingdo viajante, com tudo a fluir com a sua natural moção, que nem nos preocupamos em ver se depois dava para ir para Zagreb, de Novo Mesto. “’Tá-se bem, ‘tá-se bem...”. E foi por isso que, chegando a Novo Mesto, às dez da noite, não havia autocarros nem comboios e boleias, esquece! Andámos lá à procura de uma solução p’rai hora e meia, e quando percebemos que não havia transportes fomos, nas calmas, para uma estrada que tinha uma placa a dizer Metlika, na direção de Zagreb. Pá carros poucos havia. E dos que havia, esses dez por hora, duvido que levassem dois homens a tal hora. A hipótese de dormir à beira da estrada afigurava-se inevitável. “Ok, ok... tem de ser”.

Deitamo-nos lá uma horita a olhar para as estrelas, a pensar numa solução. “Heia ó Pedro vamos ao bar pá! Tem ali um bar, tu pões-te lá com os teus dotes de paleio e ainda nos arranjas um sítio para dormir!” – sugeriu. “Não sei se tenho capacidade de couro de momento...” – respondi. Apesar de tudo, lá fomos.

Convém confessar que não estava sóbrio. E por isso mesmo, e quando nesta condição, tenho muita facilidade em imaginar os cenários que presencio como peças de um filme qualquer. E assim mo pareceu, nós os dois ali, no meio do nada, numa cidade do tamanho de um alfinete grande, num bar de motoqueiros com apenas três clientes, e aquele estilo da europa do leste a bombar! Os três homens que lá estavam, o Yannis, de quarenta e sete anos, o Merkiov (?) e o outro demoraram mesmo que nada a reparar em nós. Começaram logo a falar connosco... de onde éramos, onde íamos, onde íamos ficar, e essas cenas todas. O João estava sentado num canto, esperando algo que não sabíamos bem o que podia ser, e eu no balcão, bebendo uma caneca paga por eles, com os três em fila, a falar ao mesmo tempo, mais alto que o outro, a perguntar qualquer coisa. Senti aquela cena espetacular. Como se eu fosse um animal nunca visto! Eles perceberam que eu, apesar de colaborativo e tal, devia tar com uma cara qualquer porque rapidamente se apressavam a dizer “não tenhas medo, nós somos só amistosos” e não sei quê. Até ouvir isto, sempre pensei que apenas quem te quer lixar te diz para não te preocupares. Mas depois de ter conhecido estes gajos, mandei essa teoria ao lixo. E confesso que não estava assustado, mas a achar a situação interessantíssima.

A simpatia dos gajos foi-se desenvolvendo. Primeiro começou com pagarem um copo. Algo material, certo, mas indubitavelmente simpático. Depois diziam que queriam ajudar e um deles desapareceu por dez minutos para ir ver o preço de um hostel. “Onze euros? Porreiro, vamos lá!”. Depois o Merkiov diz que íamos fazer o check-in, depois íamos comer um kebab e pagava ele. Altamente. Lá fomos para o hotel. Um hotel chinês onde o pessoal não falava nem esloveno nem inglês. Um passo na China. Mas um passo breve, porque a noite afinal era quarenta euros. Tinham-nos enganado, malandros...

E eis que apareceu a simpatia final. O Merkov diz-nos “pá eu tenho uma casa muito pequena... mas vocês podem ficar em casa da minha irmã, não se preocupem! Vamos comer, eu pago, depois vamos a um bar uma hora ou duas... o teu amigo [o João, que batalhava com o João Pestana] pode ficar a dormir no carro e nós vamos curtir um bocado, e depois vamos para casa!” – espetáculo! E que não me venham com couros de desconhecidos e não sei quê. Se nos protegemos de tudo não vivemos nada. Certo é que fomos sair, eu acedi sem me apetecer nada (não queria dizer – “Iá boa ideia, mas depois de comer vamos dormir ok?) e acabei por curtir bué. Pá estar ali naquele carro, com três eslovenos a cantar aos gritos uma música eslovena qualquer foi surreal.

Isto tudo com aquele leve toque alcoólico que te atribui um nível perceptivo cinematográfico e que se imprime na tua memória como algo que fica para sempre.

Eu até queria ficar, mas lá para as três fomos embora. Escusado seria dizer o número de vezes que os gajos repetiram o plano, acerca de comer-curtir-dormir, e quantas vezes me disseram que estava tudo bem, para não termos medo.

Chegados a casa, cama! E que boa noite! Curta mas bem melhor que a relva fria!

Acordámos às oito da manhã e tomámos pequeno-almoço com o Merkoiv, a irmã, o irmão e o cunhado. Chouriça para pequeno-almoço para toda a gente, toma! E o gajo que estava casado com a irmã dele a mandar uns três shots de Jagermaister! Manda vir! “Queres?” – perguntou-me. “Hei pá não, obrigado”.

De lá aqui foi tranquilo. Estação de serviço, apareceu o Asim que nos levou até fora de Zagreb. Depois apareceu o Christian e a Petra, pessoal muito fixe que nos deixou mesmo pertinho de Zagreb. Daí um metro e pau! Manda vir Zagreb. Hoje concerto.

21h05-s-12-2-11
Zagreb, Croácia

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