Na
Quarta-Feira acordei e, depois de ter tomado o pequeno-almoço com a Léa, fui
ter com o Rui, que me abriria a porta da D’Orfeu para ir buscar a Bicicleta.
Perguntei-lhe mais ou menos como saía de Águeda, e lancei-me à estrada. Hoje,
em que escrevo de Sevilha, acho que esse foi o trajecto mais fácil, ou o
segundo mais fácil. Tive algumas subidas fortes, que na altura me pareciam
complicadas. Mas iá, hoje sei que não tinha bem noção da realidade. A verdade é
que foi quase sempre plano, e só choveu um bocadito. Só a chegar a Coimbra é
que tive que ir ali por Trouxemil e esse último troço subiu um pedaço. Quando
cheguei ao Mondego estacionei para ligar ao pessoal a dizer que já tinha
chegado e que estava tudo bem, e depois fui para casa do Briosa.
Estava
sentado nas escadas do prédio quando o rapaz chegou, acompanhado do Raul.
Subimos, comemos uma sanduíche, estivemos na conversa um bocado a decidir o que
fazer e depois fui tomar banho enquanto ele e o Raul iam comprar cenas para
jantarmos em casa. Viria lá ter o Santi de Vale de Cambra, a Maria João, a
Joana e claro, a Inês, que vive com o Petiz (=Briosa). Liguei a aparelhagem e
aproveitei aqueles momentos sozinho para reorganizar a minha mala. Reavaliar as
necessidades de tantas cenas e sobretudo meter tudo a secar. Aquele quarto
parecia uma feira, com tudo pendurado por todo o lado. Em vão, pois nada
secaria.
Foi
um serão porreiro, entre os debates do costume sempre que estou com o Petiz,
sanduíches, vinho tinto, cerveja e jogos de cultura geral.
Teria
no dia seguinte a etapa mais complicada de toda a vi... – ia dizer “de toda a
viagem”, o que é engraçado, sendo que estou em viagem há apenas 12 dias. Então,
posso dizer, de toda a viagem até agora.
Acordei
e a chuva fustigava como sempre. O Vento abanava as árvores e o meu espírito um
bocado também. Não me apetecia nada pedalar à chuva, mas não me apetecia nada
ficar! Mas tinha acordado bastante tarde, e isso faria com que chegasse tarde a
Figueiró dos Vinhos. Mas queria ir!! “Pá, queria mesmo ir hoje”, disse, ao
Petiz, a olhar para a chuva lá fora. “Então vai”, disse-me o gajo. Pronto,
certinho direitinho. Almoçámos os restos de frango do dia anterior, dei uma
vista de olhos no mapa e por onde me era permitido passar de bicicleta, despedi-me
do Petiz e da Inês, e levei as cenas para a cave, onde estava a bicicleta.
Estava meio ansioso e irritável. Já eram quase quatro, chovia para carago e eu
só ia porque queria caminho, não era porque me apetecia um belo dia de bicla.
Depois não sabia de nada. Precisava de não sei quê, dava voltas e mais voltas
aos alforges e não encontrava. Encontrava e depois precisava das cordas para
prender a tenda. Zero! P’rai vinte minutos para encontrar o caraças das cordas,
que estavam num bolso que nem sabia que existia. Quando um gajo está assim
convém pararmos um minuto, respirar fundo e começar de novo, ou então nada
aparece...
Lá
me fiz ao caminho. A subir até Ceira, pim pim pim. Depois de Ceira tinha de ir
por Almalaguês. Sempre a subir. “Aquilo tem umas subidas valentes!”, avisara-me
a Inês. “Tranquilo, já domino as subidas”, respondi, com a minha arrogância de
quem faz uma cena uma vez e pensa que sabe tudo. A verdade é que não estava
muito tranquilo. Mas já tinha percebido que não há mal nenhum em levar a
bicicleta a pé de vez em quando, e assim, o fazia, p’rai duas horas depois de
ter saído de Coimbra, debruçado sobre o
volante, quando recebi uma mensagem que me daria o alento que precisava para
chegar até Figueiró dos Vinhos, custasse o que custasse.
“Olá
Pedro! Sou a Carina, de Figueiró. Tens casa à tua espera. (: alguma hora
prevista pra chegada? Alguma comida que prefiras?”
Antes
de sair de casa do Petiz tinha tido a feliz ideia de dar uma vista de olhos no
couchsurfing a ver se encontrava alguém que me pudesse albergar. Havia três
perfis, mas não tinham grande actividade, pelo que escolhi um, meti o nome no
facebook, foi parar a um perfil, e aí sim, enviei uma mensagem. Resultara, e
isso era espectacular, já não ia ter de acampar à chuva ou pagar p’rai vinte
euros para dormir numa pensão qualquer. Também era fixe ter esse destino
marcado. Se não o tivesse, talvez parasse mais cedo. Mas tendo onde chegar,
chego!
Não
me enganei nenhuma vez, mas isso porque perguntei o caminho p’rai vinte vezes,
sem exagero. E isto porque passei em sítios do mais pitoresco e escondido
possível. Correndo Portugal por estradas onde apenas bicicletas podem andar
vemos um lado diferente do nosso país. Apesar de nem sempre ser fixe, porque
sobe bués, apercebemo-nos de que Portugal é ainda mais bonito do que
pensávamos, mais autêntico. E tem espaço para carago! É só monte!
Entretanto
anoitecia e eu já todo partidinho! Comi duas barras energéticas e continuei,
pelo breu. Passei Venda de Moinhos, enviei mensagem à Carina a dizer que estava
atrasado. Daí passei por Avelar, a pensar que estava pertinho, e segui sempre.
Desci bués para Ribeira de Anges num café para encher a garrafa de água, e
depois... a subida. Subiu bués por lá cima, não havia luz nenhuma naquele
monte, chovia e o Vento dançava. Passava um carro a cada meia hora, e quando
passou uma carrinha de caixa aberta o condutor disse-me que Figueiró era já
ali. Bazou, deu a volta, e perguntou se eu queria que me levasse lá cima. “Não,
obrigado”, respondi. Não cheguei a pensar que sim, mas pensei em pensar. Ia
arrastando a bicicleta a pé e estava a custar-me tanto que de repente aquilo
não fazia sentido nenhum. De repente não fazia sentido ir de bicicleta se não
tenho preparação, se me canso desnecessariamente, se isto, se aquilo. Mas
levantava-me e mandava esses pensamentos para a escuridão, e seguia. Chegado lá
cima esperava ver Figueiró. Mas ainda tive uma hora de descidas e subidas, até
que vejo a placa. “Consegui!”. Tinham sido oito horas para fazer cerca de
cinquenta quilómetros. Tinha sido um tormento, mas nesse momento falava com a
Carina, que mandaria o pai dela buscar-me.
Estou
no chuveiro, em casa dos meus anfitriões. Sinto a água que desce da minha
cabeça deixar um sabor salgado na minha boca. Encosto as mãos à parece e sinto
as pernas a latejar. E de repente estou no sítio onde sabia que estaria, o
sítio onde afinal tudo faz sentido, e o sítio onde os nossos esforços são
recompensados, nem que seja com a mera constatação de que nos superámos.
Mas
a recompensa não seria só essa. Em Figueiró lavaram-me a roupa suja, secaram-me
toda a minha roupa molhada até quase esgotarem os radiadores da casa, deram-me
salada, sopa, arroz de pato, vinho e bolo, e deram-me um bom serão de conversa
e relax. Até que sentia o João Pestana a aproximar-se, e me despedi na São, o
Licínio e a Carina.
No
dia seguinte, depois de almoçar e da São me fazer umas sandes de omolete, segui
para Proença-a-Nova.
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