Acordámos
em Essaouira, tomámos um calmo pequeno-almoço e bazámos. Tínhamos onde ficar
mas era a 117km daí, e já estávamos a bazar tarde, pelo que não nos esforçámos
por lá chegar. Se inicialmente foi um trajecto bastante tranquilo, com um bom
asfalto e sem grandes subidas, depois tornou-se um bocado num desastre, com um
Vento ridículo. Praguejei algumas vezes quando o meu caro amigo me soprava para
a berma. Uma vez quase caí da Bicicleta. Aconteceu o mesmo ao Joel, e como ele
tem uns pneus que parecem fio dental fez um furo. Na verdade dois, um de cada
lado da câmara de ar. Desde que saiu de Barcelona já teve sete furos, problemas
na corrente e parafusos a desaparecer, problemas a que estamos sujeitos quando
compramos bicicletas em segunda mão, talvez.
Quando
parámos para comer uma sopa vimos os primeiros ocidentais numa grande viagem de
bicicleta. Tínhamos visto um cota com pinta de francês no sentido contrário as
não falámos com ele. Estes, também indo no sentido contrário, eram da República
Checa e iam de Marraquexe até ao seu país. Nesse dia vinham de Agadir, montados
nas suas bicicletas caríssimas, e procuravam naquela localidade um quarto.
Dissemos ao homem dos seus quarenta e tal, magrito mas com grande pança, para
se sentarem connosco, mas mais do que se sentar ele parecia querer assentar.
Tanto que meteram as bicicletas na mala de um táxi e foram para Essaouira! Eu e
o Joel sentados na nossa mesita a ver aquilo achámos um bocado estranho. Não
havia um quarto naquela terra? Talvez o gajo a quem eles perguntaram os tenha
mandado para Essaouira para dar negócio ao taxista. De todo o modo os checos
estavam demasiado cansados para mais, pois também eles tinham apanhado grandes
ventanias no mesmo dia.
Pedalámos
não mais que meia hora até que o Joel sugeriu encontrarmos um sítio para montar
a tenda. Que espetáculo foi! Lá encontrámos um sítio no meio de umas árvores
dispersas, e o Vento tornava aquela tarefa numa quase impossível! Estava a
acabar de montar a minha tenda, que estava tão torta que ambos os lados tocavam
no chão quando apareceu um pastor só de um braço que nos dizia para irmos
dormir em casa dele. Já tínhamos montado a tenda, pelo que agradecemos e
dissemos que lá ficaríamos. Ainda assim, ele fez o gesto de beber, e apontou
para casa dele. Depois apontou para a garrafa de água do Joel e fez o mesmo.
“Se calhar está a convidar-nos para ir a casa dele beber água”, comentámos.
Tentámos explicar que acabaríamos de montar a tenda primeiro, mas entretanto
ele desapareceu.
Ainda
assim fomos lá ter. À porta estava um cão a ladrar, talvez o serviço de
campaínha. Por ser um sítio tão deslocado imaginava que o homem vivia ali
sozinho num buraco. Mas não, o rapaz dos seus sessenta e tal vivia com a
mulher, e tinha lá um bebé e uma miúda p’rai de três anos, talvez seus netos.
Tirámos
os sapatos (eu tirei as meias também) e sentámo-nos no chão do que deveria ser
a sala. Ligou a televisão e rapidamente apareceu com um grande tacho de sopa.
Enquanto nos servia sorria abertamenete, num sorriso dificilmente mais genuíno.
“Olha como está contente”, comentámos. E isso deu-me um certo calorzinho fixe.
Comemos duas malgas, vimos um bocado de televisão, e estávamos a equacionar
irmos embora, mas não sabíamos se era má onda, ou se ele ia voltar a oferecer a
sua casa para dormirmos. Estávamos um bocado confusos. Ainda bem que não
dissemos porque a dada altura levantou-se e voltou com uma bacia de água e um
cântaro. O Joel estendeu as mãos e lavou-as, enquanto o velho ia vertendo água.
Depois eu. Depois veio o chá e a comida. Três peças de cabrito com molho e
cebola para os três, que iam depenicando com o pão a servir de talher.
Tínhamos
falado da possibilidade de dormir lá e o Joel não queria. Tinha tido outro furo
a caminho do nosso campismo (!) e estava sismado com aquilo. “Se não o reparar
hoje não durmo em condições”, dizia. Pensei então em eu dormir lá em casa do
velho e o canadiano ir fazer o que tinha a fazer. Contudo, quando ele sugeriu irmos buscar as
nossas cenas e nós demos a entender que o Joel podia dormir na tenda e eu podia
ficar, o velho, por sua vez, deu a entender que, ou ficávamos os dois, ou íamos
os dois, que foi um bocado estranho, mas na boa. Agradecemos, sorrimos, e
levantámo-nos então para bazarmos. Ele pôs a sua lanterna na testa, caminhou
connosco até à tenda e despediu-se.
O
Joel reparou a sua bicicleta e deu um jeito na minha. As minhas mudanças da
frente tinham alguma dificuldade em entrar no modo fácil. Tinha de as mudar
sempre sem estar em esforço nenhum, o que era uma seca, porque se antecipava
uma subida tinha de as mudar antes de realmente precisar, ao invés de começar a
subir e depois mudar. Já a mudança para dar mais potência raramente entrava. O
Joel mudou aquilo para a mais fácil entrar sempre e simplesmente esquecer a
mais difícil. Na verdade não é assim tão necessária. Mas ainda vou tentar dar
um jeito, quando me apetecer.
Quando
acordámos pedalámos até Agadir. Estava
com boas expectativas para esta cidade, simplesmente porque sabia ser um
destino comum, e isso dava-me a entender que por alguma boa razão havia de ser.
A meio da viagem, quando parámos para comer qualquer coisa, dei uma vista de
olhos no couchsurfing e encontrei um perfil com número de telemóvel. “Hei I’m Pedro, from Portugal and
couchsurfing. I sent u a request, could u host us? Thanks :)”. “Why not just
let me know how many person you are and wich place you are now?”, respondeu o
Sofian. Eu voltei a enviar mensagem a dizer quantos éramos, e que ainda
demorávamos um bocado pois estávamos de bicicleta e ele não respondeu. Mas
fê-lo ao vivo. Isto porque quando um carro me ultrapassa e pára, e de lá sai um
gajo que sabe que sou de Portugal, percebo que era ele! Era a segunda vez que o
meu anfitrião passava por mim de carro. Entretanto apareceu o Joel, que ia
atrás, e o Sofian pediu-lhe o passaporte. O meu amigo estava um bocado confuso
e eu fiz-lhe sinal para ir na brincadeira. O marroquino começou a dizer que era
polícia e que ele não tinha permissão de bicicleta e cenas do género, no gozo.
Eu estava um bocado com medo que o Joel o mandasse à merda, e a dada altura
disse que era o nosso anfitrião dessa noite.
Daí
a Agadir foram mais quarenta e tal quilómetros. Chegámos, 104 quilómetros
depois de onde tínhamos acordado, e estava um bocado cansado.
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