quinta-feira, 3 de abril de 2014

até Agadir

Acordámos em Essaouira, tomámos um calmo pequeno-almoço e bazámos. Tínhamos onde ficar mas era a 117km daí, e já estávamos a bazar tarde, pelo que não nos esforçámos por lá chegar. Se inicialmente foi um trajecto bastante tranquilo, com um bom asfalto e sem grandes subidas, depois tornou-se um bocado num desastre, com um Vento ridículo. Praguejei algumas vezes quando o meu caro amigo me soprava para a berma. Uma vez quase caí da Bicicleta. Aconteceu o mesmo ao Joel, e como ele tem uns pneus que parecem fio dental fez um furo. Na verdade dois, um de cada lado da câmara de ar. Desde que saiu de Barcelona já teve sete furos, problemas na corrente e parafusos a desaparecer, problemas a que estamos sujeitos quando compramos bicicletas em segunda mão, talvez.
                
Quando parámos para comer uma sopa vimos os primeiros ocidentais numa grande viagem de bicicleta. Tínhamos visto um cota com pinta de francês no sentido contrário as não falámos com ele. Estes, também indo no sentido contrário, eram da República Checa e iam de Marraquexe até ao seu país. Nesse dia vinham de Agadir, montados nas suas bicicletas caríssimas, e procuravam naquela localidade um quarto. Dissemos ao homem dos seus quarenta e tal, magrito mas com grande pança, para se sentarem connosco, mas mais do que se sentar ele parecia querer assentar. Tanto que meteram as bicicletas na mala de um táxi e foram para Essaouira! Eu e o Joel sentados na nossa mesita a ver aquilo achámos um bocado estranho. Não havia um quarto naquela terra? Talvez o gajo a quem eles perguntaram os tenha mandado para Essaouira para dar negócio ao taxista. De todo o modo os checos estavam demasiado cansados para mais, pois também eles tinham apanhado grandes ventanias no mesmo dia.
                
Pedalámos não mais que meia hora até que o Joel sugeriu encontrarmos um sítio para montar a tenda. Que espetáculo foi! Lá encontrámos um sítio no meio de umas árvores dispersas, e o Vento tornava aquela tarefa numa quase impossível! Estava a acabar de montar a minha tenda, que estava tão torta que ambos os lados tocavam no chão quando apareceu um pastor só de um braço que nos dizia para irmos dormir em casa dele. Já tínhamos montado a tenda, pelo que agradecemos e dissemos que lá ficaríamos. Ainda assim, ele fez o gesto de beber, e apontou para casa dele. Depois apontou para a garrafa de água do Joel e fez o mesmo. “Se calhar está a convidar-nos para ir a casa dele beber água”, comentámos. Tentámos explicar que acabaríamos de montar a tenda primeiro, mas entretanto ele desapareceu.
                
Ainda assim fomos lá ter. À porta estava um cão a ladrar, talvez o serviço de campaínha. Por ser um sítio tão deslocado imaginava que o homem vivia ali sozinho num buraco. Mas não, o rapaz dos seus sessenta e tal vivia com a mulher, e tinha lá um bebé e uma miúda p’rai de três anos, talvez seus netos.
                
Tirámos os sapatos (eu tirei as meias também) e sentámo-nos no chão do que deveria ser a sala. Ligou a televisão e rapidamente apareceu com um grande tacho de sopa. Enquanto nos servia sorria abertamenete, num sorriso dificilmente mais genuíno. “Olha como está contente”, comentámos. E isso deu-me um certo calorzinho fixe. Comemos duas malgas, vimos um bocado de televisão, e estávamos a equacionar irmos embora, mas não sabíamos se era má onda, ou se ele ia voltar a oferecer a sua casa para dormirmos. Estávamos um bocado confusos. Ainda bem que não dissemos porque a dada altura levantou-se e voltou com uma bacia de água e um cântaro. O Joel estendeu as mãos e lavou-as, enquanto o velho ia vertendo água. Depois eu. Depois veio o chá e a comida. Três peças de cabrito com molho e cebola para os três, que iam depenicando com o pão a servir de talher.
                
Tínhamos falado da possibilidade de dormir lá e o Joel não queria. Tinha tido outro furo a caminho do nosso campismo (!) e estava sismado com aquilo. “Se não o reparar hoje não durmo em condições”, dizia. Pensei então em eu dormir lá em casa do velho e o canadiano ir fazer o que tinha a fazer.  Contudo, quando ele sugeriu irmos buscar as nossas cenas e nós demos a entender que o Joel podia dormir na tenda e eu podia ficar, o velho, por sua vez, deu a entender que, ou ficávamos os dois, ou íamos os dois, que foi um bocado estranho, mas na boa. Agradecemos, sorrimos, e levantámo-nos então para bazarmos. Ele pôs a sua lanterna na testa, caminhou connosco até à tenda e despediu-se.
                
O Joel reparou a sua bicicleta e deu um jeito na minha. As minhas mudanças da frente tinham alguma dificuldade em entrar no modo fácil. Tinha de as mudar sempre sem estar em esforço nenhum, o que era uma seca, porque se antecipava uma subida tinha de as mudar antes de realmente precisar, ao invés de começar a subir e depois mudar. Já a mudança para dar mais potência raramente entrava. O Joel mudou aquilo para a mais fácil entrar sempre e simplesmente esquecer a mais difícil. Na verdade não é assim tão necessária. Mas ainda vou tentar dar um jeito, quando me apetecer.

Quando acordámos pedalámos até Agadir.  Estava com boas expectativas para esta cidade, simplesmente porque sabia ser um destino comum, e isso dava-me a entender que por alguma boa razão havia de ser. A meio da viagem, quando parámos para comer qualquer coisa, dei uma vista de olhos no couchsurfing e encontrei um perfil com número de telemóvel. “Hei I’m Pedro, from Portugal and couchsurfing. I sent u a request, could u host us? Thanks :)”. “Why not just let me know how many person you are and wich place you are now?”, respondeu o Sofian. Eu voltei a enviar mensagem a dizer quantos éramos, e que ainda demorávamos um bocado pois estávamos de bicicleta e ele não respondeu. Mas fê-lo ao vivo. Isto porque quando um carro me ultrapassa e pára, e de lá sai um gajo que sabe que sou de Portugal, percebo que era ele! Era a segunda vez que o meu anfitrião passava por mim de carro. Entretanto apareceu o Joel, que ia atrás, e o Sofian pediu-lhe o passaporte. O meu amigo estava um bocado confuso e eu fiz-lhe sinal para ir na brincadeira. O marroquino começou a dizer que era polícia e que ele não tinha permissão de bicicleta e cenas do género, no gozo. Eu estava um bocado com medo que o Joel o mandasse à merda, e a dada altura disse que era o nosso anfitrião dessa noite.

                
Daí a Agadir foram mais quarenta e tal quilómetros. Chegámos, 104 quilómetros depois de onde tínhamos acordado, e estava um bocado cansado.

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