Porque as aparências às vezes iludem, o Luciano revelou-se um gajo porreiro. Pelo caminho fomos falando, nomeadamente de política e cultura italiana, tanto quanto o meu italiano permitia. Eram anti-Berlusconi, como todos os italianos com quem já falei acerca do assunto. Onde andam estes italianos que votam nele? No sul? Para o Luciano e a Simona esses italianos eram os imbecis, que infelizmente consitituiam a maior parte da população.
Deixaram-nos na estação de serviço antes da divisão das estradas entre Milão, que não nos interessava e Padova, que nos interessava. Nessa estação de serviço a sorte escasseava. Acho que tinha ficado em França, curtiu Marselha, o porto, a igreja e os bairros. E nós que nos safemos. Apareceu o Giovanni, que nos podia levar até Tortona e nos deixar em algum lado perto da entrada para a autoestrada. O João queria ir, porque estava com um pressentimento. Eu, não sendo grande fã da ideia, lá concordei tentar, o que acabou por ser outro erro. Caminhamos atrás do Giovanni, todo bem arranjado com o seu brinquinho, cachecol e pullover lilás, e eu esperava ver um carro tipo Audi, não necessariamente caro, mas bem arranjado e essencialmente estiloso. Mas era um camião. Um camião bem arranjado e organizado, é certo, mas era um camião, o que foi interessante, sendo que foi completamente contra o que esperava. O Giovanni até era fixe e acabou por nos levar até uma vilita, deixar o camião, pegar no seu carro e deixar-nos em Vorghera, perto da entrada para a autoestrada. Mas serviu de pouco. Estivemos ali com o polegar umas duas horas, e apesar de dois carros terem parado, não iam para os nossos lados. Eventualmente rendemo-nos e caminhamos, já de noite, paraa estação de comboio. O João equacionou entrar sem pagar, mas os sete euros que valia o bilhete não assim o exigiam.
- Se o pica não aparecer ficas bué frustrado, não? – perguntei, já no comboio.
- Iá – respondei. Foi o que aconteceu, não veio pica nenhum.
Passado pouco mais de uma hora e meia estavamos em Parma e esperava-nos o Salvatore. Levou-nos até sua casa, onde nos esperava a Roberta, sua namorada, e o Whiskey o cão da mesma. Algo que também esperava por nós era um... ora ia dizer sumptuoso jantar e ri-me sozinho. É que o jantar era bom e muito agradável, mas era uma piza caseira e uns aperitivos. Não era exactamente sumptuoso. Acho que ando a baixar o meu grau de exigência, o que é óptimo. E por acaso, em jeito de nota aparte (não sei se já escrevi sobre isto), tenho-me apercebido o quão exageradamente como, quando em Portugal, ou noutra qualquer situação de conforto. Quando estou na estrada, muitas vezes nem me lembro disso, e a fome aperta quando aperta, não porque é meio dia e meio e me obrigo a comer um almoço onde repito três vezes, ou porque são sete da tarde e sei que a bacalhoada me espera. A Jo, que nos albergou em Marselha fez um retiro budista na Tailândia e disse algo que vai na mesma linha. Lá comiam um bom pequeno-almoço, depois algo mais tarde, ao almoço, e já não havia mais nada até ao pequeno-almoço seguinte. Disse que os ocidentais, coitados, flipam um bocado ao início, e sentem-se fracos e todas essas coisinhas, mas eventualmente habituam-se porque, efectivamente, o corpo não precisa de assim tanto. Falo um bocado de cor, baseado no que me disseram, numa ideia que já tinha, e nesta curta experiência.
Ao longo jantar, e depois do mesmo, ficámos à mesa um par horas a conversar, mais uma vez sobre o Berlusconi, políticas italianas e a Padagnia. Há um movimento (liderado pela Liga do Norte) que visa a separação do Norte da Itália do Sul desse país. Eu já sabia que eles dizem que “o Norte trabalha e o Sul descansa”, e até sabia dessa ideia de separação. O que não sabia era que, nas palavras do Luciano, cerca de um terço do pessoal do Norte preferia ver a separação acontecer, e ver nascer La Padagnia... Também não sabia que, além de uma cadeia televisiva, o Berlusconi era também dono de uma das maiores editoras italianas que, como se antecipa, não publica qualquer coisinha que vá mais noutras linhas que não as suas. Hoje, em Bologna, vi um pessoal a distribuir uns panfletos do partido do Berlusconi. Não tinha tempo, mas gostava de ter falado com eles. Ouvir o que defende o pessoal do outro lado, para variar...
Hoje de manhã, depois do pequeno-almoço, o Salvatore e a Roberta, que iam para Milão visitar os pais da rapariga, deixaram-nos na autoestrada, numa estação de serviço bastante concorrida. Não passou mais de meia hora até que o João me chamou. Ele estava a pedir nas bombas, e eu na zona de restauração – a boleia organizada. Cometemos aqui mais um erro, mas não podíamos ter feito muito melhor. É que queríamos descer quase até Bologna, mas ficar na última estação de serviço. O que aconteceu foi que ficamos depois. A aprendizagem aqui foi saber a que quilómetro está a última estação de serviço antes da saída, porque sair da autoestrada, quando o mais difícil costuma ser entrar, não ‘tá com nada...
Assim ficamos no meio do nada, caminhámos um bocado, atravessámos estrada passando um tunelzito, e fomos ter a uma outra estação de serviço que, não só não era na autoestrada, mas também era maioritariamente frequentada por pessoal que ia para Bologna. Não deu. Não deu e acabámos por ir com o Gianni até Bologna. Aí caminhámos cerca de uma hora até uma estrada que ia dar para as autoestradas que iam para o Norte. Também não deu. Pois também não deu e viemos até ao centro, mais uma vez, onde acabámos por perceber que o melhor seria mesmo comprar um bilhete de autocarro até Ljubljana, por trinta euros.
E aqui estou, no autocarro, a ouvir The Pastels and Tenniscoats, a uma hora e meia da capital eslovena, onde nos espera a Ana, amiga que conheci quando fui com o Petiz e o João à sua cidade em 2006. É Sábado, apetecia-me cortiré!
19h31-s-5-2-11
Algures entre Bologna e Ljubljana
Desta vez fiquei um pouco "cansado"...mas ainda bem que afinal não passou de alguns imprevistos.
ResponderEliminarEssa cena das horas de comer...e comer...deixou-me a pensar.
:o)
Grande abraço.
Continuação de boa viagem!.
sigo-te;)