Aí está tudo. A VIDA a assobiar! “Ó rapaz and’áqui ver uma coisinha que não te faço mal”. E um gajo lá se engana e desengana e segue caminho. Vai ver aquilo e afinal não era só uma coisinha mas uma cornucópia de visões ainda não vistas e sentidos ainda não sentidos que se adivinham a libertar de uma caixa de uma Pandora alegre e distraída que na verdade... não faz, efectivamente, mal a ninguém senão um implante de saudades irrecuperáveis de tempos idos .
Um “bons olhos me vejam” para o sentimento pródigo que hoje se anuncia a corpo inteiro. A estrica, como hoje lhe chamei para não usar termos foleiros e mortais como “ansiedade” ou “euforia”, cá está, deitada do meu lado a contar estrelas naquela parede branca. Depois daquela noite antes de ir para Londres essa estrica foi ficando mais tímida, viagem após viagem. Se calhar achou que eu já não precisava dela. A bem dizer, talvez não precisasse, mas porque terei de me conformar em ter aquilo de que apenas preciso, se aquilo que quero nada me custa? Antes de ir para a Índia, pela novidade da viagem, não sei bem se apareceu ou se mandou alguém por vez dela. “Ah pá... a Estrica de Viagem... hum [e eu a ver o nervosismo de quem está a mentir]... morreu pá! Mas vim eu, que sou ainda melhor! Ela antes de morrer teve como último desejo um último pupilo e escolheu-me e tive cadeiras com a Estrica do Marco Polo e tudo!! A sério” – levei eu assim o couro, mais ou menos.
Mas a Estrica de Viagem não morre. Tampouco a podemos esquecer. Suponho que seja como o romantizado primeiro amor. Adora-se o que se sente, e se vier a calhar esse sentimento passar, adora-se o que se sentiu, ainda que se possa apenas descrever por andrajosas palavras. É um sentimento composto por aquela adrenalina prima do medo, o entusiasmo amigo da euforia, os sonhos crianças a pensar o que serão quando forem grandes e uma noção clara como uma chama na escuridão de que se está plenamente Vivo. São todos estes sentimentos e conceitos metidos numa cápsula dentro do peito, aguentados por uma pedra de meio quilo que nos obriga a respirar mais devagarinho e a suspirar mais frequentemente.
Assim claro, a Estrica de Viagem não morre. Morrer é para os fraquinhos. A estrica de viagem fica é esquisita. Não que a gasolina agora está cada vez mais cara, e ela não pode aparecer de cada vez que um gajo vai viajar. Não senhor, é escolher com cuidadinho... ok, ok...
As despedidas finais hoje, e amanhã acordar às seis da manhã para caminhar cinquenta metros e ver se os carros (ou camiões) param na estrada para nos levar. O Joãozito (não é esse, é outro, de Lisboa, que vai comigo) ali na sala a dormir, tendo chegado hoje com a antecipadamente saudosa mãe que me disse que “para quem não é [mãe], é impossível explicar, e para quem é, não vale a pena explicar”.
Assim nos entregaremos com os passaportes encafuados nas gavetas da em baixada do Paquistão, à espera daquele selo especial e de depois se enviarem por correio até onde quer que estejamos. Leva-se no bolso aquela adrenalinazita de medo que é contemplar o extravio, mas que se pode fazer? Esperar mais semanas e semanas? Sim, pode-se fazer, mas não se pode fazer. E se assim acontecer, e forem os passaportes para o Inferno do correio perdido, talvez uma viagem aérea relâmpago a Lisboa, um passaporte de emergência e toca a andar sem visto nenhum. Ir à volta, pela Rússia? Quem sabe. Por agora o plano está claro.
1h02-3ª-25-1-11
Portalegre
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