quarta-feira, 16 de abril de 2014

Agadir

Quando chegámos a Agadir, aqui o Tóino ficou um bocado a olhar para aquilo de lado. Então eu tinha ideia que Agadir era uma vilita tranquila com umas praias e uns barezitos relaxados à beira-mar e aquilo era uma cidade e peras! Iá, eu sabia que tinha aeroporto e tudo, mas ainda assim podia ser um aeroporto todo podre que tivesse só alguns vôos.

Enviei mensagem ao Sofian e ele disse para irmos ter à estação de autocarros. P’rai uma hora depois, e tendo perguntado p’rai a dez pessoas, lá chegámos. Enviava mensagem e o gajo não respondia, até que pedi a um casal que passava para usar o telemóvel deles e lhe liguei. O gajo lá apareceu. Apareceu com o Samir, e fomos para sua casa. Deixámos as cenas no seu quarto e fomos tomar chá para a sala e comer uns pasteizitos. Estivemos lá p’rai uma hora e devo ter feito vinte perguntas sobre Marrocos e o Islão. A minha experiência em Marrocos não é muito extensa. Estou, neste momento, aqui há três semanas. Mas tenho falado com pessoas e também o facto de andar de bicicleta permite-me ver muitas, muitas localidades, e apreender mais do que se andasse de autocarro. Por isso, posso dizer que a minha experiência em Marrocos é diferente da dos outros países muçulmanos por onde passei, e pode ser por isso que eu ache que Marrocos é o país mais muçulmano onde já estive. Note-se que já passei pela Turquia, Síria, Líbano, Iraque, Irão, Paquistão e Índia.
               
E a conversa que tive com o Sofian no café para onde fomos ver o futebol a seguir foi mais uma pedrita para o edifício desta constatação. Conversámos muito acerca de práticas, regras, imposições e para o Sofian, tal como para o Abdul e o seu amigo em Casablanca, ser muçulmano era a verdadeira cena! Era fixe. Em Portugal, às vezes, quando alguém mais jovem se confessa praticante, pode até levar um bocado de escárnio, porque o que é fixe é não seguir nenhuma religião, parece-me. O que também é estúpido, porque o que é, realmente fixe, é seguir, ou não seguir algo porque pensámos acerca do assunto, e não porque temos vergonha de uma ou de outra atitude. Contudo, aqui em Marrocos parece-me que é ao contrário.
               
Facilmente me apercebi que para quem anda perdido e se deixa embrulhar facilmente em argumentação possa ver no Islão a solução para os seus problemas, ou a verdadeira resposta. Isto porque o pessoal parece ter na ponta da língua sempre argumentos ou exemplos que conhecem e que dá a entender que sabem do que estão a falar. Mas, muitas vezes sinto que fica por aí, o “dar a entender”, porque explorando um pouco, perde-se o fio à meada. Na narrativa senti haver muitas vezes o recurso a ilustrações que não têm sentido. Como o Sofian me falar do Ramadão e dizer que é saudável, porque é como levar um carro à inspecção, algo assim. Ou, quando falámos de céu e inferno e eu digo que acho que não faz sentido haver um inferno se há um deus, ele me dizer que tudo tem de ter um positivo e um negativo, como aquela lâmpada, que tem um polo negativo e um positivo. Pois se há um deus, nada tinha de ter um positivo e um negativo, tinha de ter aquilo que lhe apetecesse. A par destes exemplos, havia exemplos de uma pessoa qualquer que tinha feito qualquer cena ou visto qualquer coisa e depois era tida como exemplo, como se esse evento isolado representasse todo o mundo. É esta falta de análise lógica e científica que eu não entendo. Culminou com o Sofian a dizer que tinha a certeza que nunca nenhum muçulmano se tinha convertido para outra religião. Isto a propósito de, por vezes, outras pessoas se converterem ao Islão e eu dizer que, certamente, acontecesse em todos os sentidos.

- Méne!! Não podes dizer isso! A menos que tenhas conhecido toda a gente do mundo, não podes dizer isso, pá!
- Mas eu tenho a certeza!
- Olha, não podes ter a certeza, porque eu já conheci um gajo que mudou... Uma vez, era Sexta-Feira à noite e eu ia p’rós copos. Passei num super-mercado e estavam lá dois ou três pessoas com um casaco a dizer “Jesus Army” a recolher as sanduíches que tinham passado de prazo para irem entregar aos sem-abrigo. Eu ajudei-os a levar os sacos e depois em conversa com esse méne, que dizia que Jesus era o maior, eu disse-lhe que ele só acreditava em Jesus porque tinha nascido num contexto que o tinha condicionado para isso. E ele disse-me que tinha nascido muçulmano... – e, efectivamente, esse gajo calou-me como eu calara o Sofian nesse momento. Pois tal como esse meu amigo marroquino, também eu muitas vezes falo sem saber...
- A sério? – perguntou, estupefacto.
- A sério.
- Eu acredito em ti... mas de certeza que nenhuma destas pessoas ia acreditar nisso – espero que, também essa afirmação, um exagero.

Mas, apesar deste fundamentalismo (não no sentido a que nos habituámos na televisão) o Sofian até era bom tipo, e acho que me curtiu. Tento dizer sempre o que penso e tento não julgar, o que por vezes é difícil para quem pensa muito acerca das cenas e tende a achar-se correcto. E por isso, acho que acabo por conseguir um equilíbrio entre a verdade e respeito. Como quando me perguntou, no dia seguinte, o que eu achava do Islão. Comecei por dizer que comprendo que cada um tem a sua cena e conquanto não a imponha aos outros, ‘tá-se bem.  E que, por ter passado por mutos países que praticam esta religião e por ter sido sempre bem tratado, sinto-me no dever de os proteger de afirmações generalistas. Contudo, acho que é uma religião que tem várias regras sem sentido. Infelizmente, não é uma religião que está sozinha neste aspecto. Ele não teceu grandes comentários acerca do meu, pelo que não sei ao certo como interpretou as minhas palavras.

Daí a duas ou três semanas o Sofian iria viver para a Holanda, onde tinha uma namorada desde há três anos. Apesar de já lá ter passado seis meses, acho que será, ainda assim, um choque cultural enorme. Os marroquinos devem ter um charme especial qualquer, pois pelo menos aqueles com quem falei, ou tinham namoradas europeias ou já se tinham enrolado algumas vezes com turistas do nosso continente. E não me parecia couro de quem se quer armar em garanhão...

Agadir marcou o fim da minha viagem com o Joel. Pedalámos juntos cerca de dez quilómetros, estacionámos na beira da rotunda que nos separaria, demos um abraço, e cada um foi para seu lado.

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