Vi a morada no hostelworld e pedi ao google maps para me dizer a melhor forma de lá chegar. Tinha de ir de metro e depois caminhar um pedaçito. Assim, passado pouco mais de meia hora estava lá. Todo partido, cheio de sono, mas estava lá. Sentei-me na recepção com o gajo que lá trabalhava, o hostel tinha boa pinta, ouvia discussões fixes misturadas com música vindas da cozinha, estava no sítio certo. Quando entreguei o meu passaporte ao Tiago é que percebemos que éramos os dois portugueses.
- Depois se quiseres, eu comprei uns queijos e umas garrafas de vinho pró pessoal, e estamos ali na cozinha – disse. Eu estava todo partido, mas gosto demasiado destes settings para dizer que não, e depois de tomar um banho fui lá ter. Passei a noite naquela cozinha e foi demais. Curti muito duas neo-zelandesas que lá estavam, numa viagem de cinco meses pelo mundo fora. Miudas de vinte e poucos anos inteligentes e informadas e com um sentido de humor no ponto certo. Uma delas mais fofinha, a outra mais ácida e expressiva, um par muito porreiro. Havia duas americanas que estavam na Europa para ver os vestidos umas das outras e gastar quase mil dólares ao telemóvel a mandar mensagens para casa. Uma era estilo Britney, a outra... bem a outra era igual, mas mais morena. Pá caiam naquele estereótipo americano.
- As pessoas vestem-se tão bem aqui, é incrível! Na América... é uma pena, na América as pessoas vestem-se com roupas desportivas, não ligam muito... – dizia ela, com um tom de voz que parecia que estava a dizer que na América as pessoas queimam bebés cada Domingo.
- Eu e a Rhonda – dizia a Allyson – vimos nesta viagem uma oportunidade para mudar alguns aspectos da nossa personalidade que não apreciávamos... e eu quero ser menos julgadora... por isso detesto o que vou dizer... – continuou, com um tom que escondia o gozo – mas tu devias ouvi-las no dormitório a falar de como em Madrid a moda é tão incrível e como vão levar ideias e movimentos novos para os Estados Unidos... hilariante! – e o pior é que eu estava mesmo a imaginá-las a dizer isso.
E na verdade eu também me sinto às vezes um bocado mal quando falo assim de alguém que não está presente. Mas acho que o mais importante é não deixarmos que isso nos deixe com um sentimento de superioridade. Porque há merdas e merdas. As miudas podem ser seja de que maneira for, e podem gostar de cenas que a mim não me dizem nada. Mas isso não quer dizer que não sejam capazes de dar um rim a quem precisa mais depressa do que eu. Mas isso também não quer dizer que eu não possa dar uma piadinha sobre isto ou sobre aquilo sobre pessoas que eu provavelmente nunca mais vá ver.
Depois apareceu um romeno que estava em Madrid para visitar o filho, com quem tinha uma relação mais ou menos turbulenta. Ia-lhe dar um carro. Foi uma boa noite.
Passei o dia seguinte na cozinha a escrever. Estava a começar a abater-se sobre mim o final. Era a minha última noite em viagem, e estava meio nervoso. Escrevi sobre isso, partilharei aqui brevemente. Nessa noite haveria, tal como na sexta, um ajuntamentozinho na cozinha, desta vez o hostel oferecia sangria em vez de vinho. O Tiago chegou lá +rá meia noite, como pelos vistos tinha começado na noite anterior, e já estávamos todos à mesa a conversar e jogar este ou aquele jogo. Estava eu, as neo-zelandesas, dois suiços da parte italiana, um mexicano espetacular chamado Mário com quem tive grandes conversas, o romeno que ficou todo surpreendido e agradecido quando eu voltei para trás para vir buscá-lo (“sabes quando alguém está sempre a dizer que não está bêbedo?”, perguntou-me “quer dizer que está, vão vocês, obrigado por te teres lembrado”), e mais outro pessoal. Na verdade eram todos muito bacanos. Eu estava filado em ir dar uma saidinha, estar com estranhos, ver pessoal, acção, mas saímos do hostel tão tarde que só ficámos nos bares menos de uma horita.
No dia seguinte acordei com o mundo em cima dos ombros. Tudo acabava nesse dia.
segunda, uma e trinta e sete, vinte e oito de novembro de dois mil e onze
Portalegre, Portugal
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