Quando bazei de Proença-a-Nova fui tentando lembrar-me do caminho que o Luís me tinha mostrado no dia anterior, e lá fui seguindo tranquilamente. Depois de uma subida mais agressiva, a cena estabilizou e o caminho foi porreiro, planinho, permitindo-me deslizar bem.
O
meu pai apareceu quando subia uma estrada qualquer, depois de descer para o rio
Ocreza. Dei-lhe a mochila para levar no carro, e depois tive a brilhante ideia
de lhe dar tudo o que tinha. Alforges, tenda, tudo. Já me tinha provado a mim
mesmo que conseguia fazer isto. Tinha tido um tormento de Vale de Cambra a
Águeda e um super tormento de Coimbra a Figueiró e, apesar de ter custado,
tinha conseguido. Por isso não havia necessidade de estar ali a castigar-me só
porque sim. Mal me voltei a por na Bicicleta, ui, quase que voava. Até
demais... porque tive o meu primeiro contratempo técnico. Estava a chegar às
Portas de Rodão, uma descida espectacular apresentava-se à frente. Sorri e
segui. E depois deixei de sorrir, porque queria deixar de seguir. É que os
travões, que de si já estavam mal afinados, estavam húmidos, e travando com
toda a força estava a ganhar velocidade! Um bocado assustador. Tive de meter o
pé a zorrar no chão, aguentar a dor no gémeo esquerdo, e parar.
O
meu pai, claro, disse logo para por a bicicleta no carro e seguir. Disse que
não e tentei ir de novo. Não ia dar. A única opção foi por-me a pé. Numa
descida espetacular! A pé! Como não tinha onde ficar em Nisa, o meu destino
desse dia, tinha pensado em seguir sempre até Portalegre. Mas assim não ia dar.
O mais estúpido é que dei por mim a ansiar por subidas!
Lá
cheguei às Portas de Rodão, e o meu pai avisou-me que vinha aí uma grande
subida e não sei quê, e que eu podia muito bem meter a Bicicleta no carro. Que
raios! Não era isso que estava a fazer, mas parecia que estava a testar-me.
Recusei mais uma vez, depois de ter ligado ao Santana a perguntar que fazer, e
comecei a tal subida. Na verdade aquilo foi grande empreitada, mas fez-se bem.
Entretanto a Bicicleta secou e já podia depois descer bem o que se aproximava.
Chegando-se
ao Alentejo, andar de bicicleta é outra coisa. Parece mesmo que aquela linha
fluvial impõe à geografia a plenitude. Tanto que voei até Nisa. Voei e passei!
Tinha a Graciete na cabeça e queria mesmo vê-la nessa noite. Ainda faltavam uns
quarenta quilómetros até lá, mas com as asas do amor voa-se fácil. Passou
Alpalhão e depois a dúvida se podia andar no IP ou não. Achando que não, mais
um desvio até ao Crato, e depois fazer o ângulo recto em direcção a Portalegre.
A última hora foi a dez, com pequenas subidas a parecerem paredes. Mas
consegui. Fiz p’rai noventa quilómetros nesse dia, e consegui estar com o meu
Kidus!
Foi
fixe estar em Portalegre, claro. E agora que escrevo de Algeciras, gostava de
lá estar outra vez com a Graciete. Mas se lá estivesse ia querer estar em
viagem. Complicado.
Fez
os 30, o meu Kidus, e fomos jantar com os amigos dela. Tentei tratar de algumas
cenas enquanto lá estive e bazei na Quarta, depois de três dias parado. A ideia
era a Graciete ir comigo de carro, como se o meu pai lhe tivesse passado a
estafeta.
De
Portalegre fui para Olivença, a cidade mais ou menos portuguesa, mais ou menos
espanhola. Tinha pedido à Graciete para lá estar quando eu chegasse, para ter
arranjado um hostel e eu poder descansar e tomar banho mal chegasse. Porém a
miúda, que até queria encontrar-me a meio, em Elvas, não conseguiu. Os atrasos
da Graciete são a maior fonte consistente de stresses que temos.
No dia
seguinte, depois do pequeno-almoço no hostel, demos uma voltita por Olivença e
seguimos. Queria passar por Barrancos, que implicava um desvio de apenas dez
quilómetros, porque tinha curiosidade de conhecer a vila. Por isso, antes de
sair de Olivença fui ao grupo da terra do facebook e enviei mensagem à
moderadora do mesmo a explicar a minha cena, e a pedir para ela publicar no
grupo a ver se arranjávamos guarida. De repente era só malta a responder e já
tínhamos mais que um sítio! Altamente!
Foi uma etapa
muito madrasta. Subiu bués e doeu-me o rabo como nunca. Tinha de ir parando de
vez em quando, outras vezes a caminhar. Mas lá cheguei a Barrancos, a primeira
vila portuguesa de quem vem daquele lado, que se vê ao longe, bela ao cimo de
uma colina. Enviei mensagem à Ana, encontramo-nos lá no centro e foi levar-nos
aonde ficaríamos.
Quem nos
albergou foi uma família que, pelos vistos, é a família cuja casa recebe toda a
gente. Uma família cuja casa tem sempre a porta aberta e onde se respira boa
onda logo ao entrar. Pois o João, um dos filhos, tendo visto a mensagem no
facebook, ligou à mãe e a Maria prontamente disse que sim, mesmo confundindo e
pensando que ia albergar um sul-africano em vez de um português que vai para a
África do Sul! “Se vêm de bicicleta devem ser hippies”, tinha dito o Luís à sua
mãe, na brincadeira. “Pois se forem, são, não há diferença”, respondera a
matriarca.
Banho tomado
descemos à sala e estivemos um pouco à conversa com a família e daí fomos para a
mesa jantar um entrecosto espetacular. Senti logo de imediato, pelo discurso
das pessoas, um grande sentimento de coesão e comunidade em Barrancos.
Touradas, se forem como imagino que são, não é algo que me agrade, mas ainda
assim foi interessante confirmar o quanto está presente na identidade do local.
Depois do
jantar o Luís, o filho mais novo, pegou em nós e, a caminho da Forja, o bar
local, e vindo do mesmo, deu-nos uma pequena visita guiada àquela pacata
localidade de casas brancas e beirais amarelos.
Foi um pequeno
desvio, mas que valeu bem a pena. Seguiria no dia seguinte para a Serra de
Aracena, novamente.