domingo, 20 de fevereiro de 2011

Belgrado

(atrasado mas.............)

(fotos nem por isso novas de veliko mlacebo e de zagreb abaixo)

Pouco tempo depois de ter escrito o meu último texto tivemos uma experiência que, apesar de não ter sido extrema, me deixou com alguma adrenalina a correr...

Estávamos lá sentados na paragem de autocarros a ver uns videozitos para passar tempo, e aparece um gajo que começa a falar connosco. Topei logo que este gajo não tinha grandes intenções porque perguntou-me, em francês, a que horas era o comboio para Ljubljana, e depois de lhe ter mostrado onde estavam os horários e ter apontado, tocado literalmente, ele continuou a perguntar, sem se interessar minimamente em sequer tentar ver, a que horas era o comboio para Zagreb, e depois para não sei onde... Quando me afastei e lhe disse que não sabia, para ser ele a ver, o gajo seguiu-me uns dois metros e ficou ali especado a olhar para nós. Guardei o computador e quando passado um pouco ele foi lá fora, fomos para a parte principal da sala de espera, em vez de ficarmos nom corredor.

- Tens o gás pimenta aí à mão? – perguntou o João.
- Iá – respondi, com o mesmo na mão que se escondia no bolso. Pá pode parecer exagero, mas havia ali um comportamento geral no gajo que não ia muito bem. Lá voltou, e em quarenta ou cinquenta lugares disponíveis, sentou-se imediatamente a seguir ao João. Foi fazendo todo o tipo de perguntas, em francês, nacionalidade que disse ser a sua, apenas para minutos mais tarde dizer que era italiano. Eu ia respondendo, manipulando a realidade naturalmente e, acho, sem me engasgar. A nossa estória era que íamos para uma convenção em Belgrado, sendo que eu trabalhava no exército português, e esperávamos uns amigos que vinham connosco e vinham lá ter à estação. Esses amigos eram polícias. O João não concordou tanto com este caminho, mas foi o que me pareceu melhor. Depois o gajo começou a perguntar se tínhamos ganza, se conhecíamos alguém que podia comprar, e estava sempre a insistir para ligar ao Ricardo, o nosso amigo, para ver se ele tinha. Dizer-lhe que eu não me podia associar a drogas, nem ele, devido às nossas profissões, não foi suficiente, e tive mesmo de lhe dizer um “não” mais firme quando voltou a dizer para ligar ao Ricardo. Perguntou que documentos tinha, se lhe podia dar dinheiro para um café e essas cenas todas. Mas depois o comboio veio, e um gajo bazou.

Nos primeiros cinco minutos apareceu o pica, que deve ter pensado que já nos tinha pedido e daí bazou de imediato. Fomos semi-dormindo, até que aparece um polícia imbecil a gritar a palavra passaporte. O João tinha encontrado a carteira de um gajo qualquer, e quando tenta encetar um conversa que visava a eventual entrega da carteira o gajo só grita “passport! passport”. Mas ele era mesmo um atrasado, porque no final, após episódios semelhantes (como gritar com o João para ele se sentar num sítio que lhe permita ver melhor a sua cara) o seu colega polícia desculpou-se e fez sinal com o dedo a implicar que o cota não jogava com o baralho todo. Depois apareceu a polícia sérvia e aí foi tranquilo. Finalmente apareceu o pica sérvio, que de burro não tinha nada. Pediu vinte euros por ambos os bilhetes (de Novska teria sido trinta euros) e após lhe dizer que não tinha euros, lá o consegui convencer a aceitar vinte e cinco dolares. Ora está na cara que o dinheiro é para ele, e por isso mesmo disse que aparecia mais tarde, antes de chegarmos a Belgrado. Quando apareceu sugeri vinte dolares (dezasseis euros) e ele aceitou, mas ainda pediu coroas croatas. Finji que não percebi.

Eram sete da manhã e estávamos em Belgrado. O nosso anfitrião só aparecia à uma da tarde, e mesmo que um gajo quisesse ir para um hostel, que não queríamos, o check-in é sempre lá p’rás onze. Fomos para o Mac, onde ficámos umas três horas, até que nos disseram que não podíamos dormir lá. Fomos dar uma volta, e o João quis arroxar numa garagenzita que não me transmitia muita confiança. Ele ficou aí e eu fui dar uma volta, encontrando um prédio aberto, onde entrei e fiquei por uma hora, a jogar uns jogos quaisquer, sem conseguir adormecer.

Eventualmente encontrámos no bar de um hotel que tinha internet. O Jovan apareceu lá p’rá uma e meia da tarde, no seu Mercedes azul escuro, e fomos directamente beber uma cerveja. Ok, no problem. Ficámos lá no paleio umas duas horas, depois viemos para casa. Tomámos banho, comemos umas sandes feitas pela sua mãe e estávamos prontos para bazar. A sua mãe, que nos tem tratado como príncipes, trabalha como enfermeira na Alemanha durante quinze dias seguidos, e depois passa quinze dias na Sérvia. Vive em Belgrado com um salário alemão. Considerando que o salário mínimo em Belgrado são cento e vinte euros por mês (fora da capital menos), imagino que tenha uma boa VIDA no que a isso diz respeito. O Jovan... não percebi ainda muito bem o que faz, mas acho que não faz nada. Curte. Disse que tinha umas acções e algum dinheiro a entrar com alguma regularidade. Deixou de fumar há mês e meio e engordou dez quilos!

Veio cá ter o Philip, o “gajo que sabe tudo”, como disse o Jovan e fomos, no seu Yugo que comprou por quatrocentos euros, para o centro. O Phil é um gajo, efectivamente, muito culto, que fala como se fosse um actor de teatro. É aquela maneira de falar que, a ser um bocadito mais para o lado de lá, sugeria um problema nas cordas vocais. Mas é simplesmente a sua cena. Lá fomos para uma “Cafana”, que signigica um pub sérvio, bastante barato e cheio de pessoal amigo e do couchsurfing. Entre eles o Pawel, polaco de trinta e três anos, que vive em Cambridge há treze anos, e que está numa viagem à boleia desde o Reino Unido até Goa à boleia. É um gajo porreiro, ainda que por vezes me tenha parecido que tem aquele “orgulho do viajante”. Tipo o pessoal que diz “ai nós os viajantes e não sei quê....”. Não curto muito apesar de não ser uma característica detestável, na medida em que foi muito subtil. É simplesmente algo que me deixou a pensar e em que já tinha reparado. Alguns vegetarianos e viajantes acham-se pessoas especiais, num nível acima. Quem me conhece sabe que estas são duas qualidades que prezo e admiro, mas estão longe de definir um indivíduo...

Os sérvios são danados p’rá bebida...

Ficámos neste pub umas três horas, bebendo cerveja e rakia, a bebida espirituosa mais famosa dos balcãs. Houve um episódio interessante... a dada altura o Grua (algo assim) está a provocar o Pawel, dizendo que ele não bebia ou uma cena assim qualquer. No gozo, mas isto tocou ali no ego do Pawel, que para provar que sim, era um homem, arregaçou a manga e desafiou o Grua para um braço de ferro. Hum? Ok. Pitoresco, no mínimo.

Conheci também lá o Jovan (outro) que me deixou muito mais descansado com o Paquistão. Não estava aterrado, mas era o país que me deixava mais hesitante. Ora para ele, que já andou pelo sudeste quase todo, é um país apenas precedido pelo Nepal, nos seus favoritismos.

- No Nepal podes fazer tudo o que quiseres pá...
- Tipo quê?
- Tipo acordar e ir às compras nu, que o pessoal ‘tá-se a cagar!

Diz que o Irão é completamente tranquilo e que, para ele, a verdadeira fronteira entre a Europa e a Ásia é quando passas do Irão para o Paquistão. Claro que falou na pobreza e essas meleitas todas paquistanesas, mas ainda assim adorou o tempo que lá passou.

Eventualmente, e depois do Jovan ter bazado, fomos para outro pub, este já maior, que tocava rock. Pagámos dez euros cada, no final, algo inesperado mas que acontece. Quando fomos embora, mais um encontro com a polícia. Aparentemente o Jovan tinha mijado na rua e os gajos viram-no. Pediram identificação e ele, pensando que tinha pedido de todos, deu a de todos. Ora o polícia deve ter pensado que ele estava a dar a identificação de outra pessoa por outra razão, e sai do carro com cara de quem vai ter de se sentar num varão por uma semana, com a sua testa a centímetros da testa do Jovan, à espera de uma razão para o desancar. Eu não tinha dado a minha identificação, para evitar eventuais horas de escrutínio sérvio, e disse ao João, que não tinha identificação com ele, para se afastar subtilmente. Mas ok, eventualmente lá fomos e não se passou nada. Um gajo tem de ter cuidado, parece que quanto mais para Este, mas a polícia é agreste...
O Jovan não se lembra deste incidente.

Hoje fomos dar uma volta pela cidade. Não é nada do outro mundo a nível de monumentos e cenas assim, mas atrai-me, muito pela história fascinante por detrás de cada parede. Não podes evitar passar em edifícios com buracos de balas, edifícios rebentados com bombas ou recontruídos recentemente. Cenas horríveis se passaram por estes lados... lembro-me vagamente de ser puto e ouvir muito falar na guerra dos balcãs, e lembro-me de uma música dos UHF chamada Sarajevo. Tinha uma imagem na minha mente que sempre achei que fosse exagerada. Mas depois de ter visto os documentários que vi hoje, e de ter ouvido o pessoal, especialmente o Philip, a falar do que por aqui se passou, percebo a realidade. O Philip tem no Tito a imagem de um herói. É certo que após ter morrido, em mil novecentos e oitenta, pouco tardou até isto rebentar tudo, mas curtia também falar, por exemplo, com nacionalistas sérvios (ao contrário do Phil, que se considera jugoslavo) para perceber se realmente havia razões mais palpáveis para a rotura. Iá posso sempre pesquisar, e fá-lo-ei, mas não é o mesmo que ouvir directamente duas opiniões distintas.

Éramos para ir sair hoje, mas o pessoal não estava disponível e acabámos por ficar. Amanhã, festa de despedida! E vou estar com o Frosa (Paulo Franzini), o meu primo que está por cá. Vimos o “Filme Sérvio”, algo do mais horrífico que já vi e que não recomendo a ninguém. Chama-se mesmo “Filme Sérvio” e o Phil acha que: a) quem o fez e assim o intitulou devia ser preso; b) quem o fez e assim o intitulou vai ser assassinado.

Depois vimos um documentário sobre esse rapaz, o marechal Tito...
O sono espera...

2h52-4ª-16-2-11
Belgrado

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