quarta-feira, 1 de junho de 2011

Pokhara

 Estou no autocarro a acaminho de Kathmandu, a capital nepalesa. Vamos fazendo caminho pela estrada que corta os campos verdejantes sem dó nem piedade, oferecendo um toque mais urbano a estas paisagens deslumbrantes. Adoro as paisagens nepalesas e estou a adorar o Nepal, apesar de estar auqi há pouco tempo e só ter visto Pokhara. Mas vi o caminho da fronteira até essa cidade, que foi estonteante. Viemos sempre pelas montanhas, passando pelos sítios mais incríveis e com uma autenticidade deslumbrante. As pessoas aqui já se parecem mais chinesas, mas muitas delas, talvez a maioria, é uma mistura do chinês com o indiano. Incrível, uma linhazita, invisível, e tanto muda. Estava a pensar ontem em como seria o mundo se toda a gente fosse igual. Para nós não ia fazer diferença, sendo que era um dado adquirido e se calhar nem questionaríamos como seria ter raças humanas, porque era absurdo.
               
O mundo assim é tão mais rico. Mas parece que o humano não veio equipado com as faculdades de lidar com essas diferenças. Ou até veio, mas é um mecanismo que não é necessariamente inato, e que teve de ser desenvolvido ao longo de milénios. E, sinceramente, nesta altura do campeonato, acho que ainda temos muito para andar. Não gosto de discussões em voz alta e acaloradas, porque isso para mim já não são discussões – são jogos. Mas ainda assim o racismo é um tema que me deixa um bocado furioso por vezes, e é-me difícil manter a calma. Ri-me agora com a ironia desta frase – “o ser humano generaliza muito”. Para quem não percebeu o humor da cena, a frase, em si, é uma generalização.
               
Pois a verdade é que somos todos feitos do mesmo... uns mais bonitos, outros mais feios, mas todos perfeitamente falíveis, todos com um passado atrás de si, todos sujeitos à sorte e azar de ter nascido aqui ou ali. Mas tendemos a nos esquecer destas circunstâncias e criticamos avidamente povos africanos, por exemplo, e que não se sabem governar e não sei que mais. Quando foram os europeus que lá chegaram e destruiram aquilo tudo. Tinham aviões se não chegasse lá o europeu? Tinham computadores? Se calhar não, mas esta é uma pequena ponta do iceberg. Era possível ter havido uma troca de bens e cultura sem isso implicar o massacre de uma destas partes, tantpo interno, dentro de cada pessoa, como externo, de país para país, grupo para grupo. E o Gautam, indiano, a bater-me estes couros de que se não fossem os europeus os da América Latina, por exemplo, ainda andavam na selva e não sei quê. Em primeiro lugar – quem me diz que isto não era melhor? Quem me diz que as pessoas não são mais felizes nas tribos? Ninguém me diz. Em segundo lugar – por mais que possamos trazer para um país, ou mesmo para uma pessoa, isso não nos dá o direito de nos apropriarmos daquilo que não é nosso, de fazer o que nos apetece com algo que não devia estar nas nossas mãos.

Mas enfim. Divagações à parte, entrámos no Nepal no dia 29 de Maio. Passámos umas seis horas num hotel na fronteira, e no dia seguinte atravessámos a fronteira, após ter pedido o visto de 25 dolares. Uma cena que não curti nada e que acho que não referi. Quando estávamos em Varanasi à espera de um autocarro veio um senhor, todo bem falante e prestável, a dizer-nos as nossas opções e tal, e depois disse-nos que íamos precisar de 6 fotografias para passar para o Nepal. Ora eu tinha visto que precisava só de uma. Mas o gajo dizia que eram 3 para sair da Índia e 3 para entrar no Nepal. Fotografias para sair de um país? Achei aquilo estranho. Nós até tínhamos as fotos, mas uma delas não fazia parte do mesmo grupo das outras, e o cota disse que tinham de ser iguais. “E lá na fronteira é caríssimo, é melhor tirarem aqui, que são 500 rupios [7,5€ - caríssimo para padrões indianos] por 16”, dizia o méne, “Se quiserem, eu tenho um serviço de rickshaws de emergência que vos pode levar lá, não há crise”. Eu sentia-me um bocado suspeito, e acabei  por dizer que não, consciente de que se eu tivesse razão me ia sentir um espertinho, e que se não tivesse, e realmente fossem precisas as fotos, me ia sentir um cinicozinho. E não foram. Mas aquela cena tocou-me porque o gajo não tinha nada aspecto nem a maneira de um rufia. E no entanto andava ali à pesca de turistas para enganar. Porque é que as pessoas fazem isto?...

De Sunauli, no lado nepalês, até Pokhara, foram umas oito horas. A viagem, como disse, foi altamente. Outra cena que reparei foi em como o pessoal, não só aqui, trata os turistas de uma forma especial. O gajo que estava no autocarro responsável pelos bilhetes e cenas afim, era todo sorrisos para mim e para a Sofia. Já para o resto do pessoal, parecia o diabo em figura de nepalês! Uma amiga minha disse-me, e talvez eu já o tenha partilhado aqui, que umas das razões pelas quais é fixe/interessante é que as pessoas nos tratam como crianças, mas de uma forma porreira – é só sorrisos, boasvindas, tudo explicadinho, é um mimo!
               
Quando chegámos a Phokara apareceu logo um méne a falar do seu hotel. Parecia fixe, e dissemos que íamos ver mas que depois íamos ver outros. Vimos e ficámos logo. Era fixolas, talvez o melhor onde ficámos, e custava 2,5€ por pessoa por noite.

No dia seguinte fomos dar uma volta por Pokhara. Descobrimos uns restaurantezitos tibetanos que faziam um preço mais em conta e a partir daí almoçámos e jantámos sempre aí. É que Pokhara é muito turístico, e os preços estão um bocado acima daquilo a que estávamos habituados. Mas no tibetano ok, um prato ficava por euro e meio, se não nos aventurássemos nas cenas mais caras. Efectivamente, Pokhara é muito turístico, demais. Eu tento sempre, e geralmente consigo, adaptar-me e ver as cenas positivas, mas às vezes é impossível ignorar as menos positivas. Pokhara é lindo, um lago enorme, com os ocasionais barquinhos coloridos, uma água que parece bastante limpa e rodeado por montanhas cobertas de um verde vivo que lembra mais a selva do que um bosque. Mas ao longo da rua paralela ao lado é ver as centenas de estabelecimentos que de napalês têm pouco e que de “para o turista” têm tudo. Música boom-boom, restaurantes italianos em todo o lado, happy-hours e lavandarias. Pensava na comparação connosco, humanos. Quando fazemos o que fazemos, e somos o que somos, mantemos a nossa cena, que pode não agradar a toda a gente, mas que é a nossa cena, está em bruto e é autêntica. Quando, por outro lado, deixamos de fazer o que fazemos ou ser o que semos, e passamos a fazer, e a ser, o que os outros querem que façamos e sejamos, se calhar até agradamos minimamente a mais gente, mas deixamos de ser aquela pessoa que rouba corações com um trejeito. Assim senti Pokhara. Vale muito a pena visitar, não me entendam mal, mas é muito turístico. Alguém já foi ao Bali? Ouvi dizer que é igual.
               
Nesse primeiro dia de ver as vistas éramos para ir ao World Peace Pagoda, um pagode construído por uns monges para promover a paz no mundo. Mas aquilo era uma cmainhada de duas horas montanha acima e já era um bocado tarde. Pelo que decidimos alugar umas bicicletas, quarenta cêntimos por hora. Foi altamente! Andámos duas horitas, fomos ver a parte velha da cidade, essa sim ainda autêntica, com tascas que se calhar eram o mesmo há duzentos anos, e cheia de nepaleses que tinham o seu negócio, com ou sem turistas. Quando voltámos ao lago seguimos um pedaço mais “para a frente” de onde estávamos e deliciamo-nos com as paisagens, batendo a ocasional fotografia. Muito fixe, curti muito.
               
No dia seguinte fomos ao pagode. Demorámos pouco mais de três horas a chegar lá cima, mas valeu a pena a caminhada. Voltámos para baixo por um caminho diferente e depois apanhámos duas boleias até ao nosso hotel. Estávamos todos partidinhos. Aquela caminhada tinha custado mais do que o corpo sentira na altura. Ficámos um bocado na descontra no hotel e depois fomos jantar.
               
Agora siga Kathmandu!
               
Tive hoje o meu primeiro pequeno deslize com o passaporte. Deixei-o no hotel, debaixo do colchão. Boa Tóni! Já estava no autocarro quando apareceu o senhor do hotel a dizer-mo, e que o taxista estava a caminho com o documento. Se eu o tivesse escondido um bocadinho melhor, lá mais p’ró meio da cama, só dava pela sua falta na capital. Depois era voltar e vir buscá-lo. É a única coisa que não posso perder. Podem-me roubar tudo o que tenho, até a roupa do corpo, que não volto para trás. Mas se o passaporte vai à VIDA lá volta o Pedrito todo desiludido para trás.

15h05-4ª-1-6-11
Algures entra Pokhara e Kathmandu

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