Sozinho
outra vez. O Universo meteu o Joel no meu caminho para me facilitar a entrada
no desconhecido. Num segundo conheci o Canadiano, no segundo seguinte
combinámos pedalar juntos um ou dois dias. “Que benção”, disse-me o loirito, no
mesmo dia, quando chegámos a Tânger e trocávamos dinheiro, “Ia detestar fazer
isto sozinho!... Quer dizer, não ia detestar, mas não ia ser a mesma coisa...”.
Fiquei contente de saber que estava tão contente quanto eu por ter alguém.
Pensei
em acompanhá-lo um dia ou dois porque naquele primeiro dia em que pedalámos até
à nossa primeira cidade marroquina achei que não tinha pedalada para o magrito.
Mas acabou por correr bem, e de um dia a ideia passou para dois, três. Ele
tinha de pedalar todos os dias, eu não tinha obrigação de nada. Mas deixei-me
ir. O miúdo adoeceu, eu ajudei-o com isto ou aquilo, melhorou, fomos seguindo.
Passámos Essaouira, chegámos a Agadir, mais de mil quilómetros depois de nos
termos conhecido.
Deixámos
juntos a cidade e dez quilómetros depois ele foi para Este, eu vim para Sul.
Senti de imediato o aborrecimento de pedalar sozinho, ajudado pela estrada de
duas vias para cada lado sem o sal do mar ou o doce das velhas a o vender.
Senti logo a falta de ter alguém com quem comentar as coisas, alguém a quem
esperar, ou que me esperava. Alguém a quem dar uma bolacha ou de quem receber
um gomo de laranja. Mas tem de ser assim. Tem de ser assim porque eu quero
continuar, e não posso, não quero, nem me permito, depender de ninguém para o
fazer. Sim, sei que há ganhos em viajar sozinho, há coisas que vou viver de uma
maneira diferente, talvez vá interagir ainda mais com os locais. Mas não o
prefiro. Acho que nunca o preferi. Gosto de ter alguém.
Cheguei
a Tiznit, noventa e tal quilómetros depois, e já o sol ameaçava pôr-se daí a
menos de uma hora. Talvez fosse tarde para sair da cidade e encontrar um sítio
onde ficar, pelo que avistei um prédio em construção e equacionei a dormida aí.
Fui tomar um café, procurar estadia. Sem sucesso. De repente, com a noite, veio
um entusiasmo que apareceu de esquina. Paguei, saí lá para fora, olhei para o
céu, e essa solidão tornou-se... engraçada. De repente achei engraçado estar um
bocado à nora sem saber bem onde ficar. Fui comer umas sandes de salsicha,
voltei à bicicleta, passei pelo prédio e percebi estar tomado, com dois ou três
gajos a ouvir música. “Que se lixe”, pensei, “Vou seguir”. E segui. Estrada
fora, a lua à minha esquerda e um sorrisito de puto.
Dez
quilómetros depois da cidade uma estradita convidou-me. Entrei e, atrás de um
muro encontrei o meu pouso. Estou neste momento deitado na minha tenda, a ouvir
Amiina, e sinto debaixo das minhas costas todos os calhaus que existem neste
país. Estou a acampar sozinho, pela primeira vez. Ah, apercebo-me agora que
estou a acampar sozinho pela primeira vez na minha VIDA! Não estou desconfiado,
mas guardo alguma reticência natural de quem é novato em alguma coisa.
O
sono pega um pouco em mim. Quero que a Bicicleta ainda lá esteja amanhã de
manhã.
23h21, 6ª, 7-3-14
Algures entre Tiznit e
Mirleft
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