Quando chegámos a Agadir, aqui o Tóino ficou um bocado a
olhar para aquilo de lado. Então eu tinha ideia que Agadir era uma vilita
tranquila com umas praias e uns barezitos relaxados à beira-mar e aquilo era
uma cidade e peras! Iá, eu sabia que tinha aeroporto e tudo, mas ainda assim
podia ser um aeroporto todo podre que tivesse só alguns vôos.
Enviei mensagem ao Sofian e ele
disse para irmos ter à estação de autocarros. P’rai uma hora depois, e tendo
perguntado p’rai a dez pessoas, lá chegámos. Enviava mensagem e o gajo não
respondia, até que pedi a um casal que passava para usar o telemóvel deles e
lhe liguei. O gajo lá apareceu. Apareceu com o Samir, e fomos para sua casa.
Deixámos as cenas no seu quarto e fomos tomar chá para a sala e comer uns pasteizitos.
Estivemos lá p’rai uma hora e devo ter feito vinte perguntas sobre Marrocos e o
Islão. A minha experiência em Marrocos não é muito extensa. Estou, neste
momento, aqui há três semanas. Mas tenho falado com pessoas e também o facto de
andar de bicicleta permite-me ver muitas, muitas localidades, e apreender mais
do que se andasse de autocarro. Por isso, posso dizer que a minha experiência
em Marrocos é diferente da dos outros países muçulmanos por onde passei, e pode
ser por isso que eu ache que Marrocos é o país mais muçulmano onde já estive.
Note-se que já passei pela Turquia, Síria, Líbano, Iraque, Irão, Paquistão e
Índia.
E a conversa que tive com o
Sofian no café para onde fomos ver o futebol a seguir foi mais uma pedrita para
o edifício desta constatação. Conversámos muito acerca de práticas, regras,
imposições e para o Sofian, tal como para o Abdul e o seu amigo em Casablanca,
ser muçulmano era a verdadeira cena! Era fixe. Em Portugal, às vezes, quando
alguém mais jovem se confessa praticante, pode até levar um bocado de escárnio,
porque o que é fixe é não seguir nenhuma religião, parece-me. O que também é
estúpido, porque o que é, realmente fixe, é seguir, ou não seguir algo porque
pensámos acerca do assunto, e não porque temos vergonha de uma ou de outra
atitude. Contudo, aqui em Marrocos parece-me que é ao contrário.
Facilmente me apercebi que para
quem anda perdido e se deixa embrulhar facilmente em argumentação possa ver no
Islão a solução para os seus problemas, ou a verdadeira resposta. Isto porque o
pessoal parece ter na ponta da língua sempre argumentos ou exemplos que
conhecem e que dá a entender que sabem do que estão a falar. Mas, muitas vezes
sinto que fica por aí, o “dar a entender”, porque explorando um pouco, perde-se
o fio à meada. Na narrativa senti haver muitas vezes o recurso a ilustrações
que não têm sentido. Como o Sofian me falar do Ramadão e dizer que é saudável,
porque é como levar um carro à inspecção, algo assim. Ou, quando falámos de céu
e inferno e eu digo que acho que não faz sentido haver um inferno se há um
deus, ele me dizer que tudo tem de ter um positivo e um negativo, como aquela
lâmpada, que tem um polo negativo e um positivo. Pois se há um deus, nada tinha
de ter um positivo e um negativo, tinha de ter aquilo que lhe apetecesse. A par
destes exemplos, havia exemplos de uma pessoa qualquer que tinha feito qualquer
cena ou visto qualquer coisa e depois era tida como exemplo, como se esse
evento isolado representasse todo o mundo. É esta falta de análise lógica e científica
que eu não entendo. Culminou com o Sofian a dizer que tinha a certeza que nunca
nenhum muçulmano se tinha convertido para outra religião. Isto a propósito de,
por vezes, outras pessoas se converterem ao Islão e eu dizer que, certamente,
acontecesse em todos os sentidos.
- Méne!! Não podes dizer isso! A
menos que tenhas conhecido toda a gente do mundo, não podes dizer isso, pá!
- Mas eu tenho a certeza!
- Olha, não podes ter a certeza,
porque eu já conheci um gajo que mudou... Uma vez, era Sexta-Feira à noite e eu
ia p’rós copos. Passei num super-mercado e estavam lá dois ou três pessoas com
um casaco a dizer “Jesus Army” a recolher as sanduíches que tinham passado de
prazo para irem entregar aos sem-abrigo. Eu ajudei-os a levar os sacos e depois
em conversa com esse méne, que dizia que Jesus era o maior, eu disse-lhe que
ele só acreditava em Jesus porque tinha nascido num contexto que o tinha
condicionado para isso. E ele disse-me que tinha nascido muçulmano... – e,
efectivamente, esse gajo calou-me como eu calara o Sofian nesse momento. Pois
tal como esse meu amigo marroquino, também eu muitas vezes falo sem saber...
- A sério? – perguntou,
estupefacto.
- A sério.
- Eu acredito em ti... mas de
certeza que nenhuma destas pessoas ia acreditar nisso – espero que, também essa
afirmação, um exagero.
Mas, apesar deste fundamentalismo
(não no sentido a que nos habituámos na televisão) o Sofian até era bom tipo, e
acho que me curtiu. Tento dizer sempre o que penso e tento não julgar, o que
por vezes é difícil para quem pensa muito acerca das cenas e tende a achar-se
correcto. E por isso, acho que acabo por conseguir um equilíbrio entre a
verdade e respeito. Como quando me perguntou, no dia seguinte, o que eu achava
do Islão. Comecei por dizer que comprendo que cada um tem a sua cena e
conquanto não a imponha aos outros, ‘tá-se bem. E que, por ter passado por mutos países que
praticam esta religião e por ter sido sempre bem tratado, sinto-me no dever de
os proteger de afirmações generalistas. Contudo, acho que é uma religião que
tem várias regras sem sentido. Infelizmente, não é uma religião que está
sozinha neste aspecto. Ele não teceu grandes comentários acerca do meu, pelo
que não sei ao certo como interpretou as minhas palavras.
Daí a duas ou
três semanas o Sofian iria viver para a Holanda, onde tinha uma namorada desde
há três anos. Apesar de já lá ter passado seis meses, acho que será, ainda
assim, um choque cultural enorme. Os marroquinos devem ter um charme especial
qualquer, pois pelo menos aqueles com quem falei, ou tinham namoradas europeias
ou já se tinham enrolado algumas vezes com turistas do nosso continente. E não
me parecia couro de quem se quer armar em garanhão...
Agadir marcou o fim da minha
viagem com o Joel. Pedalámos juntos cerca de dez quilómetros, estacionámos na
beira da rotunda que nos separaria, demos um abraço, e cada um foi para seu
lado.
Sem comentários:
Enviar um comentário