Terça-Feira, dia vinte e oito de
Janeiro, levanto-me no Porto, com a cabeça a zumbir um pouco. Tinha chegado de
Portalegre no dia anterior, disse ao Santi para aparecer na Invicta e aproveitei
Segunda à noite para ir cortiré com ele, a Valentina e duas erasmus que estavam
a ficar em casa da minha amiga.
Debaixo daquele clima tão
portuense, enfiamo-nos no Mitsubishi do careca e ele deixa-me em Santa Maria da
Feira, a caminho de São João da Madeira, onde vive. Corro para o Campos Costa e
entregam-me o meu destino numa saca de plástico. Apanho um autocarro para o
Porto, saio na Batalha, caminho um pedaço e almoço, a pensar no que o médico
diria. Pago, saio, e chego ao consultório nas calmas, onde espero um pedaço.
- Tenho aqui 578 chamadas não
atendidas! – diz-me o simpático e baixito ortopedista.
- É por causa do Falcão?
- Pois...
- Acha que ele se safa para o Mundial?
- Acho que sim – responde,
estranhando eu, sendo que tinha lido uma entrevista sua em que dizia que a
esticar um bocado havia uma possibilidade de cinquenta por cento. Falamos um
bocado acerca da sua fotografia com o jogador de futebol e o presidente da Colômbia
até que nos lembramos para que é que eu lá estou, ele saca de um papel escrito
em mediquês e diz, com um tom de quem acha graça àquilo “Então quer ir até à
África do Sul de bicicleta, não é?”. “Pois, se der, quero...”.
Uma ou duas semanas antes tinha
lá estado para ver se tinha capacidades físicas para desafio. Já lá podia ter
ido mais cedo, sendo que esta lesão tinha acontecido em Agosto quando, lá p’rás
duas da manhã eu e o Sam decidimos fazer um círculo na areia numa praia croata
e lutar Sumo. Ganhei 4-1, mas perdi um joelho. Quando fui fazer a ressonância
que o médico aconselhara na primeira vez que o vira, tive um raro acesso de
vergonhita, e quando o técnico me perguntou como me tinha aleijado disse-lhe
que tinha sido a fazer luta Greco-Romana. Não sei qual das opções é a mais
foleira, na verdade.
Pois com o joelho direito de uma
forma que não o conseguia dobrar completamente, não sabia se conseguiria
pedalar quinze mil quilómetros África abaixo. Começava a constatar que esse
recém-sonho estava em vias de cair, e começava a pensar em alternativas. Desde
ir de Famel a ir de burro, tudo esteve em cima da mesa.
Até que eu fui lá naquela
Terça-Feira, para o homem ver a ressonância. Abriu aquilo, olhou como quem olha
para um livro infantil, virou-se para trás e apresentou-me um modelo de um
joelho.
- Pois... você tem os meniscos
diferentes... ‘tá a ver não-sei-quê e não-sei-quê? Costuma ser assim e assado e
você tem-nos assim desta forma. Podia ser operado, mas assim daqui a uns dois
ou três anos o mais provável é ter artroses...
- Mas... isto é genético, é isso?
– perguntei, lembrando-me que mesmo antes do episódio da luta de Sumo, tinha
dificuldade em pôr-me de cócoras e levantar-me sem ficar com cãimbras.
- É. E dando-se uma rotura fica
assim. Evite pôr-se de cócoras.
- P’ró resto da minha VIDA?
- Olhe, eu desde os 24 que não
dou uma corrida – responde-me, talvez tentando demonstrar alguma empatia, mas
eu sentindo como se ele achasse que só me estava a pedir para evitar fazer pinos só
com uma mão na Tunísia.
- Então e em relação a África,
dá?
- Ah, sim, dá, numa bicicleta não
tem problemas... evite é pôr-se de cócoras...
Quando saí do consultório tinha
em mim sentimentos ambivalentes. Se por um lado tinha tido a confirmação de que
poderia fazer algo que queria mesmo fazer, por outro lado tinha descoberto que
tinha um problema genético e que tinha de ter cuidado como dobro os joelhos
para... sempre. Pá, claro que pôr-se de cócoras não é assim uma cena que um gajo
faça todos os dias, mas não é só pôr-se de cócoras, é fazer desporto e estar
sempre preocupado em não cair mal. São algumas cenas que me deixaram um bocado
abatido durante alguns minutos. Até que vem aquela onda... de me aperceber que
há pessoas com problemas muito piores, e que estar ali feito coitadinho a ter
pena de mim próprio não valia de nada. O que interessava era que sim, ia
conseguir.
Ia para África de bicicleta. Agora era arranjar tudo... pois não tinha nada.
Força Pedro:) beijinho
ResponderEliminarOK, nada de cócoras e vamos lá pedalar :) ;)
ResponderEliminarGrande abraço.
Estou por aqui a acompanhar esta viagem :) e dar toda a força!
Nomeia meia dúzia de neurónios para cuidar de não lixar o joelho e pé na tábua. Há ppl com cenas piores, como este que se assina. Força até ao cabo da Boa Esperança, na senda do Bartolomeu.
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