sábado, 13 de agosto de 2011

Da Lat


No meu autocarro para Da Lat, que eu tivesse percebido, só iam mais dois estranjeiros. Mas o resto podia ser de outro país asiático. Mas ainda assim, pá, onde é que andam os vietnamitas mais pobres? Perguntei nas agências de viagens onde eram os autocarros locais, mas disseram que é isto. E eu ainda não estou convencido. É que os autocarros são sempre muito bons, ar-condicionado e essas pandeleirices todas das quais não preciso mas de que acabo por usufruir, e que acabo por pagar. Mas ok, se calhar é isto.
               
A viagem passou-se bem, paisagens deslumbrantes, e quando chegámos, já de noite, perguntei aos estranjeiros se não queriam partilhar um táxi. Disseram que sim, e lá fomos. Eram belgas, o Klaas e o Kon. Eu tinha apontado um hotel que tinha tirado do guia, e pedi ao taxista para nos levar para lá.
               
Eis que aconteceu algo inédito na minha viagem.
               
Como toda a minha viagem foi na época baixa, nunca tive problema em encontrar lugar num hotel. Mas agora é Julho, e apesar de ser época baixa para a estranjeirada, é época alta para os vietnamitas. Por isso mesmo, quando cheguei a esse hotel, estava cheio. Foi o primeiro hotel que encontrei que estava cheio em toda a viagem. O pior é que estava esse e os dez seguintes onde perguntámos.
               
Sabia que, de uma maneira ou de outra, ia encontrar um sítio. E assim foi. Encontrámos um quarto por dez dólares, e ficámos lá os três. Tinha só duas, mas eu pus o olho num colchão que vi na escadaria, e acabei por trazê-lo para o quarto e dormi nele. Instalámo-nos e fomos comer qualquer coisa.
               
O Klaas está quase a fazer 25 anos e acabou agora os seus estudos. É um rapaz porreiro, com um problema qualquer no estômago que faz com que tenha de comer extremamente lentamente, e que faz com que o Kon coma metade da sua comida em cada refeição, sendo que o pobre Klaas não consegue acabar. Também benificei, em termos alimentares, desta sua condição, um par de vezes. É um rapaz mais calado, mas porreiro, boa onda. O Kon é o extrovertido daquela aliança belga. Alto, fortezinho, não muito, cabelo louro comprido, fala numa mistura de sotaque americano e belga, fala bastante, gosta da sua festa, e é professor de liceu, de Física e História. Um par muito fixe com quem passei essa noite e o dia e noite subsequentes.
               
Depois de jantar encontrámos um barzito chamado “The Hangout” e sentámo-nos a beber uams cervejas a com aquelas conversas iniciais de quem se está a conhecer. A dada altura apareceu um casal inglês e sentou-se lá num canto. O rapaz tinha daqueles cortes de cabelo apandeleirados, via-se que tinha tendência a engordar mas que, para compensar isso ia ao ginásio. Tinha uma t-shirt meio metro-sexual. A rapariga tinha um aspecto tipicamente inglês.
               
Até era um casal simpático. A dada altura o rapaz juntou-se a nós a jogar bilhar e ficámos nessa onda socialzinha uma horita, até que a rapariga, na única tacada que deu, marcou, à sorte, uma bola com uma tabela. Surpresos, todos soltámos um pequeno grito de congratulação, e isto fez com que, não mais que cinco minutos depois, aparecesse uma cota vietnamita a tripar verdadeiramente com o dono do bar. Foi uma situação um bocado cómica, tenho de dizer, porque a maneira como a senhora protestava dava a entender uma situação mais grave, como se o dono do bar lhe devesse a renda há seis meses, ela tivesse vindo receber após ele prometer que pagava, e ele ter dito que afinal gastou o dinheiro em apitos.
               
A miuda inglesa tinha um sotaque terrível. Quer dizer, o seu sotaque era inglês, como ela era. Mas, já tinha reparado, e acontece especialmente nas raparigas, há destas que têm um sotaque soa extremamente a gaja burra. Com gajos acontece também mas não é tanto na maneira como falam, mas mais pelo que dizem, ao passo que com as miudas elas têm a perder nos dois campos. A miuda até é porreira e tudo mais, mas aquela maneira de falar... não consigo pensar num exemplo português.
               
Foi ela que me disse que a Amy Winehouse tinha morrido, o que não tinha acontecido muitas horas antes, acho. Fiquei um bocado chocado, apesar de ter chegado a dizer, com as palavras todas e mais que uma vez, que infelizmente achava que a Amy não ia aguentar muito tempo. E claro que não disse nada de original, sendo que estava à vista de quem pensasse um bocado. Juntou-se ao grupo dos 27.
               
Dei por mim a questionar-me, já não sei porquê, se era preferível que morresse de overdose um gajo qualquer tipo um pasteleiro de Ribeira de Frades ou uma pessoa famosa. Sem saber mais nada de ambas as pessoas além disto, primeiro pensei que seria preferível o pasteleiro, pois perdendo a pessoa famosa íamos estar a perder alguém com talento e influência na VIDA de outras pessoas. Mas depois pensei que a maior parte das pessoas famosas não tem talento nenhum e seria então preferível morrer um famoso em vez do pasteleiro pois, pelo menos alertava para onde exageros podem levar. Mas depois lembrei-me que a Amy era efectivamente muito talentosa. Isto parece assim um bocado descabido, mas a razão pela qual dei por mim a pensar nisto foi porque sempre me meteu confusão a maneira como ficamos mais afectados se morrer o Angélico, um rapaz que a maioria de nós não conhece de lado nenhum e que não era exactamente alguém que tivesse tido um contributo inigualável para a humanidade,  do que se um autocarro na Índia se despistar e resultar na morte de trinta pessoas. Vale a pena dizer que, infelizmente, enquadro-me nisto que critico. E claro que sei enunciar uma, duas ou três razões pelas quais isso acontece, mas continua a ser estúpido.

No dia seguinte alugámos uma scooter cada um. Enchemos o depósito e partimos à descoberta, munidos de um mapa. Foi um dia muito porreiro, apesar de termos demorado três vezes mais tempo a descobrir as localizações do que era necessário. Foi um dia repleto daqueles momentos em que o tempo para, tu olhas à volta e pensas: “fónix, está a chover torrencialmente; estou com o kispo, algo que nunca pensei ter de usar no Vietname, e ainda assim estou a tremer de frio; dói-me os olhos de conduzir com a chuva a bater; mas estou a adorar cada segundo!”. Iá, foi isso. Demo-nos ao luxo de nos perdermos propositadamente um par de vezes, descambando no meio do mato numa casita e num campo com uma senhora a gesticular fortemente para nos pormos a andar.
               
Primeiro vimos a Casa Maluca (The Crazy House), uma atracção razoavelzinha. Basicamente uma arquitecta que bate muito mal fez uma casa impressionante e a malta pode ir visitar. Dá uma olhada, Nuno, é em Da Lat. Não percebi se aquilo era suposto ser um hotel ou o que era. Mas dei por mim a imaginar que uma criança teria uma infância em cheio a crescer numa casa daquelas. Depois, enquanto procurávamos uma cascata, fomos dar a uma onde até era preciso pagar (mas passámos de fininho) e era uma bela porcaria. Um esgoto bonito. Depois demos com um monte de templos perto de um lago muito fixe e parámos aí uma horita.
               
Entretanto parámos um par de vezes para nos abrigarmos um bocado, até que desistíamos e lançavamo-nos no dilúvio outra vez. Algumas horas mais tarde tive o melhor duche de toda a viagem, porque estava cheio de frio e entrei na água quente. A razão pela qual estava tanto frio tem que ver com a altitude do sítio. Quanto à chuva, não é raro seja onde for.
               
Eventualmente demos com a cascata. Era gira e tudo, mas nada de especial também. Mas a verdadeira cena foi chegar até lá, por isso não há crise. Voltámos à cidade e procurámos o jardim, que também demorámos quase uma hora a encontrar. Demos mais umas voltas. É um sítio porreiro, mas nada como o sonho que descobriria no dia seguinte.
               
Nessa mesma tarde eles tinham comprado um bilhete de autocarro para Nha Trang. Eu não queria ir porque tinha lido que era muito giro e tal, resorts e praia e não sei quê, e não me apetecia muito. Também não sabia se iria à boleia ou não, por isso não comprei nada. É que os preços até Hoi An, onde tinha em mente ir, eram 10 euros...

Voltámos a casa, tomámos banho, descansámos um bocadinho a ver tv, e fomos jantar. Pegámos na scooter, passámos por alguns sítios mas a média da comida era 1,5€ então seguimos. Eventualmente parámos “num daqueles” e jantámos lá, pelo preço que costumo pagar – 0,70€. Eles comentaram, com um sorriso, que por andarem comigo andavam a gastar mais dinheiro. Mais tarde nessa noite, a festa foi rija, e voltaram a comentar, com um sorriso maior, que o dinheir poupado tinha ido para cerveja.
               
Depois de jantar voltámos ao The Hangout. Eles jogaram bilhar enquanto eu via umas cenas na net, depois jogámos um jogo de scrabble e depois eu e o Kon começámos a jogar daqueles joguinhos do bufo. Estávamos a jogar a pirâmide quando dois ingleses e uma inglesa entraram no bar, a quem eu perguntei de imediato se não se queriam juntar a nós. Assim lá ficámos duas ou três horas numa festa porreira. O meu espanto foi que os ingleses tinham 18 e 19 anos! A miuda acertou na minha idade e disse, quando eu manifestei espanto, “porque pareces tão velho!”.

No dia seguinte, sem saber bem para onde ia, e como ia, decidi infiltrar-me no minubus que veio buscar os belgas ao nosso hotel. Sabia que à partida ia até à estação de autocarro, e aí podia ver o que fazer. Não queria boleiar porque o tempo estava de chuva, e tinha na pele a memória da molha do dia anterior. Agora a mesma cena com uma mochila às costas com p’rai quinze quilos de roupa e outra mochila à frente com as tecnologias (máquina fotográfica, computador e carregadores) afigurava-se como muito difícil.
               
Assim, dei parte fraca (e sensata) e comprei um bilhete de dez euros para Hoi An. Bem, aquele autocarro é o mais luxuoso onde já estive – tirando este, onde estou agora mesmo, que é igual mas com quarto-de-banho. A viagem foi o explendor do costume, no que diz respeito às imagens com que eu era brindado pela janela.
               
14h de viagem até Hoi An.

21h19-6ª-29-7-11
algures entre Huei e Hanoi

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