sábado, 22 de fevereiro de 2014

Coimbar e Figueiró dos Vinhos

Na Quarta-Feira acordei e, depois de ter tomado o pequeno-almoço com a Léa, fui ter com o Rui, que me abriria a porta da D’Orfeu para ir buscar a Bicicleta. Perguntei-lhe mais ou menos como saía de Águeda, e lancei-me à estrada. Hoje, em que escrevo de Sevilha, acho que esse foi o trajecto mais fácil, ou o segundo mais fácil. Tive algumas subidas fortes, que na altura me pareciam complicadas. Mas iá, hoje sei que não tinha bem noção da realidade. A verdade é que foi quase sempre plano, e só choveu um bocadito. Só a chegar a Coimbra é que tive que ir ali por Trouxemil e esse último troço subiu um pedaço. Quando cheguei ao Mondego estacionei para ligar ao pessoal a dizer que já tinha chegado e que estava tudo bem, e depois fui para casa do Briosa.

Estava sentado nas escadas do prédio quando o rapaz chegou, acompanhado do Raul. Subimos, comemos uma sanduíche, estivemos na conversa um bocado a decidir o que fazer e depois fui tomar banho enquanto ele e o Raul iam comprar cenas para jantarmos em casa. Viria lá ter o Santi de Vale de Cambra, a Maria João, a Joana e claro, a Inês, que vive com o Petiz (=Briosa). Liguei a aparelhagem e aproveitei aqueles momentos sozinho para reorganizar a minha mala. Reavaliar as necessidades de tantas cenas e sobretudo meter tudo a secar. Aquele quarto parecia uma feira, com tudo pendurado por todo o lado. Em vão, pois nada secaria.

Foi um serão porreiro, entre os debates do costume sempre que estou com o Petiz, sanduíches, vinho tinto, cerveja e jogos de cultura geral.

Teria no dia seguinte a etapa mais complicada de toda a vi... – ia dizer “de toda a viagem”, o que é engraçado, sendo que estou em viagem há apenas 12 dias. Então, posso dizer, de toda a viagem até agora.

Acordei e a chuva fustigava como sempre. O Vento abanava as árvores e o meu espírito um bocado também. Não me apetecia nada pedalar à chuva, mas não me apetecia nada ficar! Mas tinha acordado bastante tarde, e isso faria com que chegasse tarde a Figueiró dos Vinhos. Mas queria ir!! “Pá, queria mesmo ir hoje”, disse, ao Petiz, a olhar para a chuva lá fora. “Então vai”, disse-me o gajo. Pronto, certinho direitinho. Almoçámos os restos de frango do dia anterior, dei uma vista de olhos no mapa e por onde me era permitido passar de bicicleta, despedi-me do Petiz e da Inês, e levei as cenas para a cave, onde estava a bicicleta. Estava meio ansioso e irritável. Já eram quase quatro, chovia para carago e eu só ia porque queria caminho, não era porque me apetecia um belo dia de bicla. Depois não sabia de nada. Precisava de não sei quê, dava voltas e mais voltas aos alforges e não encontrava. Encontrava e depois precisava das cordas para prender a tenda. Zero! P’rai vinte minutos para encontrar o caraças das cordas, que estavam num bolso que nem sabia que existia. Quando um gajo está assim convém pararmos um minuto, respirar fundo e começar de novo, ou então nada aparece...

Lá me fiz ao caminho. A subir até Ceira, pim pim pim. Depois de Ceira tinha de ir por Almalaguês. Sempre a subir. “Aquilo tem umas subidas valentes!”, avisara-me a Inês. “Tranquilo, já domino as subidas”, respondi, com a minha arrogância de quem faz uma cena uma vez e pensa que sabe tudo. A verdade é que não estava muito tranquilo. Mas já tinha percebido que não há mal nenhum em levar a bicicleta a pé de vez em quando, e assim, o fazia, p’rai duas horas depois de ter saído de  Coimbra, debruçado sobre o volante, quando recebi uma mensagem que me daria o alento que precisava para chegar até Figueiró dos Vinhos, custasse o que custasse.

“Olá Pedro! Sou a Carina, de Figueiró. Tens casa à tua espera. (: alguma hora prevista pra chegada? Alguma comida que prefiras?”

Antes de sair de casa do Petiz tinha tido a feliz ideia de dar uma vista de olhos no couchsurfing a ver se encontrava alguém que me pudesse albergar. Havia três perfis, mas não tinham grande actividade, pelo que escolhi um, meti o nome no facebook, foi parar a um perfil, e aí sim, enviei uma mensagem. Resultara, e isso era espectacular, já não ia ter de acampar à chuva ou pagar p’rai vinte euros para dormir numa pensão qualquer. Também era fixe ter esse destino marcado. Se não o tivesse, talvez parasse mais cedo. Mas tendo onde chegar, chego!

Não me enganei nenhuma vez, mas isso porque perguntei o caminho p’rai vinte vezes, sem exagero. E isto porque passei em sítios do mais pitoresco e escondido possível. Correndo Portugal por estradas onde apenas bicicletas podem andar vemos um lado diferente do nosso país. Apesar de nem sempre ser fixe, porque sobe bués, apercebemo-nos de que Portugal é ainda mais bonito do que pensávamos, mais autêntico. E tem espaço para carago! É só monte!

Entretanto anoitecia e eu já todo partidinho! Comi duas barras energéticas e continuei, pelo breu. Passei Venda de Moinhos, enviei mensagem à Carina a dizer que estava atrasado. Daí passei por Avelar, a pensar que estava pertinho, e segui sempre. Desci bués para Ribeira de Anges num café para encher a garrafa de água, e depois... a subida. Subiu bués por lá cima, não havia luz nenhuma naquele monte, chovia e o Vento dançava. Passava um carro a cada meia hora, e quando passou uma carrinha de caixa aberta o condutor disse-me que Figueiró era já ali. Bazou, deu a volta, e perguntou se eu queria que me levasse lá cima. “Não, obrigado”, respondi. Não cheguei a pensar que sim, mas pensei em pensar. Ia arrastando a bicicleta a pé e estava a custar-me tanto que de repente aquilo não fazia sentido nenhum. De repente não fazia sentido ir de bicicleta se não tenho preparação, se me canso desnecessariamente, se isto, se aquilo. Mas levantava-me e mandava esses pensamentos para a escuridão, e seguia. Chegado lá cima esperava ver Figueiró. Mas ainda tive uma hora de descidas e subidas, até que vejo a placa. “Consegui!”. Tinham sido oito horas para fazer cerca de cinquenta quilómetros. Tinha sido um tormento, mas nesse momento falava com a Carina, que mandaria o pai dela buscar-me.


Estou no chuveiro, em casa dos meus anfitriões. Sinto a água que desce da minha cabeça deixar um sabor salgado na minha boca. Encosto as mãos à parece e sinto as pernas a latejar. E de repente estou no sítio onde sabia que estaria, o sítio onde afinal tudo faz sentido, e o sítio onde os nossos esforços são recompensados, nem que seja com a mera constatação de que nos superámos.
 
Mas a recompensa não seria só essa. Em Figueiró lavaram-me a roupa suja, secaram-me toda a minha roupa molhada até quase esgotarem os radiadores da casa, deram-me salada, sopa, arroz de pato, vinho e bolo, e deram-me um bom serão de conversa e relax. Até que sentia o João Pestana a aproximar-se, e me despedi na São, o Licínio e a Carina.

No dia seguinte, depois de almoçar e da São me fazer umas sandes de omolete, segui para Proença-a-Nova.

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