Méne,
méne, méne...
Estou em Matadi, na República
Democrática do Congo. No Auberge Nationelle, o mais barato que
encontrei, depois de uma noite naquela albergue de luxo onde se
pagava um extra para dar um mergulho. Estes quinze dólares de hoje
deram-me para uma cama bem larga, uma televisão que não funciona,
duas cadeiras e um ar-condicionado que parece uma besta indomável.
São oito e vinte e uma da noite e escrevia sobre a minha entrada
neste país. Mas depois começou, aleatoriamente, a Creep, dos
Radiohead, e os sentimentos afloraram. Decidi tentar por no “papel”
a sinceridade de sentimentos que me têm visitado.
Não sei bem que se passa comigo, mas
está a ser interessante a análise. Vejo estes sentimentos e ideias
como se fosse um espectador e não tivesse nada a ver comigo.
Sinto-os como se tivessem tudo a ver comigo, como têm, mas tento
sair um bocado de mim para pensar neles.
Tenho-me sentido como se não tivesse
viajado muito. Acho que a RDC é um cocktail de estórias contadas
(nunca boas), misturado com a sua intensidade própria, as constantes
tentativas de extorsão ao branco, a polícia corrupta e o o facto de
eu ter estado quatro meses em Portugal. Caminho pelas ruas de manhã,
à tarde, ou à noite, na boa, sem problema. Não me sinto ameaçado.
Mas sinto-me atento e vigilante. As primeiras vezes que vi polícia
na rua passei para o outro lado. Depois deixei de o fazer, mas esse
comportamento primário diz algo. E amanhã vou para o tipo de
aventura que, mesmo no melhor dos momentos desta viagem, sempre me
geraram alguma apreensão – a passagem de fronteira. Acontece que
vou passar a fronteira de dois países manifestamente corruptos. Ora
eu até agora só paguei o suborno de entrada neste país, mais uma
espécie de gratificação para a segunda entrada em Brazzaville. Mas
sinto-me mais perto de quebrar amanhã se tal mo for exigido. Como se
as pequenas frustrações ao longo dos tempos se tivessem juntado e
me puxado para baixo um pouco... E o mais estúpido é que eu estou
farto de saber que se nós temos determinada expectativa acerca do
nosso próprio comportamento, é mais provável confirmá-la! Mas
ainda assim, assim me sinto. Sinto-me com menos autoconfiança,
porque sinto que tenho mais a perder. Estou entre a espada e a
parede, na verdade, e isso não ajuda. Se me apertarem os calos e eu
resistir e não me deixarem sair deste país, só tenho mais um dia
no meu visto. O mesmo se não me deixarem entrar em Angola.
Depois paro de repente. “Foda-se”,
penso, “Será que não estou a fazer grande filme?”. E fico sem
saber. Penso em relatos que li e não fico muito agradado com as
estórias de pedidos de suborno. Anima-me um bocado ler como as
pessoas se safaram sem pagar, mas depois penso que talvez quem não
se tenha safado não se tenha dado ao luxo de partilhar a estória.
Sei isto... sei que, sinta o que
sentir, o que importo é o que faço. E o que vou fazer é estudar a
situação e tentar passar para o lado de lá sem dar um chavo. Estou
consciente de que as minhas estranhas e talvez raras circunstâncias
sentimentais talvez me atrasem um pouco, mas tentarei manter-me à
tona apesar dos seus pesos.
É isto a viagem, méne... carrossel
do sentimento, foda-se!
Que venham.
20h33,
3ª, 5 de Maio 2015
Matadi,
RDC
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