terça-feira, 24 de maio de 2011

Lucknow


Sábado almoçámos lá em casa com o Gautam, o nosso anfitrião, a sua namorada Dori e um casal de amigos de origem indiana, mas que tinham crescido na Suiça. Acho que namoravam ou algo parecido, mas tinham-se conhecido na Índia. Pareceu-me ser pessoal de pasta, tal como o Gautam, mas apesar disso eram porreiros. Achei piada quando o rapaz, o Raol, de 32 anos disse que que Connaught Place (onde pensámos ir beber uns copos mais tarde) era um bom sítio para “pessoas como nós”. Não o disse com arrogância nem nada, mas achei engraçado, e até repeti, com um sorriso “pessoas como nós?”.
               
Estivemos à mesa um bom pedaço e comemos bem. O Bhadur, cozinheiro do Gautam, é um bom profissional. É nepalês, brahmin de alta casta. Como tal não faz trabalhos mais baixos, como lavar o chão. Lava a roupa e chega. Não sei muito acerca do assunto, ou dos brahmins, mas parece-meio estúpido. E sinto-me livre em dizer isto porque acho que, se às vezes critico alguns aspectos do “nosso” mundo, como, lá está, a maneira como as classes sociais estão divididas e também como algumas pessoas se acham acima das outra só porque descendem deste ou daquele, não o deixo de fazer só porque acontece lá longe. E assim é, às vezes. Vai em extremos. Às vezes só criticamos as outras culturas e achamos que a nossa é o máximo. Outras vezes criticamos algo na nossa mas quando o mesmo se passa em outras mantemos o bico calado porque temos medo de que achem que estamos a ser intolerantes.
               
Os amigos do Gautam, o Raol e a Sabrina eram porreiros. Comecei a reparar nesse dia que o Gautam tinha um bocado a mania que sabia tudo. Do tipo de pessoa que, ou sorri, ou aguenta um sorriso meio irónico quando um gajo falava. Somos completamente diferentes, e senti que ele não me levava muito a sério, sendo que eu ia contra o que ele dizia. De facto, no dia seguinte, no domingo, quando chegámos a casa, lá p’rás onze, ele apareceu e tivemos uma conversa p’rai de uma hora em que a dada altura ele disse “tu discordas com tudo”. É verdade que já é a segunda vez que me dizem isto nesta viagem, e também é verdade que muitas vezes faço o papel de advogado do diabo, mas também senti, e assim o disse, que o gajo não estava habituado a que discordassem com ele. Foi tudo na boa, um debate, digamos, não uma discussão. Dizia que eu não sabia nada da VIDA, e que é preciso viver as coisas e não sei quê... ora eu concordo que se uma pessoa passar mal, vai entender melhor quem mal passa. Mas não acho que seja essa a única forma de ter um entendimento do mundo que nos rodeia. Eu não preciso de passar fome para entender que é algo horrível, e para ter solidariedade porque não tem que comer. Volto a dizer que se porventura tal me acontecesse, quem sabe entenderia melhor, mas por não me ter acontecido, não quer dizer, então, que eu não faça a mínima ideia. Caso contrário os únicos sábios seriam os que teriam já passado por tudo. Serão as coisas assim? Do mesmo modo, como já disse, serão as más experiências as únicas que dão créditos para a experiência de VIDA?

Depois do almoço fomos ao forte vermelho. Mais ou menos. Com um orçamento como o meu, foi esticado ter pago 3,2€ para entrar, mas não me cheguei a arrepender. A Graciete e a Sofia foram convidadas para uma fotografia com pessoal que passava umas 25 vezes, sem exagero. É curioso... eu até curto fotos com eles porque, para mim, são exóticos, e vestem-se de uma forma completamente diferente. Mas custa-me perceber que, para eles, é exactamente o mesmo. Porque estou tão habituado à imagem e estilo que vejo no espelho e ao meu redor, é estranho pensar que nessa figura reside o exotismo para outros povos.
               
Do forte vermelho fomos até a Connaught Place, onde nos encontraríamos com um couchsurfer. Ainda não era bem a altura, e por isso fomos a uma lojita de bebidas. Comprámos uma garrafa de vodka e alguns sumos e fomos p’ró jardim, com cuidadinho, porque beber na rua é ilegal e não sei se levam a sério essa lei ou não. Mas começou a chover e a mata teve de se mudar. Acabámos por nos enfiar numas escaditas que davam para um hostel e ficámos lá um par de horas no paleio a bebericar o vodka com aquele sumo foleiro. Já meio entrados fomos ter com o couchsurfer, que estava com outro couchsurfer, num bar lá da zona. Malta fixe. Ficámos lá p’rai duas horas e fomos para casa.
               
Nunca ninguém sabia onde era a casa do Gautam. Por isso tivemos de ligar mais uma vez e ele lá explicou ao meu amigo, que explicou ao condutor da rickshaw. Ainda assim, apesar de chegarmos à zona direitinho, andámos lá p’rai meia hora às voltas até encontrarmos a casa. E entretanto tinha começado a chover, e eu e o condutor estávamos bem molhadinhos. Já tínhamos combinado o preço (de 150) e depois o gajo pediu 250 porque tinha andado “very time”, como dizia, às voltas. As miudas estavam cheias de pena do rapaz. Demos-lhe 200.
               
No domingo mais um almoçareco. Desta feita apareceu um casal mais velho. Ele era polaco, jornalista na Índia e a sua mulher, com quem estava há mais de trinta anos, devia ser polaca também, mas falava pouco. O cota tinha viajado por terra da Polónia à Índia nos anos 70. De vez em quando tem de ir ao Paquistão mas não gosta da minha ideia, e acha aquilo um bocado p’ró perigoso. Era um casal simpático. O Gautam é tramado, aposto que ele soube que havia ali um jornalista (o único polaco na Índia, disseram-me) e deve ter arranjado um almoço para estabelecer os seus connects.
               
Depois do almoço fomos dar mais uma volta pela cidade. Eu não me estava a sentir maravilhosamente. Não tinha dormido muito bem e sentia-me um bocado cansado. Fomos à Índia Gate, cheia de turistas indianos sempre a tirar fotos com as miudas. Depois passámos pelo palácio presidencial. Enfim, andámos pela cidade um pedaço, até que parámos num restaurante de fast-food indiana. Bela merda. Como faço muitas vezes, pedi à sorte, e dessa vez tive azar. Por 0,75€ (Que é um bocado, entenda-se) calhou-me uma cenazita que parecia iogurte e enchia tanto quanto uma ervilha! Após isto fomos ao bar da noite anterior beber um copo. Lá encontrámos o Pushkar, rapaz dessa noite anterior. Ele relembrou-me que apostei com ele que o Ronaldo não saía do Real Madrid nos próximos cinco anos. A aposta foi dez euros, setenta rupios e um pistachio. Aposta à Pedro. Ele estava com outra malta porreira e ficámos lá uma horita e pico.
               
Entretanto apareceu o suposto abusador sexual. Passo a explicar: nessa manhã tinha visto, no grupo do couchsurfing de Delhi, que uma rapariga parecia estar em apuros. Mandou mensagem a uma mulher couchsurfer e ela postou no grupo. Dizia que era para ter surfado com uma rapariga, mas que ela no dia anterior tinha dito que não a podia albergar, e encaminhou-a para um primo. Esse primo foi buscar a chavala, e tudo porreiro na primeira noite. No dia seguinte o gajo parece que tentou safar-se, oferecendo-se para lhe dar uma massagem e tal, e quando ela se teve de trancar num quarto qualquer, ele dizia que ela tinha de sacrificar algo (o corpo, nesse caso) pela sua felicidade. Essa era a mensagem. O pessoal no grupo de Delhi entrou em pânico, de uma forma muito histérica e em exagero, a meu ver. É algo sério, claro que é, mas não achei apropriada a maneira como o pessoal reagiu. Tipo a dada altura a rapariga veio escrever no grupo que já estava bem mas o pessoal ainda assim estava a imaginar que ela podia estar a ser forçada a escrever aquilo, e que se ela não lhes ligasse eles iam ligar à embaixada e não sei quê. E depois outro méne a dizer que quando uma rapariga surfasse com um homem indiano deveria escrever no grupo os dados da pessoa, como se fosse um suposto predador sexual. Tudo muito exagerado, a meu ver. Houve uma rapariga que supostamente foi violada, em Leeds, Inglaterra. Tudo isto é muito mau, claro, mas são coisas que acontecem, não tornam o couchsurfing num antro de predadores sexuais. E para quem ficou cheio de medo com o que escrevi, há um sistema de referências para quem tem maiores hesitações.
               
Pois o suposto abusador lá se pôs a dizer que nada se tinha passado e não sei quê. Não sei se é verdade ou não. E o Gautam disse-me, mais tarde, que ele já tinha 6 referências negativas, e que achava que ele tinha um perfil falso de uma mulher para receber pedidos de outras mulheres, e depois encaminhar para esse “primo”, que era ele. Tudo muito má onda, má onda...

O Ajit depois deixou-nos a meio caminho entre o bar e a casa do Gautam, e apanhámos uma rickshaw para o nosso destino. Foi nessa altura que tive a conversa suprareferida com o Gautam. Além disto ele tinha uma opinião bastante negativa do pessoal com quem tínhamos estado, apesar de não os conhecer. Porque já tinha ido a um ou dois encontros de couchsurfers de Delhi e tinha visto as suas conversas que era só de sexo, e porque uma vez o suposto abusador sexual tinha tido um problema com o seu carro e nenhum dos amigos o ajudou. Não curti muito, porque eu curtia os gajos, e discordei com ele, claro.

Eu gostei de ter estado em casa do Gautam e o gajo é inteligente p’ra caramba, dá para ver. Somos muito diferentes, mas isso nem sempre significa que as pessoas não possam gostar umas das outras. Mas neste caso, apesar de não significar isso, não o via exactamente como um potencial grande amigo caso, por exemplo, eu vivesse em Delhi. Gosto do que tem para dizer em relação à economia mundial, porque são cenas completamente diferentes do que costumo ouvir, mas não gosto tanto da forma como ele não está assim tão interessado naquilo que tu tens para dizer.

Dormimos, acordámos e a Graciete ia embora. Fui com ela ao aeroporto, beijinho, good-bye. Foi demais tê-la tido aqui, especialmente após se ter aclimatizado. Não vou escrever mais sobre isso.

Tendo deixado a Graciete, fui a casa do meu primeiro anfitrião, o Harry, buscar o meu casaco e camisola, e depois fui ter com a Sofia. Não sabia bem como íamos para Varanasi ou Lucknow (que é a caminho da outra cidade). Tinha reservado dois bilhetes de comboio na net mas estavam em lista de espera e ainda estavam em décimo sétimo e décimo oitavo p’rai uma hora antes da partida. Fomos lá ao Tourist Office porque aparentemente há um determinado número de bilhetes que eles deixam para turistas estrangeiros. Nada feito. Foi por sorte que, a dada altura eu falei das reservas, e o gajo pediu para ver. Foi a outro site ver e afinal tínhamos conseguido. Seguimos para o comboio, cada uma na sua carruagem, e bota Lucknow. O meu cu estava quadrado! Incrível. Não sei como é que aqueles indianos aguentam. Aquele banco era duro como um penedo do inferno! Mas lá aguentei, e passado nove horas chegámos.

Agora estamos no hostel. Tirámos o dia para actualizar e tratar de cenas. Férias de férias. Mas a net agora não funciona, o que dificulta um bocado a cena... mas pronto, deu-me tempo para escrever!....

16h36-3ª-24-5-24
Lucknow, Índia

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