quarta-feira, 2 de abril de 2014

Entre Tiznit e Mirleft

Sozinho outra vez. O Universo meteu o Joel no meu caminho para me facilitar a entrada no desconhecido. Num segundo conheci o Canadiano, no segundo seguinte combinámos pedalar juntos um ou dois dias. “Que benção”, disse-me o loirito, no mesmo dia, quando chegámos a Tânger e trocávamos dinheiro, “Ia detestar fazer isto sozinho!... Quer dizer, não ia detestar, mas não ia ser a mesma coisa...”. Fiquei contente de saber que estava tão contente quanto eu por ter alguém.
                
Pensei em acompanhá-lo um dia ou dois porque naquele primeiro dia em que pedalámos até à nossa primeira cidade marroquina achei que não tinha pedalada para o magrito. Mas acabou por correr bem, e de um dia a ideia passou para dois, três. Ele tinha de pedalar todos os dias, eu não tinha obrigação de nada. Mas deixei-me ir. O miúdo adoeceu, eu ajudei-o com isto ou aquilo, melhorou, fomos seguindo. Passámos Essaouira, chegámos a Agadir, mais de mil quilómetros depois de nos termos conhecido.
                
Deixámos juntos a cidade e dez quilómetros depois ele foi para Este, eu vim para Sul. Senti de imediato o aborrecimento de pedalar sozinho, ajudado pela estrada de duas vias para cada lado sem o sal do mar ou o doce das velhas a o vender. Senti logo a falta de ter alguém com quem comentar as coisas, alguém a quem esperar, ou que me esperava. Alguém a quem dar uma bolacha ou de quem receber um gomo de laranja. Mas tem de ser assim. Tem de ser assim porque eu quero continuar, e não posso, não quero, nem me permito, depender de ninguém para o fazer. Sim, sei que há ganhos em viajar sozinho, há coisas que vou viver de uma maneira diferente, talvez vá interagir ainda mais com os locais. Mas não o prefiro. Acho que nunca o preferi. Gosto de ter alguém.
                
Cheguei a Tiznit, noventa e tal quilómetros depois, e já o sol ameaçava pôr-se daí a menos de uma hora. Talvez fosse tarde para sair da cidade e encontrar um sítio onde ficar, pelo que avistei um prédio em construção e equacionei a dormida aí. Fui tomar um café, procurar estadia. Sem sucesso. De repente, com a noite, veio um entusiasmo que apareceu de esquina. Paguei, saí lá para fora, olhei para o céu, e essa solidão tornou-se... engraçada. De repente achei engraçado estar um bocado à nora sem saber bem onde ficar. Fui comer umas sandes de salsicha, voltei à bicicleta, passei pelo prédio e percebi estar tomado, com dois ou três gajos a ouvir música. “Que se lixe”, pensei, “Vou seguir”. E segui. Estrada fora, a lua à minha esquerda e um sorrisito de puto.
                
Dez quilómetros depois da cidade uma estradita convidou-me. Entrei e, atrás de um muro encontrei o meu pouso. Estou neste momento deitado na minha tenda, a ouvir Amiina, e sinto debaixo das minhas costas todos os calhaus que existem neste país. Estou a acampar sozinho, pela primeira vez. Ah, apercebo-me agora que estou a acampar sozinho pela primeira vez na minha VIDA! Não estou desconfiado, mas guardo alguma reticência natural de quem é novato em alguma coisa.
                
O sono pega um pouco em mim. Quero que a Bicicleta ainda lá esteja amanhã de manhã.

23h21, 6ª, 7-3-14

Algures entre Tiznit e Mirleft 

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